tag:blogger.com,1999:blog-69872967773446361732024-02-07T07:41:33.675-08:00Montando o Quebra-Cabeça (Daniel Gontijo)Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.comBlogger56125tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-65156192435664108592015-05-26T17:49:00.000-07:002015-05-29T10:07:56.796-07:00Os estados mentais inconscientes existem?<div style="text-align: justify;">
Embora a Filosofia da Mente possua
uma agenda muito ocupada com os problemas da consciência, há uma questão
que, para os psicólogos mais céticos e pragmáticos, pode ser muito mais
atraente e envolvente – mas igualmente polêmica. Essa questão, que
parece passar intocada pelos graduandos de Psicologia, por seus
professores e para o público leigo, é a de se os estados mentais
inconscientes(1) realmente existem – logo eles, que são rotineiramente
invocados para se explicar o comportamento. Antes disso, é
impressionante como até mesmo nós, clínicos e/ou professores, temos
dificuldade em descrever o que <i>são </i>esses estados mentais – ou <a href="http://danielgontijo.blogspot.com.br/2014/06/a-mente-e-o-inconsciente-lugares.html#more" target="_blank">o que é a mente, afinal</a>.
Mas eu não estou aqui para tentar resolver o problema, e sim, entre
outros motivos – inconscientes? –, para colocá-lo sobre a mesa. Devo
adiantar que o que virá a seguir não é uma análise sobre os conteúdos e
processos inconscientes postulados pela Psicanálise, da qual eu não
tenho o menor domínio, e sim sobre a tese mais genérica e popular de que
existe uma fatia da mente que trabalha e nos afeta sem sequer
percebermos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjPiMAOjQYSqkZrkUhGneIf0Uq4h7m6m7_eGAfV2knOm1ZLuSgZsnJwz-yRJ9vgchz82zzK6ArIRV9ztdICQpiGMiaT7VT-IZx4pnPEitMmjmIkPocy9KMfSiYrNXL7DRs_KGWrwEDmqHBI/s1600/article-2287615-185F1BFB000005DC-368_634x716.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjPiMAOjQYSqkZrkUhGneIf0Uq4h7m6m7_eGAfV2knOm1ZLuSgZsnJwz-yRJ9vgchz82zzK6ArIRV9ztdICQpiGMiaT7VT-IZx4pnPEitMmjmIkPocy9KMfSiYrNXL7DRs_KGWrwEDmqHBI/s320/article-2287615-185F1BFB000005DC-368_634x716.jpg" width="283" /></a></div>
<b></b><br />
<a name='more'></a><b>O que são os estados mentais inconscientes?</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Em seu livro "A redescoberta da mente", o filósofo John Searle (1997/2006) comentou que</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
nossa noção pré-teórica, ingênua, de um estado mental <i>inconsciente</i>
é a ideia de um estado mental consciente menos a consciência. Mas o que
exatamente isso significa? Como poderíamos subtrair a consciência de um
estado mental e ainda resultar um estado <i>mental</i>? Desde Freud,
ficamos tão acostumados a falar sobre estados mentais inconscientes que
perdemos de vista o fato de que a resposta a essa questão não é
absolutamente óbvia (pp. 218-219).</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Basicamente, a ideia de Searle é a de que acreditamos que os estados mentais inconscientes sejam <i>idênticos</i> aos estados mentais conscientes, <i>exceto por não serem conscientes</i>.
O problema disso é que, sem as propriedades fenomênicas, ou conscientes
(e.g., cor, som e sensação), que caracterizam os estados mentais, quase
nada resta para nos prover um entendimento do que sejam esses estados
mentais. Especificamente, o que restaria das noções de raiva e desejo,
enquanto eventos <i>sentidos</i>, caso retiremos as sensações que lhes
caracterizam? E o que restaria da noção de lembrança, enquanto, digamos,
um conjunto de eventos privadamente <i>vistos</i> (e.g., o rosto de Michael Jackson) ou<i> ouvidos</i>
(e.g., o refrão de "Billie Jean"), caso retiremos os componentes
visuais ou auditivos que lhe caracterizam? Sem essas propriedades,
passamos a não ter a menor ideia do que se tratam a raiva, o desejo e a
lembrança inconscientes. Tal como uma cadeira sem um encosto, um assento
e uma base/pés está longe de se parecer com o que entendemos por
"cadeira", um estado mental sem suas propriedades fenomênicas está longe
de se assemelhar com o que conhecemos por "estado mental". Diante
disso, podemos justificadamente questionar não só em que exatamente os
estados mentais inconscientes consistem, mas também se eles realmente <i>existem</i>.<br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi6X6LXQ65v5dHuCVkIp4eJZ7E3L8MfkeGITVUGDzxnC7uRHU7R9iRa4F7njVQwmXq4hUCSlwLlsEFu0DlrMRs6iFDWlyw1V5HayjF2hfYlL2ILt912DO27d70hRYw4Wxq25jwUBV84XUGe/s1600/high_chair_shoes.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi6X6LXQ65v5dHuCVkIp4eJZ7E3L8MfkeGITVUGDzxnC7uRHU7R9iRa4F7njVQwmXq4hUCSlwLlsEFu0DlrMRs6iFDWlyw1V5HayjF2hfYlL2ILt912DO27d70hRYw4Wxq25jwUBV84XUGe/s200/high_chair_shoes.jpg" width="155" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"Essas são as suas novas <i>cadeiras</i>?"</td></tr>
</tbody></table>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Os estados mentais inconscientes existem? </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Se concebermos um estado mental como um <i>evento subjetivamente privado</i>
(cf. Creel, 1980), isto é, como um evento que só pode ser experimentado
pelo indivíduo que o apresenta (e.g., os sentimentos, as lembranças e
os sonhos), podemos logicamente concluir que "Não, os estados mentais
inconscientes não existem, pois não faz <i>sentido</i> dizer que apresentamos experiências conscientes
de eventos dos quais não temos consciência". Nesse caso, dizer que os
eventos mentais podem ser inconscientes é tão inconsistente quanto a
crença de Quico – aquele da vila do Chaves – de que existia uma bola<i> quadrada</i>. Tal como não podemos imaginar o que seria uma bola quadrada,
parece que não podemos inteligivelmente conceber o que seriam os
estados mentais inconscientes. Assim, para se defender que os estados
mentais inconscientes realmente existem, é necessário fazer com que a
noção de "mental" abranja mais do que os tipos de evento de que podemos
ter experiência privada. Isso, como veremos agora, foi o que Searle
procurou fazer para tentar solucionar o problema:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
A ontologia de estados mentais inconscientes, durante o tempo em que são inconscientes, consiste inteiramente na existência de <i>fenômenos puramente neurofisiológicos</i> (p. 228, destaque meu).<br />
Dentre
os processos neurofisiológicos inconscientes, alguns são mentais,
outros não. A diferença entre eles não está na consciência, porque, por
hipótese, nenhum é consciente; a diferença é que os processos mentais
são <i>candidatos à consciência</i>, porque são capazes de causar estados conscientes (p. 232).</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Em suma, Searle estendeu aos processos neurofisiológicos <i>conscientizáveis</i> a noção daquilo que podemos chamar de "mental". Os estados mentais inconscientes seriam, nesse sentido, os estados <i>neurofisiológicos</i>
do cérebro que, embora em estado "latente", ou "disposicional", podem
ocasionalmente ser experimentados conscientemente por quem os apresenta. O autor cita a crença como um tipo desses estados mentais. Por exemplo, um indivíduo que tem a crença de que o Cristo Redentor está no Rio de Janeiro não deixa de possuir essa crença enquanto está em sono profundo, ou mesmo, estando desperto, enquanto não está pensando no assunto. Mas, nesses casos, essa crença existiria apenas enquanto um estado mental neurofisiológico passível de ser conscientizado.<br />
<br />
Como podemos ver, a solução de Searle
oferece uma noção muito menos colorida, ou <i>psicológica</i>, da
natureza dos conteúdos que, a despeito de nossa consciência, afetam nosso comportamento. Especificamente, o autor sublinhou
que, "durante o tempo em que os estados [mentais] estão totalmente
inconscientes, não há simplesmente nada lá, exceto estados e processos
neurofisiológicos" (p. 229). Voltando à analogia que fiz anteriormente, é como se a bola quadrada do Quico realmente existisse, mas ela não seria quadrada conforme as regras da geometria.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Se
a proposta de Searle parece salvar a tese de que os estados mentais
inconscientes existem, ela parece fazê-lo sob uma condição: desde que
esses estados são, no final das contas, estados neurofisiológicos, seu
estudo não poderia mais pertencer à Psicologia, e sim à <i>Neurociência</i>. Ora, uma vez que os estados mentais inconscientes não são <i>psicologicamente</i> mentais, e sim, por mais estranho que pareça, <i>neurofisiologicamente</i>
mentais, eles passam a demandar um método de análise distinto, e talvez
uma teia conceitual alternativa. Mesmo que a Neurociência tome a
Psicologia como uma forte aliada, o funcionamento do sistema nervoso
central está longe de ser o objeto de estudo que os cientistas da
mente/do comportamento primordial e oficialmente elegeram. Portanto, a
solução de Searle para o problema dos estados mentais inconscientes
parece não ser muito útil àqueles psicólogos interessados em estudar
esses estados mentais sob a perspectiva <i>psicológica</i> – a não ser no sentido de fazê-los desistir desse projeto ou, quem sabe, de incentivá-los a se tornarem neurocientistas.</div>
<br />
<b>Algumas considerações</b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Obviamente,
a proposta de Searle não é a palavra final sobre o problema dos estados
mentais inconscientes. Embora ele tenha conseguido dar um contorno
ontológico a esses estados, eu não estou tão satisfeito quanto à
adequação de se <i>mentalizar</i> os estados neurofisiológicos passíveis
de serem experimentados conscientemente por quem os apresenta. No meu
ponto de vista, essa saída é tão estranha quanto seria dizer que, uma
vez que a água em estado sólido pode se quebrar, seu estado líquido seria também <i>quebradiço</i>. A água tem a "disposição" para se quebrar e o cérebro tem a "disposição" para gerar estados mentais conscientes (i.e., dependendo da circunstância, eles podem apresentar essas características), mas não me parece correto dizer que a água líquida é quebradiça e que os estados neurofisiológicos conscientizáveis são estados mentais inconscientes. No final das contas, tenho a impressão
de que essa extensão conceitual não nos isenta de mais problemas
conceituais.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Por fim, não quero deixar a impressão de que eu não acredito que o comportamento seja <i>também</i>
causado por variáveis das quais não temos consciência. É claro que
essas variáveis existem. A questão a ser enfrentada é simplesmente a de
se algumas dessas variáveis são do tipo <i>mental</i>, <i>psíquico </i>ou <i>psicológico</i>,
e a resolução desse problema começa, é claro, em se definir bem a
natureza dos estados mentais. A despeito da minha insatisfação quanto à
proposta de Searle, devo dizer que estou inclinado a pensar que a
Neurociência tem, ou terá, mais a nos oferecer acerca desse assunto do
que a própria Psicologia. Por outro lado, eu honestamente torço para
encontrar quem me convença do contrário.</div>
<br />
<br />
<b>Nota</b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
(1) Como comentei <a href="http://danielgontijo.blogspot.com.br/2014/06/a-mente-e-o-inconsciente-lugares.html" target="_blank">noutra ocasião</a>, mesmo que não seja um grande pecado chamar esses estados de "inconscientes", deve-se ter em mente que eles seriam inconscientes <i>para o indivíduo</i>, ou seja, eles seriam inconscientes apenas no sentido de que <i>alguém</i> não possui consciência deles (cf. Bennett & Hacker, 2003).</div>
<br />
<b>Referências</b><br />
<br />
<ul>
<li>Bennett, M. R., & Hacker, P. M. S. (2003). <i>Fundamentos filosóficos da neurociência</i>. Lisboa: Instituto Piaget.</li>
<li>Creel, R. (1980). Radical epiphenomenalism: B. F. Skinner's account of private events. <i>Behaviorism</i>, <i>8</i>(1), 31-55. </li>
<li>Searle, J. (1997/2006). <i>A redescoberta da mente</i>. São Paulo: Martins Fontes. </li>
</ul>
Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-79219492185374031182014-11-23T16:07:00.000-08:002017-02-12T05:18:09.188-08:00A falácia mereológica da Neurociência é uma chatice analítica da Filosofia?<div style="text-align: justify;">
Antes de ontem, ao apresentar um pequeno
trabalho intitulado "A falácia mereológica da Neurociência" no <a href="http://www.neuropsicologia.eventize.com.br/" target="_blank">XIII Congresso Brasileiro da SBNp</a>, eu fui
questionado sobre se os problemas filosóficos, sobretudo os conceituais,
são realmente relevantes para a Neurociência. "Afinal", perguntaram-me,
"em que sentido isso é importante para nós?" Infelizmente, o descaso do
avaliador do meu painel não foi desfeito por eu ter mencionado que os
conceitos que utilizamos na ciência influenciam não apenas as perguntas
que formulamos, mas também como interpretamos nossos dados e como eles
são divulgados pela mídia. E, cá para nós, uma afirmação como "uma parte
do cérebro fora do seu controle é quem escolhe por você" está longe de
ser inofensiva <span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">–</span> e, como pretendo demonstrar, não está perto de fazer algum sentido.<span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-cRG1-wByNsSRrusSwldosd-eBdbIqwy1D77hCd0Ek-DzZgGeiyQDtbLWDDytpIKEuYjyzoRMZUKMsgfQb4XGeJOG18Ld9Dgo2YculHb864iu6f35Gm5fiXywDR9pho2vbv8Aisi2mOuX/s1600/capa-galileu-voce-nao-decide.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-cRG1-wByNsSRrusSwldosd-eBdbIqwy1D77hCd0Ek-DzZgGeiyQDtbLWDDytpIKEuYjyzoRMZUKMsgfQb4XGeJOG18Ld9Dgo2YculHb864iu6f35Gm5fiXywDR9pho2vbv8Aisi2mOuX/s1600/capa-galileu-voce-nao-decide.jpg" width="240" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<br />
<a name='more'></a><div style="text-align: justify;">
A
falácia mereológica da Neurociência é o erro de se atribuir ao cérebro
predicados que só fazem sentido quando atribuídos ao indivíduo inteiro
(Bennett & Hacker, 2003). Exemplos desses predicados são "percebe",
"sente" e "toma decisões". Nós sabemos o que significa dizer que <i>um indivíduo</i> percebe, sente e toma decisões, mas não há um sentido claro na afirmação de que <i>um cérebro</i>
percebe, sente e toma decisões. Para que haja algum sentido em atribuir
esses predicados ao cérebro, é necessário estabelecer critérios <i>neurobiológicos </i>que
os justifiquem. Por exemplo, enquanto aprendemos (e depois disso), uma
série de modificações sinápticas ocorrem no cérebro. Caso convencionemos chamar essas modificações de "aprendizagem neural", então
teríamos um bom critério <span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">–</span> as modificações sinápticas <span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">–</span>
para dizer inteligivelmente que "o cérebro aprende". Mas, como Bennett e
Hacker demonstraram (2003), os neurocientistas não estabelecem qualquer
tipo de critério para atribuírem predicados (originalmente) psicológicos ao cérebro.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mesmo
que os neurocientistas estabelecessem esses critérios, haveria um
segundo problema a ser encarado, a saber, o de aqueles predicados se
tornarem <i>ambíguos</i>. Haveria, por exemplo, o aprender (psicológico)
e o "aprender" (neurobiológico), o lembrar (psicológico) e o "lembrar"
(neurobiológico) e o planejar (psicológico) e o "planejar"
(neurobiológico). Isso geraria muitíssimo mais confusão ao nos comunicarmos do que costuma
gerar o uso rotineiro do termo "manga" <span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">–</span> que pode ser um fruto, a parte de um vestuário ou um tubo flexível.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Vejamos um exemplo de como o uso indiscriminado dos predicados psicológicos pode gerar confusões. Na reportagem de Salvador Nogueira (2008)
intitulada <a href="http://super.abril.com.br/saude/livre-arbitrio-nao-existe-447694.shtml" target="_blank"><i>O livre-arbítrio não existe: Você é escravo do seu cérebro</i></a>,
John Dylan-Haynes comenta que, "nos casos em que as pessoas podem tomar
decisões em seu próprio ritmo e tempo, o cérebro parece decidir antes
da consciência". O que pensar de uma afirmação como essa? Quer dizer que existe uma "decisão pessoal",
uma "decisão cerebral" e, de bônus, uma "decisão da consciência"? O
que exatamente elas são, qual é a diferença entre elas e como elas se
relacionam? E, uma vez que "você é escravo do seu
cérebro" (Nogueira, 2008), ou, como a Galileu alardeou no ano passado, uma vez que "VOCÊ NÃO DECIDE", seria o caso de a decisão pessoal ser uma <i>ilusão</i>?</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Notem como a confusão conceitual é capaz de suscitar tanto interpretações confusas de experimentos quanto <i>pseudo</i>problemas
(filosóficos e científicos). Ora, os neurocientistas podem até demonstrar
que a decisão de uma pessoa numa situação controlada pode ser prevista a
partir da atividade de seu cérebro, mas isso não significa que o
cérebro é quem decide nem que as pessoas não tomam decisões. Tal como o
esclarecimento sobre o que ocorre no cérebro antes de dizermos
"Obrigado!" não implicaria em que as pessoas não dizem "Obrigado!", o
esclarecimento sobre os processos neurobiológicos que antecedem uma
decisão não implica em que as pessoas não tomam decisões. Naturalmente, o esclarecimento <i>conceitual</i> evitaria esse tipo de confusão.<br />
<br />
<br />
<b>E então, o que fazermos com isso?</b><br />
<br />
Como
adiantei, minha tentativa de demonstrar que o rigor conceitual pode
beneficiar a Neurociência não foi bem sucedida. O avaliador do meu
trabalho comentou que "aquele livro (o <i>Fundamentos filosóficos da Neurociência</i>,
a partir do qual baseei meu trabalho) é muito chato", e um colega me disse noutra ocasião que os neurocientistas vão indo muito bem sem esse tipo de
preocupação. Por isso, por que não podemos simplesmente deixar as coisas
como estão?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Boa
parte dos neurocientistas, sobretudo aqueles que integram a Neurociência
Cognitiva, assumiu a árdua tarefa de investigar as bases
neurobiológicas do comportamento (e, caso queiram distinguir, da cognição). Sua investigação é <i>empírica</i>, e não <i>conceitual</i>, e isso explica por que eles estão mais interessados em causas do que em definições.
Não há nada de lamentável nisso. Mas, se alguns filósofos se dedicam a
investigar nossos erros conceituais e a tentar nos ajudar a evitá-los <span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">–</span> e a explicar por que pode ser <i>bom</i> evitá-los <span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">–</span>, por que não darmos ao menos um pouco de atenção ao assunto? Sempre gostei da característica interdisciplinar da Neurociência, mas eu estou começando a sentir que os neurocientistas não curtem uma "crítica interdisciplinar".<br />
<br />
<i>Eu</i>, a partir do meu cérebro e sob a boa influência dos meus colegas da Filosofia, decidi não deixar as coisas como estão.<br />
<br />
<br />
<b>Referências</b><br />
<br />
<ul>
<li>Bennett, M. R., & Hacker, P. M. S. (2003). <i>Fundamentos filosóficos da Neurociência</i>. Lisboa: Instituto Piaget.</li>
<li>Nogueira, S. (2008). O livre-arbítrio não existe: a ciência comprova: você é escravo do seu cérebro. Disponível em: http://super.abril.com.br/saude/livre-arbitrio-nao-existe-447694.shtml </li>
</ul>
</div>
<span style="color: black; font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"></span>Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com9tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-91167487272673185042014-06-08T21:04:00.000-07:002015-05-26T17:09:26.648-07:00A mente e o inconsciente: lugares, ficções ou eventos comportamentais?<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Todos
nós, psicólogos ou não, podemos nos embaraçar ao tentar explicar o que é
a mente. "Mente" é de fato um termo bastante escorregadio, e nem mesmo
os filósofos conseguiram entrar em consenso sobre sua definição.
No cotidiano, tendemos a pensar que a mente é um lugar especial – e quiçá imaterial – no qual ocorrem nossas ideias, sonhos e
expectativas. Tanto é que, recentemente, uma cliente me pegou de
surpresa com a pergunta "O irracional <i>está</i> <i>no</i> inconsciente?".
Afinal, o que exatamente seria a mente, e como ela poderia, em seu
compartimento inconsciente, abrigar a irracionalidade? Por ter me dado o
combustível necessário para pensar bastante sobre o assunto, dedico
este texto à dona de uma das questões mais inusitadas que já me foram
endereçadas. E, agora com mais tempo e espaço, tentarei respondê-la em
pormenores.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjSJOTjVS_VwQQqmDoLtuO7faRulVafu1JRf60QZtLAZQDVpc8Pr8Xgec6_yH3hAJIfD9thFBp5aRS-LScqFV6fqPp4MPGasrAP8yQj9EN-y7aRBJ6b6W2tylzalwotMkyNJk6Ow8Lq2Zsq/s1600/lugares+mentais.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="226" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjSJOTjVS_VwQQqmDoLtuO7faRulVafu1JRf60QZtLAZQDVpc8Pr8Xgec6_yH3hAJIfD9thFBp5aRS-LScqFV6fqPp4MPGasrAP8yQj9EN-y7aRBJ6b6W2tylzalwotMkyNJk6Ow8Lq2Zsq/s1600/lugares+mentais.jpg" width="320" /></a></div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<a name='more'></a>Longe de querer trazer o inconsciente <span style="mso-bidi-font-style: normal;">psicanalítico</span> para o foco desta discussão, acho válido começarmos
com uma definição formal: </div>
<br />
<blockquote class="tr_bq">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="color: #666666;">Em psicanálise, o inconsciente é um lugar desconhecido pela
consciência: uma "outra cena". Na primeira tópica elaborada por Sigmund Freud,
trata-se de uma instância ou um sistema (Ics) constituído por conteúdos
recalcados que escapam às outras instâncias, o pré-consciente e o consciente
(Pcs-Cs). Na segunda tópica, deixa de ser uma instância, passando a servir para
qualificar o isso [ou id] e, em grande parte, o eu [ou ego] e o supereu [ou
superego] (Roudinesco & Plon, 1998, p. 375).</span></div>
</blockquote>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A noção popular de que o inconsciente é um <i style="mso-bidi-font-style: normal;">lugar</i> foi
provavelmente difundida pelos psicanalistas. Apesar disso, dizer que o inconsciente é um
lugar é diferente de dizer que ele é "um sistema (Ics) constituído por
conteúdos recaldados que escapam às outras instâncias". O verbo "escapar" pode
até sugerir que os conteúdos fogem <span style="mso-bidi-font-style: normal;">de um
lugar para outro</span>, mas o termo pode ter sido usado apenas num sentido
metafórico. Seja como for, comumente vemos o inconsciente ser tratado como uma
região, um espaço ou um lugar que detém conteúdos mentais ocultos.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Conceber
a mente como uma coisa que abriga conteúdos
mentais não é uma atitude exclusiva dos
psicanalistas. Para alguns cognitivistas, representações mentais podem
ser
armazenadas, recuperadas e transformadas pelas pessoas – ou por suas
mentes. Porém, uma vez que nenhum cognitivista admitiria que as
representações são armazenadas tal como armazenamos azeitonas em potes,
fotografias em álbuns e cartas em envelopes, logo sua teoria da memória não é mais do que uma elegante metáfora. Mesmo que isso esteja claro, os
cognitivistas certamente ajudam a difundir a
noção de que existem "lugares mentais".</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas
eu não consigo sequer imaginar o que possa
ser um lugar mental. Há uma distância semântica enorme entre dizer que
joias, ouro e escrituras estão no cofre de um homem e dizer que
alucinações, crenças e sonhos estão <i>na mente</i> de um homem. Por ser
constituído por dimensões como altura, espessura e profundidade, um
cofre possui um espaço interno no qual coisas podem ser seguramente guardadas.
Naturalmente, o mesmo não pode ser dito sobre a mente.<br />
<br />
Afinal, o que é a mente? Creio que não haja maior utilidade para o termo "mente" senão a de estabelecer uma categoria para os <i>eventos privados</i>, isto é, a de amarrar conceitualmente os eventos comportamentais que não podem<i> </i>ser
publicamente observáveis. Exemplos de eventos privados são as
lembranças, as ideias e as fantasias. Mas o fato de que não podemos
observar os eventos privados de outras pessoas não significa que eles
estejam ocorrendo num espaço interno e particular. Quando, de olhos
abertos, eu imagino uma sereia deitada sobre a minha cama, ela não está
em minha mente, mas justamente<i> sobre a minha cama</i>. A
impossibilidade de você enxergar a sereia que eu enxergo privadamente
não é uma prova de que haja um espaço mental, e sim de que podemos ver
coisas que não são publicamente visíveis. Além do
mais, a possibilidade de lembrarmos o que comemos no café da manhã não é
uma prova de que armazenamos fatos na mente, e sim de que as respostas
privadas podem surgir tal como surgem a dilatação da pupila, o espirro e
uma cambalhota – respostas que também não podem ser armazenadas.<br />
<br />
Em suma, a mente não é uma <i>coisa</i> que possui um espaço interno. No máximo, "mente" pode ser entendido como um termo que faz referência ao conjunto
de eventos privados que podemos apresentar, tal como "time" é um termo utilizado para fazer
referência a um conjunto de atletas. Neymar está no time que representará o Brasil na Copa apenas no sentido de que ele <i>compõe</i> a seleção brasileira, e eu posso me lembrar de seu rosto "em minha mente" apenas no sentido de que eu posso vê-lo privadamente. Tratar a mente como um lugar pode
ser um reflexo do fato de que diariamente fazemos descrições dos eventos
(e.g., festas, manifestações e jogos) que ocorrem e dos objetos (e.g.,
chaves, documentos e casas) que estão em lugares especificáveis do
mundo. Uma vez que os objetos e os eventos privados não podem ser
percebidos por todos, tenderíamos a descrevê-los <i>como</i> <i>estando num lugar</i> <i>particularmente interno</i>. Essa
noção equivocada talvez tenha se difundido por ser intuitiva e por
facilitar a comunicação, e a situação não melhora muito ao dizermos que
os eventos privados estão no cérebro. A "metáfora espacial da mente" – ou, talvez melhor, a "<i>falácia</i> espacial da mente" – pegou, e agora cabe aos filósofos avaliar seus benefícios e prejuízos.<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Para evitar (mais) prejuízos: algumas palavras sobre o inconsciente</b> </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Conforme
alertam Bennett e Hacker (2003), confusões conceituais podem gerar
afirmações, teorias e práticas confusas. O fato de que nos comportamos
ocasionalmente sem saber por que não é uma prova de que exista uma
"mente inconsciente", e sim de que<i> nosso comportamento é afetado por eventos dos quais podemos não ter consciência</i>. Embora possa não ser um grande pecado sustentar que esses eventos <i>são</i> inconscientes, é importante lembrar que <i>nós</i>, seres cognoscentes, é que podemos <i>ser</i> ou <i>estar</i> inconscientes deles. É apenas porque admitimos isso que há algum sentido em dizer que existem eventos<i> </i>inconscientes.<br />
<br />
Assim,
Maria pode começar a cantar uma música, estar irritada e se lembrar
diversas vezes de uma pessoa durante o dia sem saber exatamente por quê.
Pode-se dizer que ela está inconsciente de – ou, simplesmente, que não sabe
– por que está emitindo essas respostas. Mais tarde, ela pode vir a
descobrir que está cantando o hino nacional porque a Copa do Mundo está
chegando, que está irritada porque está no período pré-menstrual e que
está se lembrando de João porque passará perto de sua casa no dia
seguinte. Se parece aceitável – ainda que questionável – dizer que Maria
está se lembrando de João porque possui um desejo inconsciente de
encontrá-lo, seria engraçado dizer que as propagandas sobre a Copa e
seus hormônios <i>são</i> inconscientes.<br />
<br />
Bennett e
Hacker (2003) enfatizam que perceber, conhecer e estar consciente (ou
inconsciente) são predicados que só fazem sentido quando aplicados a um
animal como um todo. Quando atribuímos esses predicados a <i>partes</i> ou a <i>propriedades</i> de um animal, como ao cérebro, à mente ou ao inconsciente, estamos cometendo uma <i>falácia mereológica</i>.
Disso decorre que não é logicamente correto dizer que o cérebro pensa
(cf. Calvin, 1998), que existem mentes perigosas (cf. Silva, 2008) e
que o inconsciente é criativo (Jung). O correto seria dizer que os seres
humanos pensam, alguns são perigosos e outros são bastante criativos.
Se assim for, a maior parte das abordagens da Psicologia – e as
neurociências – são erguidas e discutidas por princípios e conceitos
logicamente equivocados.<br />
<br />
Mesmo que, em função da
tradição, decidamos preservar a expressão "eventos inconscientes", alguns
problemas preliminares, e ainda mais espinhosos, precisam ser abordados:
Os eventos privados inconscientes (e.g., sentimentos, ideias e desejos) <i>existem</i>? Se existem, o que exatamente <i>são</i>?
E, se não podem jamais ser observados, como podem ser estudados? Caso
essas perguntas não sejam satisfatoriamente respondidas, corremos o
risco de desperdiçar décadas em estudos, ensino e práticas baseados em
confusões conceituais.<br />
<br />
<br />
<b>Voltando ao caso</b><br />
<br />
Feitas
as devidas considerações, pode-se dizer que a pergunta "O irracional
está no inconsciente?" é duplamente confusa. Em primeiro lugar, não há
lugares mentais nos quais coisas podem
estar. Em segundo lugar, não existe uma <i>coisa</i> a que poderíamos chamar "o irracional". Em vez disso, podemos dizer que existem <i>comportamentos</i> irracionais ou, mais precisamente, pessoas que se comportam de <i>modo</i> irracional.<br />
<br />
Frequentemente,
dizemos que um indivíduo comporta-se racionalmente quando ele analisa a
situação antes de agir, isto é, quando ele prevê as possíveis
consequências de suas ações e, assim, se comporta de acordo com essas
previsões. Como afirmou Skinner (1969), "as 'razões' que governam o
comportamento do homem racional" são descrições das "relações entre as
ocasiões nas quais ele se comporta, seu comportamento e suas
consequências" (p. 284). Ao contrário, um indivíduo que age
irracionalmente seria aquele que, em certas situações, age sem
considerar o que pode vir a ocorrer.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Assim,
podemos dizer que há uma relação entre agir
irracionalmente e agir inconscientemente. Ao agir irracionalmente, um
indivíduo estaria agindo <i>sem ter consciência</i> do que poderá acontecer e/ou, em certas ocasiões, <i>sem saber por que </i>está agindo de certa maneira. Nesse sentido, poderíamos dizer que as crianças e os loucos tendem a agir irracional <i>e</i> inconscientemente, e é possivelmente por isso que não os penalizamos legalmente por seus atos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Se
as definições acima estiverem minimamente adequadas, a pergunta "O irracional está
no inconsciente?" poderia ser trocada por "Ao agirmos irracionalmente,
estamos sendo afetados por eventos dos quais não temos consciência?",
"Eventos dos quais não temos consciência podem nos induzir a agir
irracionalmente?" ou, mais simplesmente, "Ações 'irracionais' são também
ações 'inconscientes'?". Salvo melhor juízo, poderíamos responder a
esta última pergunta com um "Sim: por desconhecermos ou não considerarmos as possíveis consequências de nossas ações, as ações
'irracionais' seriam necessariamente ações 'inconscientes'". E, às duas
primeiras perguntas, poderíamos exclamar "Sim, tal como todo e qualquer
comportamento!". </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Qualquer que seja o tipo de comportamento sobre o qual estamos discutindo, é impossível termos consciência de todas as variáveis que o
afetam. Incontáveis eventos neurobiológicos estão por trás de cada
movimento que fazemos, e nem mesmo a mais potente máquina de imageamento
cerebral já construída poderia detectá-los. E, em qualquer ambiente que
estejamos, não somos capazes de tomar consciência de todos os eventos e
objetos que imediatamente nos afetam (em menor ou maior escala). Mesmo que pudéssemos
divinamente ver, ouvir e sentir todos os tipos de propriedades e ocorrências do
ambiente circundante, ainda precisaríamos notá-los <i>de uma só vez</i>, e
não, como conseguimos fazer, apenas uns de cada vez. Portanto, não podemos escapar do
fato de que ignoramos a maior parte daquilo que influencia nossas
condutas, pensamentos e sentimentos. E, como espero ter demonstrado,
isso está longe, bem longe de significar que as causas imperceptíveis de nossas ações estão numa "mente inconsciente" – seja lá o que isto
signifique.</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Referências</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
<ul>
<li>Bennett, M. R., & Hacker, P. M. S. (2003). <i>Fundamentos filosóficos da neurociência</i>. Lisboa: Instituto Piaget. </li>
<li>Calvin, W. H. (1998). <i>Como o cérebro pensa: a evolução da inteligência, ontem e hoje.</i> Rio de Janeiro: Rocco. </li>
<li>Roudinesco, E., & Plon, M. (1998). <i>Dicionário de
psicanálise</i>. Rio de Janeiro: Zahar.</li>
<li>Silva, A. B. B. (2008). <i>Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado</i>. Rio de Janeiro: Objetiva.</li>
<li>Skinner, B. F. (1969). <i>Contingencies of reinforcement: a theoretical analysis</i>. New Jersey: Prentice-Hall.</li>
</ul>
</div>
Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-70587573854682572942014-01-12T17:31:00.000-08:002014-01-23T16:57:38.986-08:00Mente e cérebro são a mesma coisa?<div style="text-align: justify;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDkinDEZQJYaEIkVVvpVdubtu9HW6qHVoGj3UIbX6HqsH-9TGO8aEE-GUlsq0XpJnIjCP3pUYcrwXoa6Srn3XVjd79VPUqvVAVYfgCPo97l3AQFv32yb6cQ5ZgP7lWEzSiu-z0dJisOo2k/s1600/mind+brain.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDkinDEZQJYaEIkVVvpVdubtu9HW6qHVoGj3UIbX6HqsH-9TGO8aEE-GUlsq0XpJnIjCP3pUYcrwXoa6Srn3XVjd79VPUqvVAVYfgCPo97l3AQFv32yb6cQ5ZgP7lWEzSiu-z0dJisOo2k/s200/mind+brain.jpg" height="200" width="186" /></a>Acabei de assistir a um <a href="http://www.youtube.com/watch?v=XFRa4yANTs0" target="_blank">vídeo</a>
em que um psicólogo defende a tese de que mente e cérebro são entidades
indistinguíveis. Uma vez que lesões cerebrais são normalmente
acompanhadas de alterações comportamentais, não teríamos mais por que
insistir na crença de que a mente, imaterial, existe à parte do corpo. No entanto, se pararmos
para cerebralizar, digo, pensar bem sobre a questão, podemos nos
embananar com alguns paradoxos interessantes. Por exemplo, se um
neurocientista afirmar que o prazer não é nada senão a atividade de
neurônios do núcleo acumbente, poderíamos concluir que a <i>sensação</i> aprazível é, tal
como os neurônios, úmida e eletricamente carregada? Ou, ao postularmos
que os sonhos são reverberações dos circuitos neurais que trabalharam
durante a vigília, poderíamos saber o que um indivíduo está sonhando ao
inspecionarmos seu cérebro? A despeito dos valiosos estudos em
neuropsicologia, um exame filosófico cuidadoso parece colocar em
suspensão a atraente ideia de que mente e cérebro são a mesma coisa.<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgeJs8cuWbG_c4YA3yIX7w9OolxyTWa4_ewwjb0vaO_dHBg8V9lAJ4slv-2kft6nSuaLMLE2ahGf7qgaO32iqFU3S2w6LQiT0MeVhQWhpOqQDoeP2UiITt2LRl-slYmRb_Id7lUQdgRognQ/s1600/magritte.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><br /></a></div>
<a name='more'></a>Imaginemos o caso estapafúrdio em que Mary, uma cientista, cresceu e
aprendeu tudo sobre a neurofisiologia da visão em um quarto cujos
objetos eram pintados apenas em tons de cinza. Através de livros e de
uma televisão com imagens em preto e branco, ela foi instruída sobre como
diferentes comprimentos de onda excitam o cérebro e nos fazem proferir
frases que descrevem uma variedade de cores <span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;">–</span> cores que ela jamais viu.
Mesmo com seu vasto conhecimento em neurofisiologia da visão, poderia
Mary aprender algo mais sobre as cores ao sair de seu quarto? Frank Jackson (1982), autor do
"Argumento do Conhecimento", conclui que Mary estaria
conhecendo coisas novas ao experimentar o azul do céu e a vermelhidão dos
tomates. Jackson, para quem o fisicalismo é incompleto, lembra-nos de
que as ciências do cérebro não conseguem descrever "o caráter doloroso
das dores, o caráter de coceira das coceiras, as pontadas de inveja ou a
experiência característica de provar um limão, sentir o cheiro de uma
rosa, ouvir um barulho ou ver o céu". As experiências sensoriais, ou os <i>qualia</i>, não poderiam ser contempladas em uma teoria neurobiológica da consciência. Um pecado. <br />
<br />
Thomas Nagel
(1974) desenvolveu um argumento diferente para defender ideias
semelhantes. Em seu artigo "Como é ser um morcego?", ele afirmou que o
fato de um neurocientista conhecer os mecanismos neurais envolvidos na
ecolocalização dos morcegos não o permite saber como é ter a <i>experiência</i> de se orientar pelo sonar <span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;">–</span> ou, de forma mais geral, de como é <i>ser</i> um morcego. O ponto de vista de um morcego, ou a experiência de <i>ser</i>
um morcego, não pode ser reduzida a eventos neurobiológicos. Em tom de
pessimismo, Nagel aponta que a consciência "faz do problema da relação
mente-corpo um problema verdadeiramente intratável". <br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjFjo2uN9pxFaYjfCUiDPoVmzcYUDCdxZ3urQxBqxoUghAwEZGYhTn97spvOnHTD1JdfVmD42447co0ODsIhqgxqQguF5vsYMykFL5cQFUkMhgbviwoB25o6zbVS-qyR1TACOp1pK41FVFy/s1600/bat+echolocation.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjFjo2uN9pxFaYjfCUiDPoVmzcYUDCdxZ3urQxBqxoUghAwEZGYhTn97spvOnHTD1JdfVmD42447co0ODsIhqgxqQguF5vsYMykFL5cQFUkMhgbviwoB25o6zbVS-qyR1TACOp1pK41FVFy/s320/bat+echolocation.jpg" height="173" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Os morcegos podem se orientar no espaço através do "eco" de ondas ultrassônicas que emitem pela boca (ou pela narina, dependendo da espécie). Como seria <i>experimentar</i> a ecolocalização?</td></tr>
</tbody></table>
<br />
Vários
outros filósofos dedicaram-se a atacar a cada vez mais popular tese de
que "a mente é o cérebro". Mas, cabe ressaltar, essas objeções não estão
necessariamente associadas à velha crença de que a mente é imaterial e o
corpo, material. Seja lá como for, a experiência de ser
um morcego não é imaterial, tal como a experiência de sermos nós mesmos
não o é. Negarmos a equivalência de mente e cérebro não corresponde a
ressuscitarmos o fantasma da máquina. Ao que parece, os paradoxos
ontológicos em discussão derivam de um desencontro de perspectivas, quais
sejam, a de primeira e a de terceira pessoas. <i>Observar</i> um indivíduo comendo um abacate não é o mesmo que <i>ser</i> um indivíduo comendo um abacate. A perspectiva do observador não abarca todas as propriedades da perspectiva daquele que se comporta, e isto não é resolvido ao descrevermos a cadeia
de reações bioquímicas que parte dos receptores da língua e chega aos
córtices sensoriais. Novamente, isso não quer dizer que o sabor e a textura do abacate sejam imateriais, e
sim que eles não são idênticos aos eventos neurobiológicos.<br />
<br />
Ademais,
essas objeções não descartam a importância do cérebro para a emergência e a sustentação da consciência. O cérebro é imprescindível para que um
organismo possa <i>sentir-se</i> vivo e em atividade, isto é, para que possa expressar uma <i>perspectiva subjetiva</i>
de sua relação com o mundo. Para o filósofo John Searle (1998), a maneira como
o cérebro "causa" a consciência é o grande mistério a ser desvendado. <br />
<br />
Cheguei a pensar que eu me debruçaria sobre essa questão só quando
chegasse minha aposentadoria. Mas eu não aguento. O mistério da
consciência me provoca nós e aflições que acabam sendo vencidos por seu
fascínio. E esse mistério é assaz fascinante porque, contrariamente ao
que sugerem alguns neurocientistas, a consciência não é um problema
científico trivial. Não estamos querendo explicar um evento natural que
se passa diante dos nossos olhos; estamos querendo explicar <i>o processo de termos a experiência de observar e participar de eventos naturais.</i> E, apesar dos bons motivos que temos para crer, meu instinto filosófico não me permite aceitar mansamente a hipótese de que <i>isto</i>,
o aroma deste café, o som daquele ventilador, a textura destas teclas, o
aperto em meu peito, os tons amarelados deste quarto, enfim, que esta
miscelânea de estímulos que dinâmica e imediatamente constituem minha
consciência não seja algo mais do que isto: meu cérebro. Mas, se for, e
para que possamos efetivamente solucionar o mistério, algo me diz que
precisaríamos mudar as regras do jogo. <br />
<br />
Pois o jogo da
filosofia, cujas regras são rígidas e impiedosas, não admite que
concebamos cara e coroa como indistinguíveis. Talvez, como que tentando
um caminho do meio, possamos, conforme vêm fazendo alguns, alegar que
cara e coroa são duas faces da mesma moeda. Em outras palavras, há os
que se contentaram com a seguinte tese: "Estados mentais são
estados neurais descritos psicologicamente, e estados neurais são
estados mentais descritos neurobiologicamente". Ainda que esse "dualismo de perspectivas" evite as objeções mais triviais <span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;">–</span> como as que foram levantadas ao longo deste texto <span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;">–</span>,
ele resgata um mistério muito mais antigo: Afinal, se
estes estados mentais são a maneira como eu vivencio meus estados
neurais, o que <i>realmente</i> está lá fora? E, na medida em que o mundo cognoscível seria arquitetado sob ilusões neurais (cf. Nicolelis, 2011), como eu poderia prover qualquer solidez às minhas teses? Voltaríamos à estaca zero.<br />
<br />
No
frigir dos ovos, parece não ser muito prudente defender nossas crenças
com muita convicção. Pode ser que o problema da consciência seja
realmente intratável <span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;">–</span> ao menos, <a href="http://danielgontijo.blogspot.com.br/2013/07/e-possivel-uma-ciencia-da-mente_18.html" target="_blank">como sugeri outrora</a>, <i>empiricamente</i> intratável <span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;">–</span>,
bem como que o cérebro seja só uma parte fundamental do que jamais
poderemos apreender. Tenho amigos que insistem em dizer que esse papo
sobre a consciência é só um pseudoproblema em que inadvertidamente fomos
nos meter. Pode ser que eles estejam certos. Mas, por algum estranho motivo, não consigo esperar que cheguem meus sessenta
anos para pensar, rever e conversar sobre o caso. E o caso da vez é o de que,
conforme as regras da última estação, mente e cérebro continuam não
sendo exatamente a mesma coisa.<b> </b><br />
<br />
<br />
<b>Referências</b></div>
<br />
<ul>
<li>Jackson, F. (1982<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;">). Epiphenomenal Qualia. <i>Philosophical
Quarterly</i>, 32, pp. 127-36. (Também disponível em [http://instruct.westvalley.edu/lafave/epiphenomenal_qualia.htm].) </span></span></li>
<li>Nagel, T. (1974). What is it like to be a bat? <i>The Philosophical Review</i>, LXXXIII, 4, pp. 435-50. (Versão em português disponível em [http://criticanarede.com/men_morcego.html].)</li>
<li>Nicolelis, M. (2011). <i>Muito além do nosso eu: A nova neurociência que une cérebro e máquinas </i><i><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast;">–</span> e como ela pode mudar nossas vidas.</i> São Paulo: Companhia das Letras. </li>
<li>Searle, J. R. (1998). <i>O mistério da consciência e discussões com Daniel C. Dennett e David J. Chalmers</i>. São Paulo: Paz e Terra. </li>
</ul>
Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-20469718673295489952013-07-18T22:08:00.000-07:002013-12-18T08:12:23.461-08:00É possível uma ciência da mente?<div style="text-align: justify;">
Há cem anos atrás, <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/John_B._Watson">John B. Watson</a> (1913/2008) teve seu impactante artigo "A
Psicologia como o behaviorista a vê" publicado. Também conhecido como
"Manifesto Behaviorista", seu texto continha críticas contundentes à <i>introspecção</i>,
método pelo qual pretendia-se estudar cientificamente a mente -- ou a
consciência -- humana. Entre outros motivos, a falta de consenso entre
observadores e a limitada utilidade de seus resultados desencorajaram o
uso do método introspectivo. Se a proposta de se estudar
cientificamente a experiência mental não se sustentava,
caberia à Psicologia adotar o <i>comportamento</i> como objeto de
estudo. As coisas iam bem -- para os behavioristas -- até pouco depois
da metade do século passado, quando a denominada "revolução cognitiva"
resgatou a mente do limbo. A metáfora computacional e o estudo do
cérebro poderiam fundamentar uma nova ciência da mente, e o behaviorismo
passaria a ser retratado como uma doutrina obsoleta.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjREU20GfWLHjYMZ3GNeuPgOfFHHqcz4D7fxVbEgnx5HxbFsTj9T1fc863odV-yK7bDb-MoODmAiC22rFSvtWg_bzzHBiXQhGEbUKTJXoV1aHSo1eHbUcA7L-dvyXfupnLqSjPr5AahXqff/s1600/mente+psicologia+ci%C3%AAncia.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="153" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjREU20GfWLHjYMZ3GNeuPgOfFHHqcz4D7fxVbEgnx5HxbFsTj9T1fc863odV-yK7bDb-MoODmAiC22rFSvtWg_bzzHBiXQhGEbUKTJXoV1aHSo1eHbUcA7L-dvyXfupnLqSjPr5AahXqff/s320/mente+psicologia+ci%C3%AAncia.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<a name='more'></a>Enquanto
eu fazia especialização em Neurociências, não ouvi questão mais
complicada do que esta: "O que é a mente?". Recentemente, após eu fazer
uma apresentação sobre Neuropsicologia e Filosofia da Mente, fizeram-me a
mesma pergunta. Eu me arrisquei a responder mais ou menos assim:<br />
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
<span style="background-color: #eeeeee;">Em
uma breve pesquisa que fiz, observei que as pessoas normalmente usam as
palavras "mente" e "mental" quando querem se referir ao pensamento
("Sua mente é cheia de bobagens"), a intenções ("Estou com isso em
mente") e ao raciocínio ("Estou com a mente cansada; não consigo
acompanhar suas ideias"). Coisas e eventos que podem ser observados por
todos não pertenceriam ao reino da mente. "Mentais" seriam as <i>experiências imaginárias</i> (sonhos, planos, objetivos etc.), as quais são evidentemente distintas das que temos com o ambiente compartilhado.</span></blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Por constatarmos que temos um acesso privilegiado a coisas e eventos que ocorrem a despeito dos outros, podemos querer distinguir o real do imaginário, o físico do psicológico e
até mesmo o natural do espiritual. Se se resolve sustentar que esse ambiente privado
é constituído de cópias, imagens ou representações de coisas do mundo,
já temos por onde começar uma ciência da mente.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas o mental pode ir além. Qualquer experiência que podemos ter com o mundo, mesmo as compartilhadas com outros indivíduos (<i>ver</i> um pernilongo, <i>ouvir</i> uma sinfonia e <i>sentir</i>
o cheiro do café, por exemplo), podem ser entendidas como experiências
mentais. "Mente" seria o conjunto de tudo aquilo que percepcionamos. E, ao considerarmos a ideia de que nossas experiências e
comportamentos são causados também por fatores ocultos, podemos querer
distinguir os processos mentais <i>conscientes</i> dos <a href="http://danielgontijo.blogspot.com.br/2013/02/o-mundo-secreto-do-inconsciente_8.html#more"><i>inconscientes</i></a>. Até onde percebo, os psicólogos tendem a adotar essa versão mais estendida do conceito de mente.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Para simplificar o problema que estou levantando, deixemos o inconsciente de lado. Concebamos "mental" como <i>qualquer vivência consciente</i>,
ou como qualquer experiência de um sujeito em contato com seu ambiente
ou com elementos de sua imaginação. Nesse sentido, uma ciência da mente
seria o mesmo que uma ciência <i>da consciência</i>, e sua agenda básica poderia ser estudar processos como a percepção, a retenção de informações na
memória temporária e o planejamento. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Se vocês
concordarem que boa parte dos estudos científicos em Psicologia tem
girado em torno de fenômenos da consciência, poderão também concordar
que parte da crítica de Watson à Psicologia do início do século passado
não perdeu sua validade. No final das contas, cientistas da mente estão
interessados em compreender, prever e explicar uma variedade de <i>experiências subjetivas</i>, e isto é muito mais controverso do que costumamos admitir.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Em seu livro <i>Rápido e devagar: duas formas de pensar</i>, Daniel Kahneman (2011) faz um breve relato de seus curiosos estudos da mente humana <i>através das pupilas</i>.
Seguindo os passos do psicólogo Eckhard Hess, ele afirma que as pupilas
são como "janelas para a alma". Ao verificar que os participantes de
seus experimentos tinham suas pupilas dilatadas ao serem submetidos a
tarefas numéricas difíceis, Kahneman chega a dizer que "os dados de
pupila correspondiam precisamente à experiência subjetiva" (p. 44). Em
outras palavras, o "esforço mental" podia ser inferido -- para não dizer<i> visto -- </i>a partir do comportamento dos olhos.<i> </i>Mas, afinal, é possível <i>demonstrarmos</i>
a relação de alguma variável mental com variáveis observáveis?<br />
<br />
Está claro que Kahneman não demonstrou qualquer coisa sobre
"esforço mental". O que podemos genericamente concluir com seus
experimentos é que a resposta pupilar varia conforme certas
características de tarefas numéricas. A não ser que um cientista esteja estudando <i>suas</i> próprias experiências, os fenômenos da consciência não podem ser <i>empiricamente</i>
investigados. Mesmo quando os neurocientistas analisam o cérebro
humano, não há processo mental que possa ser detectado. A partir de
certos comportamentos (do cérebro ou de um indivíduo como um todo), o cientista simplesmente <i>infere</i>
a existência de certos estados mentais. Erick Kandel não acertou ao dizer que os processos mentais estão para o cérebro assim como o
andar está para as pernas (Kandel, 2006). Uma "nova ciência do cérebro" não pode se passar por uma "nova ciência da mente".</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas a
impossibilidade de se verificar estados mentais em outros indivíduos não
descarta sua existência. Nem Watson afirmou isso. Eu não preciso provar
para mim mesmo que sou consciente: eu <i>sei</i> que existo; eu <i>sinto</i>
minha existência. E temos bons motivos para crer que outros humanos, e
quiçá muitos outros tipos de animais, são conscientes. A questão em jogo
não é se outros seres são conscientes, e sim se <i>podemos</i> estudar cientificamente algo a que presumivelmente nunca teremos acesso. <br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgKmz91_7jCodRKcMBe7m4ecsDo-iBvaUFQXZXxQfPenQhvWTN-mnThkpcTg41mWve-2WBTIKfLlvhrmTIORB2QMOO_cMaJSzL47xUp4nsrQRqr8vb5fm4zU2SGt1J5lWloP3xspxG_oxvQ/s1600/john+watson+behaviorismo+metodol%C3%B3gico.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgKmz91_7jCodRKcMBe7m4ecsDo-iBvaUFQXZXxQfPenQhvWTN-mnThkpcTg41mWve-2WBTIKfLlvhrmTIORB2QMOO_cMaJSzL47xUp4nsrQRqr8vb5fm4zU2SGt1J5lWloP3xspxG_oxvQ/s200/john+watson+behaviorismo+metodol%C3%B3gico.jpg" width="136" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">John B. Watson (1878-1958)</td></tr>
</tbody></table>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Diferentemente de Watson, eu não acho que devemos excluir a consciência da Psicologia. O <i>pressuposto</i>
da consciência é pragmaticamente importante. Supor ou considerar que meu leitor possui crenças, sentimentos e propósitos faz toda a
diferença. Nenhum behaviorista contemporâneo nega isso.
Contudo, admitir a importância de pressupostos não implica em podermos
estudá-los cientificamente. Embora o <i>determinismo</i> -- que sustenta
que os eventos são determinados, e não aleatórios -- seja um
pressuposto imprescindível para se fazer ciência, ele não pode ser
cientificamente comprovado. Tal como o determinismo, o problema da mente ou da consciência é fundamentalmente <i>metafísico</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O ponto é que, ao nos depararmos com o comportamento complexo, quase sempre recorremos ao mentalismo(1) para atribuí-lo algum <i>sentido</i>.(2) <i>Compreendemos</i> melhor o comportamento alheio ao inferirmos a perspectiva alheia, e isto normalmente significa <i>nos colocarmos imaginariamente no lugar daquele que se comporta diante de nós</i>.(3)
Isso me faz pensar que, se não for mesmo possível uma ciência da mente,
não devemos por isso descartar o mentalismo. Conforme sugeri
recentemente (Gontijo, 2013), a perspectiva mentalista/subjetivista nos ajuda a <i>interpretar</i>
o que estudamos empiricamente em uma ciência do comportamento. Se, como
Thomas Nagel (1974) brilhantemente argumentou, não podemos saber como
é <i>ser</i> um morcego, estamos em condições razoáveis para <i>imaginar</i> como é
ser outro humano. E adotar a perspectiva alheia é uma boa estratégia
para termos uma ideia de quais variáveis afetam seu comportamento. Podemos não ser capazes de demonstrar empiricamente que a dor, enquanto uma
sensação, induz uma série de respostas observáveis (gritar, chorar e
cuidar de um membro ferido, por exemplo), mas podemos procurar
por seus presumíveis estados corporais correlatos e pelas variáveis ambientais
que a induz. O mesmo pode ser dito sobre crenças, raciocínio e
tomada de decisões.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Mais algumas palavras</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A
exposição acima é uma síntese das ideias que venho formulando
recentemente, e ela demonstra meu palpite atual sobre se é possível
sustentarmos uma ciência da mente. Meu pessimismo sobre tal empreitada
diz respeito à impossibilidade de demonstrarmos qualquer relação
<i>empírica</i> entre eventos mentais e eventos observáveis. Uma objeção
recentemente feita a esse argumento refere-se ao fato de que muitos
objetos e eventos de ciências rigorosas como a física são igualmente
inferidos. A força da gravidade é um ótimo exemplo. Embora não possamos
observar a força que faz com que os objetos se atraiam, diz-se que os físicos a estudam desde as formulações seminais de Isaac Newton.
Minha tréplica é simples: o fenômeno que é cientificamente abordado
pelos físicos é a atração entre corpos -- ou o comportamento de um corpo
em relação ao outro --, e não a força que presumivelmente os faz
atrair. A força gravitacional é uma <i>inferência</i> que dá sentido ao estudo da relação entre corpos e é <i>justificada</i> em função de nossas observações, mas não é um <i>objeto</i> <i>direto</i>(4)<i> </i>de estudo. O mesmo raciocínio se aplica ao estudo dos processos mentais (lembrar da voz do padre, planejar um movimento e sonhar, por exemplo).</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eu
não duvido de que haja outros bons argumentos contra minha posição
atual, e eu ficarei contente de os conhecer. Por exemplo, poderíamos
estabelecer melhor as características daquilo que aceitamos ser um
objeto ou evento cientificamente tratável, discutindo também aquilo que
entendemos por ciência. Sei que posso estar me precipitando ao
publicar os passos iniciais de minhas elucubrações, mas eu não vejo melhor maneira de as modelar do que as divulgando de alguma maneira. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Por fim, entre o melhor e o pior de John B. Watson, sua crítica a uma
"Psicologia da Consciência" está longe de ser obsoleta. O estudo do
comportamento continua sendo "um meio para um fim" -- supõe-se a mente
pelas respostas de um indivíduo --, mesmo que a empreitada mentalista não tenha gerado metade do que almejam cientistas, psicólogos e
consumidores. Deixar a mente -- enquanto o comportamento sob o ponto de vista daquele que se comporta -- escorrer pelo ralo certamente não é uma boa
ideia, mas trazê-la para o centro do palco é como levar um surdo à ópera.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Notas</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
(1) Não
estou usando o termo "mentalismo" enquanto uma teoria causal (sentido
bastante utilizado pelos behavioristas radicais), e sim enquanto uma
"linguagem subjetivista", isto é, enquanto um conjunto de termos relacionados a conteúdos e processos da mente/consciência.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
(2) Usar o mentalismo como um "atribuidor de sentido ao comportamento" é uma ideia derivada de algumas críticas que meu amigo Daniel Grandinettti faz ao behaviorismo radical. Por isso, devo creditá-lo por parte das ideias que venho desenvolvendo.<br />
<br />
(3) Para uma discussão sobre uma perspectiva behaviorista sobre a consciência, ver <a href="http://www.usp.br/rbtcc/index.php/RBTCC/article/view/433/326">Zilio, D. (2011)</a>. Consciência verbal, não-verbal e fenomênica: uma proposta de extensão conceitual no behaviorismo radical. <i>Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva</i>, vol. 13, 4-19.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
(4)
Talvez possamos aceitar a existência de dois tipos de objeto de estudo na
ciência: um <i>direto</i> e um <i>indireto</i>. Objetos diretos seriam aqueles que
podemos submeter a testes empíricos, e objetos indiretos, aqueles cuja existência só podemos inferir e justificar a partir de dados fornecidos pelos objetos diretos. A força da gravidade e a mente seriam objetos indiretos, e o comportamento dos corpos e de indivíduos, objetos diretos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Referências</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<ul style="text-align: justify;">
<li>Gontijo, D. F. (2013). <i>Mente, cérebro ou comportamento? A Filosofia socorre a Psicologia. </i>Apresentação
de trabalho no III Congresso Integrado de Ensino e Pesquisa da
Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí. </li>
<li>Kahneman, D. (2012). <i>Rápido e devagar: duas formas de pensar</i>. Rio de Janeiro: Objetiva. </li>
<li>Kandel, E. R. (2009). <i>Em busca da memória: o nascimento de uma nova ciência da mente</i>. São Paulo: Companhia das Letras. </li>
<li>Nagel, T. (1974). What is it like to be a bat? <i>Philosophical Review</i>, 83, 435-450.</li>
<li>Watson, J. B. (2008). A psicologia como o behaviorista a vê. <i>Temas em Psicologia</i>, vol. 16, 289-301. Artigo originalmente publicado em <i>Psychological Review </i>(1913), <i>20</i>(2), 158-177.</li>
</ul>
Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-78380599818700378202013-06-23T17:22:00.002-07:002014-01-13T05:58:20.981-08:00Por que você é ateu?<div style="text-align: justify;">
Enquanto fazíamos uma rápida viagem, um
simpático estudante de Teologia quis entender por que eu sou ateu. Como
costuma acontecer, a resposta "Não há evidências que apoiem a hipótese
de que Deus existe" não foi satisfatória, e ele acabou levantando outras curiosas
mas complicadíssimas questões. Ao chegarmos em Belo Horizonte, fiquei
com a impressão de que eu não consegui amarrar bem minhas ideias, e, por
isso, resolvi retomar suas seguintes perguntas: "E o que criou tudo?",
"E o que explica por que <i>você</i> veio a nascer, ou por que logo <i>aquele</i>
espermatozoide fecundou o óvulo?" e "Então, qual é o sentido da vida?".
Procurei
demonstrar por que nenhuma delas nos leva logicamente a Deus, arriscando-me a explicar que tipos de erro argumentativos cometem os religiosos. Para começar, achei que seria importante definirmos os termos
"religiosidade" e "ateísmo". Para finalizar, esbocei uma resposta provisória para a questão que ecoa em minha mente há quase três meses.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
</div>
<a name='more'></a><b>Religiosidade e ateísmo</b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
A
não ser as religiões politeístas e algumas em que Ele (para seguir a
convenção, com "e" maiúsculo) não assume o centro do palco, a maior
parte das religiões de que eu ouvi falar concebem Deus como um ser
superpoderoso e, digamos, "antropofílico". É superpoderoso por saber de
tudo, ter criado tudo e poder mudar tudo quando bem entender, e é
antropofílico por ser bastante interessado nos assuntos humanos, como
quando atende a preces ou quando encaminha <a href="http://www.catolicismo.com.br/materia/materia.cfm?IDmat=1D92BB82-AFB2-BEF1-F4AECB7FFAF57D97&mes=Fevereiro2005">tsunamis</a> ou <span id="goog_1356783176"></span><a href="http://www.dnadedeus.com.br/2013/02/queda-de-meteorito-na-russia-e-sinal-do.html">meteoritos<span id="goog_1356783177"></span></a> a
sociedades que não estão se comportando bem. Com efeito, Deus é uma
entidade por quem podemos sentir amor, a quem podemos temer e com quem
desejamos manter boas relações.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Se
decidirmos definir religião como "o conjunto de crenças, leis e ritos
que visam um poder que o homem [...] considera supremo, do qual se julga
dependente, com o qual pode entrar em relação pessoal e do qual pode
obter favores" (Wilges, 1995), então "religiosidade" refere-se à <i>disposição para apresentar</i> <i>comportamentos que derivam direta ou indiretamente da crença na existência de Deus</i>,
a quem tal poder é identificado ou atribuído. Assim, Deus é o nó que
une e justifica comportamentos como orar, fazer penitências, abdicar-se
do sexo recreativo, pendurar crucifixos em prédios públicos e -- embora
seja<i> </i>também um comportamento político -- brigar para que as
escolas ensinem às crianças a história do homem que nasceu de uma
virgem, andou sobre as águas e ressuscitou.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O ateísmo, por sua vez, é tradicionalmente definido como a negação da existência de
Deus. Uma vez que pedras, girafas e bebês humanos não compreendem o que
é Deus, eles não O podem negar. Por isso, o ateísmo é a <i>disposição para apresentar</i> <i>comportamentos que envolvem, direta ou indiretamente, o questionamento ou a negação da existência de Deus</i>. Exemplos disso são publicar na <i>internet</i>
uma charge criticando a crença religiosa, não orar com os parentes e
colocar em questão a alegação de que Deus guia o motorista devoto.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhrzrXYkTh7UQkjeW2E1Y7Gua6m_iRv9m66SRiVAjZV9YrC-uPGxc_wTz3yQSdBZLGqvB-7XtRp7wqgDyhYW1qgTZMQh2HPUF_vjGNttDF-g71TFAFRyKXV5QxZ-ObmP9kzyAwds5QGjgw1/s1600/Screen-shot-2011-07-21-at-8.46.29-AM.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="125" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhrzrXYkTh7UQkjeW2E1Y7Gua6m_iRv9m66SRiVAjZV9YrC-uPGxc_wTz3yQSdBZLGqvB-7XtRp7wqgDyhYW1qgTZMQh2HPUF_vjGNttDF-g71TFAFRyKXV5QxZ-ObmP9kzyAwds5QGjgw1/s400/Screen-shot-2011-07-21-at-8.46.29-AM.png" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Diferentemente
do comportamento religioso, o ateísmo é um perfil comportamental
adquirido assistematicamente, sem mestres ou manuais. Contudo, é possível editar livros e promover cursos para desenvolver sua essência: o ceticismo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
De certa forma, o ateísmo é <i>a aplicação do ceticismo aos assuntos religiosos</i>. Para definir "ceticismo", nada melhor que dar a palavra ao memorável Carl Sagan (1996/2006):</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
<span style="background-color: #eeeeee;">O
pensamento cético se resume no meio de construir e compreender um
argumento racional e -- o que é especialmente importante -- de
reconhecer um argumento falacioso ou fraudulento. A questão não é se <i>gostamos</i> da conclusão que emerge de uma cadeia de raciocínio, mas se a conclusão <i>deriva</i> da premissa ou do ponto de partida e se essa premissa é verdadeira (p. 241).</span></blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Muitas
pessoas são céticas sobre as promessas de um político, com um vendedor que tenta
lhes vender um produto bom e barato ou a respeito da existência de vida
inteligente em outros planetas. Embora muitas pessoas sejam céticas
sobre uma variedade de assuntos, elas permanecem convictas de que o
universo foi projetado para nós, que podemos entrar em contato com
entidades sobrenaturais e que a morte não é o fim da consciência. O ateu, por outro lado,
nega ou questiona abertamente essas coisas, por melhores que possam
ser. Ele aplica o ceticismo às crenças religiosas, ocasionalmente
demonstrando por que elas são tendenciosas e racionalmente insustentáveis.<br />
<br />
A partir do espírito cético, passo a abordar as questões complicadas que o estudante de Teologia me fez. </div>
<br />
<b>"E o que criou tudo?"</b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Se eu disser que o início do universo foi provavelmente caracterizado pelo <i>Big Bang</i>
-- que consistiu numa súbita, quente e veloz expansão de um
micropontinho de matéria muitíssimo denso --, qualquer espertinho ainda
perguntaria "E o que criou ou causou o Big Bang?". Diante disso, dou
espaço à minha humildade: Eu não sei explicar a origem de tudo. Todos
conhecemos bem a resposta do religioso sobre o mistério do início dos
tempos: Deus. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Em primeiro lugar, <i>o
fato de que podemos nos perguntar "E o que veio antes?" não implica em
ter havido algo antes</i>, muito menos que Deus tenha dado um pontapé inicial. É
realmente estranho pensar que o universo surgiu "do nada", e o problema
não se resolve ao propormos que ele surgiu, ou melhor, se desenvolveu a
partir de um ponto de matéria hipercomprimida. Considerar que o mundo
sempre existiu não deixa de ser uma forma de amaciar o problema, mas os
proponentes dessa hipótese não estão em melhores condições para se
defender. Já li em algum lugar que nosso universo pode ter sido "gerado"
por um outro universo, mas crer nisso não nos impede de perguntar "E o
que gerou o universo antecessor?".</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Qualquer
que seja nossa aposta, nossa ignorância no assunto não nos autoriza a
concluir que "Deus" é a melhor resposta. Antes de Darwin ter
desenvolvido a teoria da evolução das espécies pela seleção natural,
"Deus" era chamado para explicar nossas origens. A história nos mostra
que <i>tolerar nossa ignorância</i> por algum tempo tende a ser uma decisão melhor do que nos contentar com as explicações baseadas em <i>fé</i>. Usar <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Deus_das_lacunas">Deus para preencher lacunas</a> não tem sido um bom negócio. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Em seu livro <i>História Natural da Religião</i>, David Hume (1757/2004) sugere que nossa ignorância sobre as origens ou causas dos acontecimentos nos estimula a <i>inventar</i>
entidades ou poderes ocultos para explicá-los. Mais do que isso, Hume
nos lembra que os humanos "têm uma tendência geral para conceber todos
os seres segundo sua própria imagem, e para transferir a todos os
objetos as qualidades com as quais estão familiarizados" (p. 36). Assim,
ao mesmo tempo em que inventamos uma entidade para resolver o problema
do início dos tempos, atribuímos a ela um poder muito bem explorado por
nós: a <i>criação. </i>Como somos seres genuinamente criativos --
criamos meios de transporte, eletrodomésticos e livros, por exemplo --,
estaríamos suscetíveis a supor que houve um Criador do
universo e da vida. O raciocínio parece ser o seguinte: <br />
<blockquote class="tr_bq">
<i>(A) Coisas complexas são intencionalmente criadas.</i><br />
<i>(B) Os seres vivos são complexos.</i><br />
<i>(C) Logo, os seres vivos foram intencionalmente criados.</i></blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Embora o ser humano crie intencionalmente uma porção de coisas complexas, os seres vivos são um tipo de "coisa complexa" cuja origem provavelmente decorreu do processo <i>cego</i> da <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Sele%C3%A7%C3%A3o_natural">seleção natural</a>. Isto quer dizer que a premissa inicial (A) não é generalizável para todas as coisas existentes, fazendo com que a conclusão (C) não seja logicamente boa.<br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Mais
uma vez, eu não sei praticamente nada sobre o início dos tempos. Pode
ser que nunca solucionemos esse problema, mas isso não faz com que a
explicação religiosa seja uma boa explicação. Portanto, prefiro tolerar
minha ignorância e manter minha humildade intelectual. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>"E o que explica por que <i>você</i> veio a nascer, ou por que logo <i>aquele</i> espermatozoide veio a fecundar o óvulo?"</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Muitos
religiosos dizem que a vida é uma dádiva divina. Concluem que, por a
gestação e o nascimento de um bebê serem fenômenos bonitos, complexos e
perfeitos, só podem se tratar de uma das brilhantes criações de Deus. E,
ao pensarem que nossas existências particulares dependeram de que um
espermatozoide específico fecundasse o óvulo, e não algum outro dos
centenas de milhares contidos numa ejaculação, concluem que nossa existência é um milagre.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Segundo
Hume (1757/2004), quanto mais um indivíduo vive uma vida governada pelo acaso,
mais ele é supersticioso. Ao atirarmos uma moeda ao ar, cada uma de
suas faces tem 50% de chance de cair virada para cima. Se resolvermos
passar um dia inteiro atirando moedas, verificaremos que não haverá uma
predominância de resultados "cara" ou "coroa". Ninguém dá a mínima para
isso. Por outro lado, se nossa vida ou nosso sustento repentinamente
dependessem de um único arremesso de moeda -- a ser feito por um
sequestrador ou pelo patrão, por exemplo --, nenhum religioso deixaria
de agradecer a Deus por ter sobrevivido ou por não ter perdido seu
emprego. Nossa superstição e nossa conclusão de que Deus interveio
dependem da <i>importância</i> que damos às coincidências e aos acontecimentos improváveis. <br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh15FMnq1EeoDPr0aXpfH4fHRgjuzhcBZ9srtYVG6mFO1vID1ij922YX8OKmFSJvcT-_85_1wnNbQAbrQMRdoM7JF6mWXQLNQ2bj8tRirOI6UpV_HEHrzr62G2qGAuAhoqIWyHSOlRSJA99/s1600/obrigado+deus+2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="212" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh15FMnq1EeoDPr0aXpfH4fHRgjuzhcBZ9srtYVG6mFO1vID1ij922YX8OKmFSJvcT-_85_1wnNbQAbrQMRdoM7JF6mWXQLNQ2bj8tRirOI6UpV_HEHrzr62G2qGAuAhoqIWyHSOlRSJA99/s320/obrigado+deus+2.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Surpreendido pelo improvável, o religioso pode se sentir injustiçado pela morte de um filho ou abençoado por ter passado num concurso concorridíssimo. </td></tr>
</tbody></table>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
Daí
que, uma vez que normalmente julgamos que nossa vida é assaz
importante, seria estranhíssimo entendê-la como um fruto do acaso. Não
só a capacidade de procriar seria uma dádiva divina, mas também o
nascimento de cada indivíduo particular!...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Um milagre pode ser entendido como uma violação das leis da natureza
(Hume, 1748/?), mas eu não vejo razão para crer que eu, você e os demais sete
bilhões de seres humanos do mundo originamos de bilhões de violações naturais. Para
estender um pouco mais, não vejo por que crer que Deus <i>interferiu</i>
no nascimento de cada lagartixa e no germinar de cada planta
existentes. Uma vez que estamos manipulando genes e fecundando óvulos
artificialmente, não precisamos mais apelar para poderes sobrenaturais para explicar a origem de uma nova vida.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Como
a geração de vidas é um processo regido por leis naturais, e não por
energias ocultas e insondáveis, é possível aos geneticistas fazerem o que fazem.
Não há milagres aí. E o fato de que na reprodução humana natural há uma
concorrência absurda entre os espermatozoides não faz de nossa existência particular um milagre. <i>Eventos improváveis ocorrem ininterruptamente ao nosso redor</i>. O fato de <i>nos </i>considerarmos importantes não implica em ter havido uma interferência sobrenatural para que viéssemos a existir. Precisamos descer do pedestal.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Com alguma insistência, o religioso poderia dizer que processos como a seleção
natural, a fertilização de óvulos e o arremesso de moedas podem ser <i>dirigidos</i> ou <i>guiados</i>
por Deus. Mesmo que o religioso possa alegar isso, ele o faz apenas com
base em sua fé. Ter fé normalmente significa crer sem evidências ou boas razões.
Além de não ser logicamente bom, o argumento da fé tem o
poder de encerrar qualquer debate.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>"Então, qual o sentido da vida?"</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Em seu documentário <a href="http://danielgontijo.blogspot.com.br/2010/12/ha-um-proposito-na-vida.html"><i>A Grande Questão</i></a>, Richard Dawkins sugere que nosso questionamento sobre o sentido da vida deriva da nossa
capacidade de pensar e agir baseados em metas ou objetivos. Mas o fato de
seres humanos terem intenções ou propósitos não implica em que nossa<i> </i>existência
-- ou a existência do universo -- tenha algum propósito. Mais uma vez,
estaríamos atribuindo ao mundo ou à vida características <i>nossas</i>. O que podemos seguramente dizer é que <i>as pessoas</i> têm propósitos de vida, isto é, que cada indivíduo humano possui metas ou objetivos a serem alcançados. O <i>sentido</i> da vida seria, assim, o sentido que cada indivíduo atribui <i>à sua própria vida</i>, e isto depende em grande parte dos objetivos traçados por cada um.(1) </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ao
que parece, o religioso não vê sentido algum na ideia de que não há propósito em nossa existência. Para ele, é necessário que haja "algo
mais". O que fazemos aqui seria parte de um projeto superior e teria
repercussão em estágios posteriores à nossa morte. Se não fosse assim,
qual seria o sentido de vivermos?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Bom,
o sentido da minha vida envolve, por exemplo, eu me casar e ter filhos,
ser professor universitário e ajudar no avanço da Psicologia enquanto
ciência. O sentido da <i>minha</i> vida é substancialmente composto pelos propósitos que <i>eu</i> estabeleço durante a minha<i> </i>existência. Não crer que haja vida após a morte não faz com que minha vida perca o sentido.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Perguntar pelo sentido <i>da vida</i> parece ser um comportamento enviesado pela ideia de que <i>tudo</i>
o que existe possui um propósito, uma intenção ou um objetivo. No
entanto, não temos por que acreditar que tudo
foi planejado<i> </i>e criado, e sim o <i>desejo</i> de que tenha sido. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>"Por que você é ateu?"</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Muitos
pesquisadores buscam a explicação do ateísmo na inteligência
(sem muito sucesso, devo dizer), e a maior parte de nós justifica nossa
descrença pelo fato de que as alegações religiosas não são sustentadas
por evidências. Eu até acho que a aquisição e a manutenção do ateísmo
requeiram um bocado de inteligência, mas o fato de haver muitos
religiosos inteligentíssimos -- e muitos ateus meio obtusos --
enfraquece a "hipótese intelectual". Uma inteligência satisfatória pode
até ser necessária,
mas não suficiente para explicar o ateísmo. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5g7ABcwi4q9-lObiyeffRJ4gROyIFKQ6Hxj4qZBM4KLPPuR9kzRwVQot0L7vkLZ_gQaGikiYfAvjmOTNdvEaTimaH1ruWpB1tk-0ZKTYjmhzzErS9dWM9LJCeBjr2Id2lSxNvbUh93DZd/s1600/evolution_vs_id.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5g7ABcwi4q9-lObiyeffRJ4gROyIFKQ6Hxj4qZBM4KLPPuR9kzRwVQot0L7vkLZ_gQaGikiYfAvjmOTNdvEaTimaH1ruWpB1tk-0ZKTYjmhzzErS9dWM9LJCeBjr2Id2lSxNvbUh93DZd/s200/evolution_vs_id.jpg" width="173" /></a>A
parte da inteligência que suponho ser importante para a emergência do
ateísmo refere-se ao conhecimento formal que adquirimos sobre o mundo
natural. A popular tensão entre ciência e religião é, na verdade, uma
tensão gerada pelos conflitos entre suas teses. Qualquer
indivíduo com inteligência média consegue entender que a tese de que
Deus criou o ser humano é irreconciliável com a tese de
que os animais evoluíram através de um processo natural e desprovido de
propósito, bem como que a tese de que o mundo foi criado há menos de dez
mil anos não pode conviver com a tese de que o universo vem se
expandindo há mais ou menos quatorze bilhões de anos. Tais incompatibilidades
podem ser conhecidas por todos os adolescentes que não dormem
durante as aulas de Física e Biologia. Talvez seja graças à massificação
da educação formal que, ao
longo do século passado, o aumento gradativo da inteligência esteve
correlacionado ao declínio do nível de religiosidade (Gontijo,
Rezende e Sampaio, 2011). </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Entretanto,
como dominar um pouco da teoria da evolução e de cosmologia não é o
bastante para a nascença do ateísmo, certamente há algo mais.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Parto
da singela hipótese de que a base do questionamento é o "incômodo".
Enquanto as coisas estão cômodas, confortáveis demais -- no trabalho, na
escola e no casamento, por exemplo --, não temos por que reclamar. Isso
deve ser a causa de as pessoas não questionarem as teses centrais de
seus credos religiosos. A religião parece amortecer nossa angústia existencial. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Então,
o que faz com que um indivíduo decida abandonar suas crenças
religiosas? Eu ainda não tenho uma resposta pronta para essa questão. Tudo o que
tenho são hipóteses, e a maior parte delas deriva da minha própria história de vida.
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
No
futebol, na escola e em casa, eu nunca me dei bem com
exigências injustificadas. E, incomodado com essas exigências, eu
questionava: "Por que precisamos ter treino tático uma vez
por semana, Divininho?", "Por que eu preciso aprender cálculos que não me servirão para nada, Simone?" e "Por que eu não posso
ficar em casa em vez de ir para o sítio com vocês, mamãe?". Como você
pode imaginar, eu dei muito trabalho ao treinador do Ipê Campestre
Clube, à minha professora de matemática e à minha mãe (para não citar os professores de violão e de inglês, que não me tiveram por muito tempo como aluno). Mais tarde, na crisma, eu não poderia deixar de perguntar: "Se o Novo Testamento foi escrito bem depois da morte de
Jesus, como posso saber se nada foi esquecido, confundido ou
inventado?".</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Até
onde me lembro, aquele foi o primeiro questionamento aberto que fiz ao
cristianismo. E eu o questionava justamente pelo incômodo de ser
doutrinado. Eu não queria começar a fazer catecismo e crisma (embora a
companhia de meus amigos tenha tornado o processo até divertido), não
gostava de ler o Novo Testamento -- nem de fazer os deveres cobrados pelos
catequistas -- e ia à missa aos domingos contra minha vontade (ficar
quieto e em silêncio é um grande sacrifício para uma criança agitada).
Alguns parentes já me disseram, com tom de compreensão e tranquilidade,
que tiveram dificuldades similares na adolescência. Um deles até me
confessou já ter passado por uma fase meio ateia... "Mas você mudará de
ideia quando envelhecer", quase todos me disseram.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eu
não posso prever o futuro, mas acho pouco provável que eu reconsidere
meu ateísmo. É esperado que os jovens passem por conflitos relacionados
às drogas, ao sexo e à religião, podendo gravitar entre extremos antes
de se acomodar numa zona mais alinhada com as convenções sociais. No
entanto, não vejo meu ateísmo como uma rebeldia mal resolvida da adolescência. Antes, vejo-o como uma espécie de amadurecimento, ou um refinamento, do meu comportamento de questionar.<br />
<br />
Meu questionamento foi se estendendo das questões práticas àquelas mais abstratas, mesmo que o propósito fosse quase sempre o mesmo: não fazer o que eu não estava afim. Aos poucos, comecei a perceber que eu podia defender meus interesses com bons argumentos, bem como que nem sempre as pessoas tinham boas justificativas para sustentar suas crenças e exigências.<br />
<br />
Mais ou menos aos dezoito anos, descobri que questionar a existência de Deus provocava um espanto curioso nas pessoas. Comecei a me entreter e a acumular algum conhecimento à medida que eu discutia com colegas e adultos sobre religião. Com minha entrada no <i>Orkut</i>, encontrei muitas comunidades voltadas ao ceticismo -- eu não estava sozinho! --, e, ao me mudar para Belo Horizonte, em 2006, bastou-me entrar em contato com a literatura evolucionista para que meu ateísmo efetivamente desabrochasse. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas
certamente houve, e ainda há, outros fatores em jogo. Não é nada
fácil rever nossas crenças mais arraigadas, encarar nossa finitude e
aceitar nosso "lugar" no universo. É preciso <i>coragem</i>, um
bocado de conhecimento em ciência e filosofia e algum "amadurecimento
existencial" para poder ficar em paz com um estilo de vida secular. Em suma, é preciso ter alguma bagagem -- de vida e de teoria -- para preencher o buraco deixado pela religião. E, como o filósofo Alain de Botton sugere em seu livro <a href="http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/P.2175-5841.2012v10n26p667/4016"><i>Religião para Ateus</i> (2011)</a>, é possível nos prepararmos <i>socialmente</i> para isso. Só não sei se muitos vão querer pagar para ver.<br />
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Últimas palavras</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ao
longo das respostas dedicadas ao estudante de Teologia,
procurei demonstrar por que nossas profundas questões existenciais não nos
levam logicamente a Deus. Espero não ter sido indelicado nem
exaustivo, e devo dizer que eu não tive o propósito de convencer ninguém
de que o ateísmo é "a verdade". Não sou <i>convicto</i> de que Deus não existe, tal como não sou convicto de que fadas, duendes e marcianos não existem. No entanto, se for para eu fazer uma aposta, coloco 99% das minhas fichas na hipótese negativa. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Em
tom de reflexão, fiquemos com uma memorável amostra do que não devemos
fazer com o questionamento de nossos filhos. A não ser que você queira que
eles não sejam curiosos, inovadores e consigam se defender com inteligência, ensinem-nos que "Porque sim não é resposta".(2)</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='320' height='266' src='https://www.youtube.com/embed/Kn49MRWAB24?feature=player_embedded' frameborder='0'></iframe></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Notas</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
(1)
A palavra "sentido" também é utilizada em momentos em que
estamos tentando entender um processo ou o funcionamento de alguma
coisa. Por exemplo, ao querermos entender qual o sentido de haver
buracos na Lua ou de existirmos, podemos estar simplesmente querendo
entender <i>como</i> foram produzidos aqueles buracos e <i>como</i> foi que surgimos e/ou evoluímos. Nesses casos, a palavra
"sentido" seria um sinônimo de "causa", e
não de "propósito".</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
(2) Não aprendemos apenas com nossos "acertos e erros", mas também observando o comportamento alheio e ficando atento ao ensinamento dos mais experientes. Acompanhar o <i>Castelo Rá-Tim-Bum</i>
e -- talvez mais ainda -- a <i>TV Cruj</i> foi algo certamente decisivo para
meu amadurecimento. Espero que as crianças de hoje contem com programas
ao mesmo tempo divertidos e instrutivos. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Referências</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<ul>
<li>Botton, Alain de (2011). <i>Religião para Ateus</i>. Rio de Janeiro: Intrínseca. </li>
<li>Gontijo,
D., Rezende, J., & Sampaio, P. (2011). O aumento da escolarização
como possível macrocontingência relacionada a dois fenômenos do século
XX: o efeito Flynn e o declínio do nível de religiosidade. Apresentação
de trabalho realizada no <a href="http://abpmc.org.br/site/wp-content/uploads/2011/06/XX_ABPMC.pdf">XX Encontro da ABPMC</a>.</li>
<li>Hume, D. (1757/2004). <i>História Natural da Religião</i>. São Paulo: Editora UNESP.</li>
<li>Hume, D. (1748/?). <i>Investigação sobre o Entendimento Humano</i>. São Paulo: Escala. </li>
<li>Sagan, C. (1996/2006). <i>O Mundo Assombrado pelos Demônios: a ciência vista como uma vela no escuro. </i>São Paulo: Companhia das Letras. </li>
<li>Wilges, I. (1995). Cultura Religiosa: as religiões no mundo. Petrópolis: Vozes. Em: Dalgalarrondo, P. (2008). <i>Religião, Psicopatologia e Saúde Mental</i>. Porto Alegre: Artmed. </li>
</ul>
Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com10tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-29042289216468741372013-03-26T19:59:00.000-07:002013-12-18T08:34:10.965-08:00O cérebro e o behaviorismo radical (parte 2)<div style="text-align: justify;">
No <a href="http://danielgontijo.blogspot.com.br/2012/09/o-cerebro-e-o-behaviorismo-radical_20.html">primeiro texto desta série</a>, critiquei a alegação de que o modelo behaviorista clássico de explicação do comportamento, a <i>tríplice contingência </i>(estímulo, reposta e consequência [S:R-C]), "coloca o cérebro entre parênteses". Como procurarei novamente demonstrar, é <i>possível</i> considerar a atividade do cérebro em uma contingência de três termos, embora o behaviorista raramente o faça. Mas, afinal de contas, ele <i>deveria</i> fazer isso? Se deveria, e se o <a href="http://www.danielgontijo.blogspot.com.br/2012/09/o-cerebro-e-o-behaviorismo-radical_20.html">modelo SORC</a> não precisa ser adotado, como seria uma "versão neuropsicológica" da tríplice contingência? </div>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgqr95p6DtmPuTG6VxdDB4Wd6UaaGheS_eqqi_QF_rRxwmT2yJyyWrN9_Fd3oLf-tJaj80ryyc7sAgOBqHE4Gv21HHWDE1h328E15aF5VncEIYSsEHk3SC1n3JXPR9itPq1rgkheIEuqGj-/s1600/modelo+SORC+vitor+haase.png" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgqr95p6DtmPuTG6VxdDB4Wd6UaaGheS_eqqi_QF_rRxwmT2yJyyWrN9_Fd3oLf-tJaj80ryyc7sAgOBqHE4Gv21HHWDE1h328E15aF5VncEIYSsEHk3SC1n3JXPR9itPq1rgkheIEuqGj-/s320/modelo+SORC+vitor+haase.png" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O
modelo de análise SORC (<a href="http://npsi-reha.blogspot.com.br/">Haase, 2011</a>) é composto pelo estímulo antecedente (S), as respostas
cerebrais (O), o comportamento observável (R) e uma consequência (C).</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<a name='more'></a><div style="text-align: justify;">
A neuropsicologia propõe-se a estudar as relações do cérebro (<i>neuro</i>-) com a mente e o comportamento (-<i>psicologia</i>).
Por isso, um teste neuropsicológico é um instrumento que fornece dados
sobre esses três domínios: cérebro, mente (ou os processos psicológicos)
e comportamento (ou as ações observáveis de um indivíduo).(1) O <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Wisconsin_Card_Sorting_Test#cite_note-4"><i>Winconsin Sorting Card Test</i> (WSCT)</a>,
por exemplo, mede (entre outras coisas) tanto a flexibilidade
psicológica/comportamental como a integridade do córtex pré-frontal. Ao
lançar mão do WSCT, o neuropsicólogo pode partir dos dados
comportamentais para <i>inferir</i> os funcionamentos psicológico e
pré-frontal de um indivíduo, embora ele possa também partir dos dados
neurológicos (como uma lesão detectada numa tomografia computadorizada) para
verificar os prejuízos psicológicos e comportamentais esperados. Nas mãos
de um psicólogo sem formação em neurociência, os testes
neuropsicológicos teriam alguma utilidade?</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Mesmo
que não sejam construídos primordialmente para abordar questões
neurobiológicas, é indubitável que os testes psicológicos podem fornecer
dados sobre o funcionamento cerebral. Esses testes não são considerados
<i>neuro</i>psicológicos apenas em razão da perspectiva de análise
utilizada pelos psicólogos: a perspectiva psicológica/comportamental. Se
são encontradas relações interessantes entre o desempenho em um teste
psicológico e o funcionamento cerebral, podemos passar a concebê-lo como
um instrumento <i>neuro</i>psicológico (o que parece ter acontecido com
o Dígitos e o Semelhanças, subtestes do WAIS/WISC-III). Mas nada impede
que um psicólogo use um instrumento neuropsicológico para avaliar
exclusivamente os domínios da mente e do comportamento (aberto). Sem fazer
referência ao córtex pré-frontal, esse psicólogo poderia avaliar a
impulsividade e a tomada de decisão de seu cliente com o <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Continuous_Performance_Task"><i>Continuous Performance Task</i></a> e o <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Iowa_gambling_task"><i>Iowa Gambling Task</i></a>, respectivamente. Impulsividade e tomada de decisão são fenômenos <i>psicológicos</i>/<i>comportamentais</i>, e seu estudo e avaliação não precisam necessariamente estar relacionados ao cérebro.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ao
colocar o cérebro entre parênteses, o psicólogo não está negando sua
participação nos fenômenos comportamentais. O biólogo pode fazer o mesmo
com os fenômenos químicos ao estudar processos biológicos, e o
sociólogo pode fazer isso com os fenômenos psicológicos ao estudar
fenômenos sociais. No entanto, estudos biológicos que consideram as minúcias dos
processos químicos podem ser denominados <i>bioquímicos</i>, e estudos psicólogos cujas análises consideram as perspectivas psicológica <i>e</i> cerebral podem passar a ser considerados <i>neuropsicólogos</i>. Esse é o ponto em que as linhas se cruzam; esse é o campo da <i>interdisciplinaridade</i>. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A interdisciplinaridade científica é desejável por diversas razões, mas isso não dissolve a <i>independência</i>
de cada ciência. Pelo que entendo, uma ciência é independente à medida
que estabelece seu objeto de estudo particular e dispõe de métodos
próprios para estudá-lo -- podendo então compreender seus processos,
prevê-los e alterá-los. Assim, o psicólogo que lança mão de testes para
avaliar a mente e o comportamento está gozando de sua "independência
disciplinar", e isto está longe de configurar um problema. Um problema
para a psicologia em geral seria <i>evitar</i> se envolver com as
ciências do cérebro. Entretanto, vemos através da Neuropsicologia
Cognitiva, da Análise Biocomportamental e da Neuropsicanálise que os
cognitivistas, os behavioristas e até mesmo os psicanalistas estão se
esforçando para sair de seus guetos. Como costumo assinalar, creio que
estabelecer esses diálogos seja importante para garantir o
desenvolvimento e a <i>sobrevivência</i> de uma abordagem.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>O cérebro e o analista do comportamento</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A
atuação do analista do comportamento não precisa estar ancorada na
neurociência. Entender razoavelmente o funcionamento do cérebro poderá
eventualmente ajudá-lo a tomar decisões importantes nos contextos
clínico e educacional, por exemplo, mas isso não o
obriga a preencher suas análises com variáveis neurobiológicas. Em vez
destas, uma tríplice contingência típica é composta por variáveis
ambientais (antecedentes e consequências) e por respostas abertas
(ações) e encobertas (sentimentos e processos intelectuais) de um
indivíduo. Na maioria dos casos, esses componentes de análise são o
bastante para que suas intervenções sejam implementadas e para que suas metas
terapêuticas sejam alcançadas. <br />
<br />
Quando um behaviorista
se debruça sobre a neurobiologia do comportamento, ele está começando a
se comportar como um neuropsicólogo, ou talvez como um <i>analista biocomportamental</i>. Entretanto, se ele decidir estudar e considerar o cérebro em suas análises, ele não
precisará abrir mão da tríplice contingência. Em vez disso, ele poderá
preencher seu <i>segundo termo</i> (R) com as variáveis neurobiológicas, preferencialmente ao lado das respostas tipicamente consideradas. Ademais, o primeiro e o terceiro termos (S e C) poderão ocasionalmente se referir aos estímulos característicos de um teste neuropsicológico.</div>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEir3JT9ldCPvfPEiiyHBns-lTHqexIWzwJr2mU0mYxYdvKauCUXi1krIMK8Gv1B1OMm5RzfhiXbTqkyYD-_RV-pLpNg1lyOcXqR-GH-YAPcvdk048zsjch3kY4CPnbhbpG34CfZrTsaru1r/s1600/tr%C3%ADplice+conting%C3%AAncia+biocomportamental.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="141" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEir3JT9ldCPvfPEiiyHBns-lTHqexIWzwJr2mU0mYxYdvKauCUXi1krIMK8Gv1B1OMm5RzfhiXbTqkyYD-_RV-pLpNg1lyOcXqR-GH-YAPcvdk048zsjch3kY4CPnbhbpG34CfZrTsaru1r/s400/tr%C3%ADplice+conting%C3%AAncia+biocomportamental.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A tríplice
contingência (S:R-C) pode comportar respostas neurobiológicas
paralelamente (/) às respostas (abertas e encobertas) tipicamente consideradas.</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Colocar esses dois grupos de variáveis lado a lado é importante por pelo menos três motivos: 1) é patentemente incorreta a noção de que a atividade do cérebro <i>causa</i> o comportamento encoberto (planejar, sentir medo, decidir etc.); 2) é aparentemente insustentável a <i>redução</i>
do último ao primeiro; e 3) o funcionamento neural é um comportamento
como qualquer outro. Desenvolvi brevemente o primeiro e o terceiro
pontos no <a href="http://danielgontijo.blogspot.com.br/2012/09/o-cerebro-e-o-behaviorismo-radical_20.html">primeiro texto desta série</a>, e acho que será importante eu dizer alguma coisa sobre o segundo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Dividir esses dois grupos de variáveis não é o mesmo que pressupor que suas <i>naturezas</i> são distintas. Adotar um dualismo <i>de perspectivas</i> (a objetiva e a subjetiva), e não um dualismo <i>de substâncias</i>
(a material e a imaterial), é uma postura epistemológica complexa e às
vezes controversa, mas pode evitar a geração de alguns problemas. Como
já discuti <a href="http://danielgontijo.blogspot.com.br/2013/02/o-mundo-secreto-do-inconsciente_8.html#comment-form">noutro lugar</a>, não faz muito sentido afirmar que o cérebro <i>percebe</i>, <i>planeja</i> e <i>toma decisões</i>
quase na mesma medida em que não faz sentido dizer que uma mão é
agressiva e que o motor de um carro é veloz. Skinner diria que não é o
cérebro quem faz essas coisas, e sim <i>a pessoa</i>; e eu acrescento que, se não assumíssemos a <i>perspectiva</i>
dessa pessoa, não faria muito sentido noções como sonho, planejamento e
decisão -- e nem qualquer outra noção comportamental que permeie a perspectiva <i>subjetiva</i>.(2) Em postagens futuras, pretendo desenvolver essa ideia em pormenores.<br />
<br />
Por mais que o cérebro possa parecer um bicho de sete
cabeças -- ou um órgãos de sete sistemas --, não há nada que ocorra em
suas entranhas que não possamos, a princípio, enxertar numa tríplice
contingência (o modelo SORC é dispensável). O
analista do comportamento não precisa, em boa parte de suas atuações,
fazer referência às condições cerebrais de seus clientes. No entanto, isso não quer dizer que conhecer a perspectiva neurobiológica do comportamento encoberto seja irrelevante. Pelo contrário, esse conhecimento pode ser decisivo na condução e/ou encaminhamento de alguns casos e é imprescindível para os analistas do comportamento que desejam dialogar com a neurociência.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Notas</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
(1)
Essa é a maneira tradicional de se descrever o objetivo da
neuropsicologia. O behaviorista radical médio possivelmente apresentará
algum incômodo com respeito a essa definição de comportamento e à
postulação de uma mente (ou de seus processos). </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
(2)
As discussões recentes que travei com meu xará Daniel Grandinetti foram
importantes para eu perceber que muitos behavioristas radicais não
percebem ou não tratam essas duas perspectivas de análise com seriedade.
Para compreender melhor o que alguns teóricos denominariam "problema da
consciência", veja <a href="http://www.usp.br/rbtcc/index.php/RBTCC/article/view/433/326">"Consciência verbal, não-verbal e fenomênica: uma proposta de extensão conceitual no behaviorismo radical" (Zilio, 2011)</a>.</div>
Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-52578236279734601262013-02-08T09:46:00.001-08:002015-05-24T08:15:59.245-07:00O mundo secreto do INCONSCIENTE<div style="text-align: justify;">
Antes de ontem, caminhando pelo centro de Belo Horizonte, fui repentinamente capturado pela capa da revista <i>Super Interessante</i>
deste mês. A imagem de um cérebro grande e vermelho e a palavra
"INCONSCIENTE" fizeram-me parar, ler o subtítulo da matéria e, apesar do
preço, levar um exemplar. Com um tal "novo inconsciente" no ar -- ou
bem amarrado nos labirintos do cérebro --, eu não poderia perder a chance de escrever uma resenha crítica e falar um pouco sobre um dos maiores construtos da psicologia.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgIOY8w3M6JYAVvLox9cUC8x5_LMOwY3xJNhYgEujrFyJOPUzu0QCy3CSEbJOV65mgVCO2V7B6Fm9kEgwHHJbv6b8ZyZDGdWvi2pzEGN_hMajXfUWAe7Dg1K251hzEm8jLyS5V9OhVmOzto/s1600/o+mundo+secreto+do+inconsciente-super+interessante.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgIOY8w3M6JYAVvLox9cUC8x5_LMOwY3xJNhYgEujrFyJOPUzu0QCy3CSEbJOV65mgVCO2V7B6Fm9kEgwHHJbv6b8ZyZDGdWvi2pzEGN_hMajXfUWAe7Dg1K251hzEm8jLyS5V9OhVmOzto/s1600/o+mundo+secreto+do+inconsciente-super+interessante.jpg" /></a></div>
<br />
<a name='more'></a><b>O novo inconsciente </b> <br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Há mais de um significado para a palavra "inconsciente", e a matéria da <i>Super</i>
(Santi & Lisboa, 2013) fez referência a dois deles. Um conceito
mais genérico, aceito por grande parte dos psicólogos, designa como "inconsciente" qualquer processo psicológico a que o indivíduo não
tem acesso ou que ocorre sem que ele perceba. Enquanto estamos aprendendo a dirigir, por exemplo, ficamos atentos a e seguimos cada instrução que nos é dada, e executamos cada movimento com bastante cautela. À medida que as coisas vão dando certo, passamos a agir sem muito planejamento, e aos poucos conseguimos ao mesmo tempo alterar a frequência do rádio e conversar com o passageiro. Em outras palavras, chega um momento em que naturalmente nos comportamos no "modo automático", podendo nos empenhar em outras atividades enquanto <i>inconscientemente</i> dirigimos, dançamos ou digitamos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O outro conceito abordado na matéria é mais controverso. A existência do inconsciente, "entendido como um pedaço da mente dotado de vontades que [escapam] ao controle consciente" (p. 40), já era discutida desde o Iluminismo.
Todavia, Sigmund Freud foi quem transformou essa e outras ideias em uma teoria e num conjunto de técnicas: a psicanálise. Como "uma prisão de
segurança máxima" (Gay, 2012), no inconsciente psicanalítico estariam trancados
ou recalcados nossos traumas de infância. Esse conteúdo traumático, que eventual e mascaradamente apareceria em lapsos, brincadeiras e nos sonhos, seria a verdadeira raiz do sofrimento
humano. Hipótese profunda, não acham?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ao longo da matéria,
foram descritos alguns estudos neurocientíficos que respaldariam a
existência do(s) inconsciente(s). Na verdade, o advento dessas pesquisas
estaria dando uma nova cara a essa entidade. O "novo inconsciente",
como alguns neurocientistas o vêm chamando, seria estudado por uma
abordagem que "propõe uma explicação puramente neurológica para o lado
oculto da mente" (p. 40).<br />
<br />
Mas explicar fenômenos psicológicos por
processos neurológicos não é uma tarefa simples. Vejamos as seguintes
afirmações:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<ul style="text-align: justify;">
<li>"Seu cérebro consciente não enxergava mais nada. Mas o inconsciente dele ainda conseguia ver -- e, mais do que ver, <i>julgar</i> os rostos das pessoas" (p. 38);</li>
<li> "[...] o seu inconsciente trabalha nos bastidores durante o papo,
vasculhando o seu vocabulário e abastecendo o consciente para ajudar
você a se expressar" (p. 39); </li>
<li> "[...] seu inconsciente se encarrega de transformar em
ideias os sons que estão saindo da boca dela" (p. 39); </li>
<li> "O cérebro é abastecido pelos olhos, ouvidos e outros sentidos, e o inconsciente traduz tudo em imagens e palavras" (p. 39);</li>
<li>"O analista não conseguia perceber nada de diferente nas imagens, mas o inconsciente dele, sim" (p. 45).</li>
</ul>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Em suma, afirma-se que o inconsciente <i>enxerga</i>,<i> julga</i>,<i> vasculha</i>,<i> percebe</i> e <i>traduz</i> estímulos em ideias, imagens e palavras.
Mais que isso, propõe-se que o inconsciente ocupa cerca de 95% do
cérebro, o que quer dizer que 95% dos comportamentos descritos acima são
executados... bem, por uma espécie de "cérebro inconsciente". Note que os processos neurais não estão <i>explicando</i> o inconsciente: eles <i>são</i> o (novo) inconsciente.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eu
não vejo problema na ideia de que muitos comportamentos de um
indivíduo ocorrem sem sua percepção ou sem que ele conheça suas causas. Entretanto, as coisas ficam estranhas quando termos apropriados <i>ao indivíduo</i> são atribuídos a <i>uma parte</i> desse indivíduo. A não ser que se dê significados diferentes a
esses termos, não faz muito sentido dizer que o cérebro ou o inconsciente
enxerga, julga, vasculha, percebe e traduz. Vou utilizar o caso da "visão cega" para demonstrar esse problema lógico.<br />
<br />
Embora indivíduos que apresentam "visão cega" (ou <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Blindsight"><i>blindsight</i></a>)
sejam completamente cegos, eles podem intuitivamente distinguir com certa
eficácia faces amigáveis de faces hostis (um bom exemplo de como podemos responder a estímulos visuais inconscientemente). Na matéria, diz-se que a
percepção e o julgamento dessas faces são realizados pela área fusiforme
-- uma parte do novo inconsciente --, e não pelo indivíduo. Mas quem de
fato está percebendo e julgando -- ou quem está nomeando uma face como
amigável ou hostil -- <i>é</i> o indivíduo, e não uma área de seu
cérebro! Ninguém aceita a velha desculpa "Não fui eu, foi a minha mão", e
ninguém diria "O motor do meu carro é muito veloz" em vez de "O meu
carro é muito veloz". Cada uma dessas coisas pode estar <i>envolvida</i> ou <i>relacionada</i> ao julgamento, à agressão ou à velocidade, mas isso é diferente de dizer que a área fusiforme julga, a mão agride e o motor é veloz. Mesmo que consideremos 100% do bolo
cerebral, nenhum termo psicológico é perfeitamente aplicável ou
compreensível sem que se leve em conta a dimensão do indivíduo (suas ações, suas emoções e/ou seus pensamentos). Por
isso, o comportamento dos neurocientistas (e não de seus cérebros!) de tomar a parte pelo todo é uma falácia -- especificamente, é a <i>falácia mereológica da neurociência</i> (Bennet & Hacker, 2003).</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Postular
o sujeito cerebral (ou o novo inconsciente) suscita uma outra questão
interessante. Logo na capa da revista, afirma-se que o inconsciente
"controla quase tudo o que você faz". Eu não duvido que certos processos inconscientes estejam por trás do comportamento, mas não parece ser uma boa estratégia tomá-los como <i>o ponto de partida</i> de nossas explicações. Se admitirmos que o ambiente controla nosso comportamento, somos contemplados pela possibilidade de o manipularmos. Contudo, se formos simplesmente controlados por energias e mecanismos de uma entidade oculta, o inconsciente, <a href="http://danielgontijo.blogspot.com.br/2012/09/o-cerebro-e-o-behaviorismo-radical_20.html">o que podemos fazer?</a> Ora, os processos inconscientes não podem ser autodeterminados, o que resulta em podermos controlá-los -- e controlar o comportamento como um todo -- através da manipulação de <i>variáveis ambientais</i>.(1) A propósito, e como esclarecerei no próximo tópico, é possível que essas variáveis expliquem a maior parte dos -- senão todos os -- fenômenos cujas causas Freud atribuíra ao inconsciente.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEicTDW_ygcXMqA0ynynW4-2gKkNQCVu99Lb5ka4FaiauujYI9UbUhEJ8Uf9j8Ixu0wtlwPw3jpiwaKbSo1mN31mEQ5gWAChyphenhyphenvgkWWLyozj2AFW5WNdmLnZH8aRbXceCI1gi-aSvuns2IAO0/s1600/sigmund+freud-inconsciente.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEicTDW_ygcXMqA0ynynW4-2gKkNQCVu99Lb5ka4FaiauujYI9UbUhEJ8Uf9j8Ixu0wtlwPw3jpiwaKbSo1mN31mEQ5gWAChyphenhyphenvgkWWLyozj2AFW5WNdmLnZH8aRbXceCI1gi-aSvuns2IAO0/s320/sigmund+freud-inconsciente.jpg" width="224" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Sigmund Freud (1856-1939)</td></tr>
</tbody></table>
Mas
eu não conheço a teoria freudiana o bastante para criticar
sistematicamente suas teses. O que ficou claro para mim é que parte
do subtítulo da matéria -- "As últimas descobertas da ciência [...]
confirmam a principal teoria de Freud" -- foi bastante exagerada. Explico. Num estudo dirigido por
ninguém menos que <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Eric_Kandel">Eric Kandel</a>,
verificou-se que o núcleo basolateral da amígdala respondeu a faces de
medo que piscavam rapidamente diante dos olhos dos participantes. Como
eles não perceberam que os estímulos do experimento se tratavam de
faces, concluiu-se que aquelas "imagens rápidas estimulavam diretamente o
inconsciente (p. 42)" (ou emoções inconscientes), e que isso seria uma
"comprovação neurocientífica de uma teoria central da psicanálise" (p. 42). A
teoria diria que "a interpretação inconsciente de coisas negativas é a
fonte de muitas aflições humanas" (p. 42), mas não ficou claro se os
participantes realmente ficaram aflitos durante o
experimento -- e ficar aflito significa bem mais que ter uma região do
cérebro ativada. Mesmo que os participantes tenham alegado certo grau
de aflição, a tese central de Freud certamente não diz respeito ao breve incômodo gerado por faces hostis! O apelo da matéria é tão ruim quanto sugerir que a história da Arca de Noé é verdadeira em função da constatação de que, em épocas remotas, certas costas continentais sofreram grandes alagamentos. É necessário mais que indícios indiretos para que uma tese seja <i>comprovada</i> (ou para que uma hipótese resista à verificação). Por isso, eu não vejo razão na conclusão de que o pai da psicanálise tinha razão.</div>
<br />
<b>O que conhecemos do inconsciente?</b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
O
inconsciente não é uma coisa, nem é um lugar ou uma parte de alguma
coisa. Coisificar o inconsciente não me parece um bom começo para uma
linha de pesquisa interessada em "comportamentos inconscientes".</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A
crença no inconsciente psicanalítico parece ser justificada pelo fato de que pouco
sabemos sobre a causa de nossos comportamentos. Por exemplo, ficamos
surpresos quando trocamos o nome de quem conhecemos bem e quando notamos
que nossas reações são desproporcionais a algumas situações. Tudo
isso pode envolver certo aspecto de "inconsciência", mas isso não
implica que compreender esses comportamentos requeira explorar um lado
oculto da mente (seja lá o que isso for).</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Há alguns meses, venho notando que a maior parte dos lapsos verbais (cujas causas são comumente atribuídas ao inconsciente) pode ser explicada por eventos que os antecedem -- um fenômeno bem
estudado e intitulado <a href="http://psicolinguistica.letras.ufmg.br/wiki/index.php/Priming">efeito<i> </i>de<i> priming</i></a>.
Em uma reunião em que estive presente, uma fonoaudióloga apresentou-se
espontânea e vergonhosamente como sendo nutricionista. A causa de seu
comportamento não estava nas entranhas de sua mente, e sim no
comportamento de duas ou três de suas colegas <i>nutricionistas</i>, que tinham acabado de se apresentar. Para os que não notaram o que aconteceu antes do lapso da
fonoaudióloga, seu comportamento poderia erroneamente sugerir um desejo oculto de fazer parte da categoria profissional de suas colegas.(2) </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas
esses "desejos ocultos" podem existir! Quando criança, eu me queixava
eventualmente de dores e indisposições. A maior parte desses sintomas
era real, mas eu costumava exagerá-lá em tempo e intensidade. Embora eu
não percebesse na época, minhas queixas faziam com que minha mãe ficasse
por perto, dando-me mais atenção e carinho. Em outras palavras, eu era <i>inconsciente </i>da -- ou eu <i>desconhecia </i>a -- relação entre minhas queixas e os cuidados de minha mãe, e só recentemente eu desocultei, <i>por ter revelado a ela</i>, meu desejo consciente de ser um pouco mais bajulado. Viram? Certos "desejos ocultos" podem existir...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nos casos supracitados, os indivíduos desconheciam <i>a(s) causa(s)</i> de seus comportamentos, e eles agiram "inconscientemente" apenas nesse sentido. Como eu procurei demonstrar, o que havia para ser identificado ou conhecido não estava em algum lugar secreto da mente, e sim dizia respeito a situações ambientais indutoras (caso da fonoaudióloga) e/ou mantenedoras (meu caso) daqueles comportamentos. Na medida em que identificamos essas variáveis, não precisamos mais jogar a "responsabilidade explanatória" para o suposto mundo secreto do inconsciente.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Do homem das cavernas ao homem dos jalecos, tendemos a inventar entidades, forças e mecanismos
capazes de atribuir sentido aos eventos cujas causas desconhecemos. Essas invenções podem ser relativamente úteis nos estágios iniciais de uma investigação, mas é importante que elas sejam suscetíveis à verificação empírica, ou poderão resultar em dogmas. Minha honesta impressão é de que o inconsciente
psicanalítico foi uma tentativa de explicarmos, a respeito do
comportamento humano, muito do que nos era desconhecido. Eu sou
razoavelmente adepto à noção mais genérica de inconsciente, mas não vejo como sua versão psicanalítica pode,
nos dias de hoje, nos ajudar em alguma coisa. Espero que meus colegas
freudianos e lacanianos não interpretem minha postura cética como uma
"resistência inconsciente". Entretanto, desde que me apresentem razões irresistíveis (lógicas e empíricas), mudarei de ideia sem sequer perceber.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Notas</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
(1) Para reflexões sobre a
limitação de se explicar fenômenos
comportamentais exclusivamente por variáveis internas (mentais e encefálicas), ver <a href="http://danielgontijo.blogspot.com.br/2012/09/o-cerebro-e-o-behaviorismo-radical_20.html">"O cérebro e o behaviorismo radical"</a> (Gontijo, 2012).<br />
<br />
(2) Esse fenômeno é facilmente reproduzível através de uma brincadeira bem conhecida. Peça que alguém diga "branco" rapidamente e por uns cinco segundos ("Branco, branco, branco, branco, branco, branco..."). Posteriormente, pergunte "O que a vaca bebe?". Boa parte das pessoas dirá leite, que é <i>branco</i>, e não água.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Referências</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<ul>
<li>Bennett, M. R., & Hacker, P. M. S. (2003). <i>Fundamentos Filosóficos da Neurociência</i>. Lisboa: Instituto Piaget. </li>
<li>Gay, P. (2012). <i>Uma Vida para o Nosso Tempo</i>. São Paulo: Companhia das Letras. (Citado na matéria resenhada.)</li>
<li>Santi, A., & Lisboa, S. (2013). O mundo secreto do INCONSCIENTE. <i>Super Interessante</i>, ed. 315. São Paulo: Editora Abril.</li>
</ul>
Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com55tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-11699388920680767722012-12-07T12:59:00.001-08:002013-02-18T11:48:18.033-08:00Redes cerebrais de grande escala<div style="text-align: justify;">
Como requerimento para obtenção dos créditos da disciplina <i>Developmental Cognitive Neuropsychology</i>,(1) Bruno E. Faleiros e eu confeccionamos uma resenha crítica de um artigo de revisão sobre redes cerebrais de grande escala. O texto a seguir é uma versão levemente modificada da resenha original, e é constituído de um resumo das ideias principais abordadas pelos autores e de algumas críticas e sugestões nossas.<b><br /></b></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: center;">
<b>Resenha Crítica</b></div>
<br />
Bressler, S. L., & Menon, V. (2010). Large-scale brain networks in cognition: emerging methods and principles. <i>Trends in Cognitive Sciences</i>, 14(6), 277-90.<br />
<div style="text-align: right;">
<br />
Daniel F. Gontijo</div>
<div style="text-align: right;">
Bruno E. Faleiros </div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Em seu artigo de revisão intitulado <i>Large-scale Brain Networks in Cognition: Emerging Methods and Principles</i>, Steven L. Bressler e Vinod Menon sugerem que as funções cognitivas podem ser adequadamente estudadas pelas redes cerebrais de grande escala (RCGEs). </div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
Basicamente, uma RCGE pode ser definida como um conjunto de áreas que interagem dinamicamente para realizar funções específicas. A abordagem das RCGEs questiona a hipótese de que áreas isoladas e especializadas poderiam, sozinhas, sustentar certas funções cognitivas – premissa básica do <i>paradigma modular</i>. A percepção de faces, por exemplo, em vez de ser uma função cognitiva relacionada unicamente ao giro fusiforme, parece depender também do recrutamento de áreas visuais, límbicas e frontais. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMgN4HUA6_VW_IJB9JdlUP7NK12SMkdD0mtJ9sMbx2e2DC_cpBd-nvVHhGQPGsqY3k-adc0ZX-yh1ARpLLYBAGZfQwdOl1H_UNkgWRheOc2OL-TZ89ItoM19TXHCj1gaTIQ6VlFK7HtnAZ/s1600/reconhecimento+de+faces-b.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMgN4HUA6_VW_IJB9JdlUP7NK12SMkdD0mtJ9sMbx2e2DC_cpBd-nvVHhGQPGsqY3k-adc0ZX-yh1ARpLLYBAGZfQwdOl1H_UNkgWRheOc2OL-TZ89ItoM19TXHCj1gaTIQ6VlFK7HtnAZ/s320/reconhecimento+de+faces-b.jpg" width="205" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O reconhecimento de faces, embora seja um processo relativamente simples, está relacionado a uma rede que abarca diversas regiões cerebrais. A ruptura em algum ponto da rede pode levar a prejuízos funcionais, como é o caso da <i>prosopagnosia</i> (incapacidade de reconhecer faces). (Imagem retirada de Ellis e Lewis, 2001.)</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<a name='more'></a><br />
<div style="text-align: justify;">
As RCGEs são constituídas de <i>nós</i>, cada qual sendo caracterizado por um conjunto de corpos neurais (matéria cinzenta) adjacentes e funcionalmente relacionados, e <i>arestas</i>, que se referem a "caminhos" de fibras axonais (matéria branca) que interconectam os arranjos nodais. (A figura abaixo representa uma rede estruturada por nós e arestas.)</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Atualmente, o processo de mapeamento das RCGEs baseia-se em análises <i>neuroanatômicas</i>, como a ressonância nuclear magnética (RNM) estrutural e a RNM por difusão, e <i>funcionais</i>, como os registros eletrofisiológicos, a ressonância magnética funcional (fMRI) e a tomografia por emissão de pósitrons (PET). A título de exemplo, a fMRI, que registra o fluxo sanguíneo cerebral (quanto mais uma área é irrigada, maior é sua atividade), pode identificar nós enquanto indivíduos são submetidos a uma bateria de tarefas cognitivas. Nas palavras dos autores, “um grupo de áreas cerebrais conjunta e unicamente ativadas ou desativadas durante uma função cognitiva pode, com respeito à linha de base, representar os nós de uma rede de grande escala para aquela função”.(2)
</div>
<div style="text-align: right;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnlptu9Po02SrA42Qm4iojidyhv7zAyNS3PH_hbnY5ofqcJyamTi6DsnwWi3i4yrin1pgeF3USQ3AKHKuIepWQxGYhyphenhyphen09He247l-Ef59TT5JA7Oez9_yWkYdOImnS-jXwixvNPJb2Z4msp/s1600/n%C3%B3s+e+arestas.png" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="139" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnlptu9Po02SrA42Qm4iojidyhv7zAyNS3PH_hbnY5ofqcJyamTi6DsnwWi3i4yrin1pgeF3USQ3AKHKuIepWQxGYhyphenhyphen09He247l-Ef59TT5JA7Oez9_yWkYdOImnS-jXwixvNPJb2Z4msp/s200/n%C3%B3s+e+arestas.png" width="200" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Um estudo seminal localizou, com base na relação do fMRI com algumas funções cognitivas, cinco redes principais em funcionamento: a de atenção espacial, a de linguagem, a de memória explícita, a de reconhecimento de faces e objetos e a de funções executivas (Mesulam, 1990). Várias redes identificadas durante a exposição de um indivíduo a tarefas
cognitivas podem ser também verificadas durante seu <i>estado de repouso</i>.
Essa coincidência sugere que as redes neurais são <i>intrinsecamente
conectadas</i>, e não um arranjo funcional transitoriamente determinado
pelas circunstâncias ambientais. Redes intrínsecas relacionadas ao
controle executivo, à memória episódica, à memória autobiográfica e à
detecção de eventos salientes têm sido localizadas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A despeito dos avanços da perspectiva das RCGEs, Bressler e Menon ressaltam
que ainda há muito que ser pesquisado e discutido. Por exemplo, novos
métodos para investigar as interações dinâmicas intra- e inter-redes
(cooperações, competições, hierarquias etc.) são necessários, bem como
para descobrir quais mecanismos são responsáveis pela associação e
dissociação dos nós que compõem uma rede. Acerca dessas e de outras
modificações – como a expansão de fronteiras e o fortalecimento de nós e
arestas –, os autores comentam que os papéis da aprendizagem e da
maturação cerebral devem ser criticamente estudados. Espera-se que, com o
avanço dos métodos de análise e de interpretação de dados, o
conhecimento acerca das RCGEs possa ser de grande utilidade para a
compreensão de desordens neurológicas e psiquiátricas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A revisão de Bressler e Menon apresenta uma tendência da
neurociência cognitiva atual. O cérebro já não é visto como sendo
dividido em áreas altamente independentes e seletivas, mas como um
órgão constituído de populações neurais que, embora possam ser
relativamente especializadas, exercem suas funções através de um
trabalho interdependente e dinâmico. Mas o paradigma que está se aposentando não é exatamente o modular, e sim o <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Frenologia"><i>frenológico</i></a>. Em um trabalho
recente, Meunier, Lambiotte e Bullmore (2010) asseveraram que os módulos
são constituídos de nós densamente interconectados, que esses nós estão
conectados a nós de outros módulos, que um conjunto de módulos
configura uma <i>rede complexa</i> e que essa rede “suporta a emergência de
comportamentos e cognições adaptativos”. Sobretudo quando consideramos que as RCGEs podem ser hierarquizadas em redes principais e sub-redes, as duas abordagens são bem mais similares do que os autores quiseram inicialmente sugerir. Bressler e Menon parecem ter cometido a “falácia do
espantalho”, que consiste em favorecer uma ideia de interesse (paradigma
das redes) através da distorção, proposital ou acidental, de uma ideia virtualmente
concorrente (paradigma modular).<br />
<br />
No mais, a revisão de
Bressler e Menon contém alguns argumentos teleológicos inadequados, em
que a existência de órgãos e mecanismos é concebida como uma <i>finalidade</i>,
ou como uma <i>causa final</i> (em vez de o ser como um produto cegamente
engendrado pela seleção natural), e algumas das comuníssimas “falácias
mereológicas da neurociência”, em que predicados psicológicos (por
exemplo, conhecer, perceber e analisar), que só fazem sentido quando
aplicados a um indivíduo como um todo, são aplicados ao cérebro (Bennett
& Hacker, 2003). Entretanto, o tratamento desses deslizes como
metáforas ou analogias não compromete a apreciação dos interessantes e
atualíssimos dados e propostas arranjados no trabalho dos autores.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Notas</b> </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
(1) A disciplina <i>Developmental Cognitive Neuropsychology</i> foi,
neste semestre, ofertada pelo Programa de Pós-Graduação em
Neurociências e Comportamento da Universidade Federal de Minas Gerais,
sendo atualmente ministrada pelo professor Vitor Geraldi Haase.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
(2)
Determinar quais áreas e arestas compõem uma rede não é uma tarefa
simples, podendo variar de acordo com as técnicas empregadas e com os
critérios escolhidos pelo pesquisador. Uma espessura mínima das fibras
axonais e a flutuação da atividade de grupos neuronais pelo tempo são
exemplos de critérios que podem ser adotados.</div>
<br />
<b>Referências</b><br />
<br />
<ul>
<li>Bennett, M. R., & Hacker, P. M. S. (2003). <i>Fundamentos Filosóficos da Neurociência</i>. Lisboa: Instituto Piaget. </li>
<li>Bressler,
S. L., & Menon, V. (2010). Large-scale brain networks in cognition:
emerging methods and principles. <i>Trends in Cognitive Sciences</i>, 14(6),
277-90. </li>
<li>Ellis, H. D., & Lewis, M. B. (2001). Capgras delusion: a window in face recognition. <i>Trends in Cognitive Sciences</i>, 5, 149-156. </li>
<li>Mesulam, M.M. (1990) Large-scale neurocognitive
networks and distributed processing for attention, language, and memory.
<i> Ann. Neurol.</i>, 28, 597–613</li>
<li>Meunier, D., Lambiotte, R., Bullmore,
E. T. (2010) Modular and hierarchically modular organization of brain
networks. <i>Front Neurosci.</i>, 8, 4: 200.</li>
</ul>
Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-48832763158229601772012-09-20T19:01:00.001-07:002013-12-18T08:44:34.296-08:00O cérebro e o behaviorismo radical (parte 1)<div style="text-align: justify;">
Esta série consistirá de um breve ensaio sobre
algumas ideias que venho tendo sobre o lugar do cérebro no behaviorismo radical. Minhas intenções principais são desfazer alguns mal entendidos, ressaltar a possibilidade de diálogo entre o behaviorismo e a neurociência e identificar o que pode atrapalhar -- ou já está atrapalhando -- esse diálogo. </div>
<br />
<b>A caixa preta</b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Passeando recentemente pelo <a href="http://npsi-reha.blogspot.com.br/">blog de um exímio professor de neuropsicologia</a>,
trombei com a incômoda alegação de que o behaviorismo
desconsidera, em suas análises, qualquer tipo de evento ou variável
neurobiológica. Vejamos:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="background-color: #f3f3f3; text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
[...]
o modelo S:R-C [estímulo, resposta e consequência] é limitado porque
coloca o cérebro entre parênteses, tratando-o como se fosse uma caixa
preta. O modelo de tríplice contingência precisa ser substituído então
por um modelo SORC, introduzindo variáveis do organismo entre o estímulo
e a resposta. [...] O modelo SORC considera as instâncias regulatórias
centrais, principalmente o córtex prefrontal e o chamado executivo
central, as quais explicam a capacidade dos organismos de antecipar as
consequências do seu comportamento (<a href="http://npsi-reha.blogspot.com.br/">Haase, 2011</a>).</blockquote>
</div>
<br />
A imagem abaixo, retirada do referido blog, ilustra o que seria o modelo SORC:<br />
<br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjT1rvKvcHEmuG7BO-SGm60PZyIAsQvX7Cb3GNGMet_uIZqBgwtgog52DekMzWxOelJo_h5wD3VSFCB7rqXuwfURMz-x50gsnqXlucqQOLJ2yzvnEcmmoeGZ4t68yTVuWMbsiFuk5Fs-a3S/s1600/17-modelo-sorc.png" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjT1rvKvcHEmuG7BO-SGm60PZyIAsQvX7Cb3GNGMet_uIZqBgwtgog52DekMzWxOelJo_h5wD3VSFCB7rqXuwfURMz-x50gsnqXlucqQOLJ2yzvnEcmmoeGZ4t68yTVuWMbsiFuk5Fs-a3S/s320/17-modelo-sorc.png" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O
modelo de análise SORC constitui-se de um estímulo (S), as respostas
cerebrais (O), o comportamento observável (R) e uma consequência (C).</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br />
<a name='more'></a>A
ideia de que o behaviorismo radical ignora os eventos encobertos (isto
é, os que não são diretamente observáveis por terceiros), sobretudo os
neurais e os subjetivos, é comum mesmo entre os bons acadêmicos
não behavioristas. Essa ideia equivocada leva seus alunos a crer que o
behaviorismo radical é uma filosofia do comportamento ultrapassada, que a
análise do comportamento não se sustenta enquanto ciência e que o
cognitivismo é uma abordagem superior por ter aberto a caixa misteriosa. </div>
<br />
<b>Atividade neural como parte do comportamento</b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Em
primeiro lugar, o que o behaviorista radical entende por
"comportamento" difere do que entende o cognitivista por esse mesmo
termo. Para este último, "comportamento" refere-se tipicamente a uma <i>ação motora</i> do indivíduo. Para o behaviorista radical, comportamento é qualquer <i>relação</i>
organismo-ambiente. Se, por exemplo, o behaviorista mencionar o
comportamento "jogar futebol", poderiam ser considerados um <i>contexto</i>
(campo, bola e jogadores), um conjunto de <i>respostas</i> (chutes,
estratégias e emoções) e uma porção de <i>consequências</i> produzidas por essas respostas (divertir-se, estreitar laços de amizade e cuidar da saúde).
Neste momento, o leitor mais atento deve ter percebido que os eventos
encobertos são contemplados pelo termo intermediário (R) da tríplice contingência (S:R-C). Ora, o cérebro é um órgão que
responde ao meio, e as especificidades de seu responder não fogem do
escopo do behaviorista.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Imagino
que, ao pensar que o behaviorista concebe "comportamento" apenas como
as respostas motoras de um organismo, o cognitivista conclui que seu
colega estaria negligenciando, ou "colocando entre parênteses", a
atividade cerebral que as precedem.(1) Como esse raciocínio está
equivocado, não é necessário acrescentar um quarto termo (O) à tríplice
contingência. Em outras palavras, uma vez que o termo <i>R</i> diz respeito a <i>qualquer</i> resposta do organismo (abertas ou encobertas), não é necessária a adoção do modelo SORC. Se
existem críticas a ser feitas ao behaviorismo radical (e certamente
há), elas não se tratam, a princípio, de seu modelo básico de análise.</div>
<br />
<b>Causas </b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
<a href="http://danielgontijo.blogspot.com.br/2012/04/por-que-deixei-de-ser-cognitivista_22.html">Em outra ocasião</a>, falei sobre a tendência dos cognitivistas e neurocientistas de atribuir aos eventos mentais e encefálicos (EMEs) a <i>causa</i>
do que as pessoas fazem. Se os EMEs precedem certas respostas observáveis, é legítimo
tratá-los como variáveis determinantes. No entanto, duas limitações
básicas surgem ao se fazer isso. Em primeiro lugar, essa perspectiva pode ofuscar a questão sobre <i>que variáveis controlam os EMEs</i>, bem como sobre que processos históricos, onto e/ou filogenéticos, os
produziram. Em segundo lugar, e de forma complementar, os EMEs não são
um tipo de variável que podemos direta ou livremente controlar. Para
fazê-lo, devemos manipular as variáveis <i>ambientais</i> das quais os EMEs são função. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Em uma <a href="http://www.ted.com/talks/lang/pt-br/shawn_achor_the_happy_secret_to_better_work.html?source=facebook#.T_xO1mZ45i5.facebook">palestra</a> recentemente divulgada em uma página de psicologia, o psicólogo Shawn Achor afirma o seguinte:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="background-color: #f3f3f3; text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
"O
que estamos descobrindo é que não é necessariamente a realidade que nos
molda, mas as lentes através das quais o cérebro vê o mundo [...] E se
nós conseguirmos mudar as lentes, não só podemos mudar sua felicidade,
[mas também] cada resultado educacional e empresarial [...]" (<a href="http://www.ted.com/talks/lang/pt-br/shawn_achor_the_happy_secret_to_better_work.html?source=facebook#.T_xO1mZ45i5.facebook">Achor, 2011</a>).</blockquote>
</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Na
chamada para o vídeo, um colega cognitivista sintetizou a proposta de Achor assim:
"A felicidade não é baseada nas condições ambientais, mas na maneira
como seu cérebro processa informações". Centralizar a fonte e a essência
do que somos, fazemos e conquistamos no cérebro ou na mente é uma
postura às vezes denominada <i>internalista</i>. Inspirados nas críticas de Skinner ao mentalismo, os behavioristas ressaltam que o <a href="http://danielgontijo.blogspot.com.br/2011/04/uma-alternativa-ao-internalismo.html">internalismo</a>
pode ocasionalmente dar margem à conclusão de que, ao descobrirmos
certas relações cérebro-comportamento, poderíamos encerrar nossas
questões. Entretanto, descobrir essas interessantes relações não nos
permite, em boa parte dos casos, atuar sobre o que mais nos interessa.
Pior ainda, focar as explicações no cérebro ou na mente pode levar à
sustentação da visão comum de que essas entidades funcionam
independentemente do ambiente -- o problema do "eu-" ou, mais
atualmente, do "cérebro-iniciador".</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Curiosamente,
Achor diz em sua palestra que "há maneiras de treinar o cérebro para
que ele se torne mais positivo". Ora, e o que seriam esses treinamentos
senão <i>manipulações sistemáticas de variáveis ambientais</i>? As
"lentes do cérebro", sejam lá o que forem, não se alteram
espontaneamente. Mudanças cerebrais/comportamentais significativas
requerem mudanças ambientais significativas, e é a isso que devem se
atentar os psicólogos e neurocientistas.</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
O
raciocínio acima nos leva naturalmente a questionar o lugar que o
cérebro é hoje colocado nas ciências comportamentais, na mídia e na boca
do povo. Em vez de ser visto como <i>o</i> vilão, no caso dos transtornos, ou <i>o</i>
guardião, no caso da "saúde mental", <i>o cérebro é parte do que
precisa ser explicado</i>. Por exemplo, se a baixa disponibilidade de
serotonina é uma característica típica da depressão, devemos indagar que processos <i>comportamentais</i> estão
envolvidos em seu declínio.(2) Centrar esforços para identificar os perfis
neuroquímicos e neurofisiológicos de certos transtornos pode ser útil
para o desenvolvimento de fármacos e -- em alguns casos -- para a
implementação de neurocirurgias, mas isso não esclarece <i>por que</i>
aqueles perfis foram configurados. A pergunta "Por que o cérebro de
pessoas felizes funciona de forma tal ou qual?" não pode ser respondida
por mecanismos, estruturas ou metáforas do ou sobre o próprio cérebro;
em vez disso, compreender seu funcionamento implica em compreender como o
cérebro muda <i>quando em contato com o ambiente</i> -- e isto é analisar contingências comportamentais.</div>
<br />
<b>Estruturas como causas?</b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Um
dos objetivos básicos da neuropsicologia é compreender a relação
cérebro-comportamento. Para certas finalidades, pode não ser um problema
afirmar que o <i>funcionamento</i> do cérebro determina uma série de repostas glandulares, motoras e viscerais... mas o que pensar sobre a alegação de que suas <i>estruturas</i> os determinam?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eu venho pensando que é preciso diferenciar explicações <i>causais</i> de explicações <i>estruturais</i>.
Uma explicação causal simples envolve a descrição de uma relação entre
dois eventos: Se A estiver presente, então B provavelmente aparecerá
(uma regra formulada por várias observações da relação A-B). Uma
explicação estrutural, por sua vez, descreveria uma estrutura <i>pela qual</i>
um evento pode ocorrer em certas ocasiões. Por exemplo, a contração da
pupila em resposta à luminosidade só pode ocorrer caso haja uma pupila.
Se a arquitetura da pupila estiver danificada, não se observa sua
contração. Nesse sentido, descrever uma anatomia anormal da pupila seria
fornecer uma explicação estrutural, e não causal, para a pergunta: "Por
que, quando na presença de luz, a pupila desse indivíduo não contrai?".</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Diversas explicações neuropsicológicas são do tipo estrutural, e não causal. Dizer que <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Phineas_gage">Phineas Gage</a>
agia impulsivamente por ter um córtex pré-frontal anômalo é fornecer
uma explicação estrutural para seu comportamento. Em vez de especificar
estruturas, uma explicação causal envolveria, digamos, a especificação
de um contexto (circunstância na qual Gage agia impulsivamente), de um
histórico de condicionamentos (processos pelos quais Gage aprendeu a
fazer certas coisas) e, é claro, de um evento que danificou as
estruturas envolvidas no controle dos impulsos. A lesão provocada por uma
barra de ferro, enquanto uma ocorrência, causou uma mudança na forma
como Gage se relacionava com o mundo. A então nova anatomia do cérebro
de Gage não causava seu comportamento, e sim era uma estrutura que
respondia atipicamente em certas ocasiões. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Explicações
estruturais complementam, mas não substituem, explicações causais. Ao
descrever as características anatômicas do cérebro, o neurocientista
pode, entre outras coisas, extrair informações sobre o que é
estruturalmente necessário para que certos comportamentos aconteçam ou
sejam adquiridos. Essas informações podem ajudar, por exemplo, na
elaboração de uma reabilitação neuropsicológica, mas as variáveis a ser
manipuladas continuam sendo ambientais, e não estruturais. Nesse
cenário, uma análise baseada na tríplice contingência é imprescindível
e, como esclarecido, pode adequadamente contemplar os comportamentos
encobertos de um indivíduo -- do raciocinar e flexibilizar ao planejar e
tomar decisões.</div>
<br />
<b>Considerações finais</b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Embora eu acredite que o behaviorista possa participar com notoriedade da "festa do cérebro", ele poderá vez ou outra encontrar dificuldades no caminho. Por exemplo, muitos estudos em neurociência enfatizam a relação entre o funcionamento do cérebro e o resto do corpo, deixando o ambiente entre parênteses. Poderíamos tratar essa relação como um <i>fenômeno comportamental</i>? Estudar essas contingências circunscritas aos limites do corpo pode ser decisivo para o avanço em engenharia comportamental, por exemplo, e os <a href="http://danielgontijo.blogspot.com.br/2011/10/muito-alem-do-nosso-eu-admiravel-mundo.html">trabalhos de Miguel Nicolelis e sua equipe</a> são uma boa evidência disso. Pelo jeito, fazer interfaces com a neurociência pode implicar muitas vezes em lançar mão de escalas<i> moleculares </i>de análise em detrimento das tradicionais escalas <i>molares</i>. Um possível segundo investimento do behaviorismo diz respeito à incorporação do <i>estruturalismo</i> que brevemente apresentei. Se
ninguém duvida que é necessário um corpo (ou parte de um corpo) para que
haja uma resposta, pouco esforço tem sido direcionado a questões
sobre as interessantes relações (<i>não causais</i>) estrutura-função, típicas em
neuropsicologia. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
A despeito dos apontamentos que fiz acima, devo ressaltar que o
behaviorista radical <i>não</i> exclui os eventos encobertos de suas análises. O que acontece é que, principalmente por questões práticas, ele procura não colocar esses eventos como o "ponto de partida"
de sua explicação do comportamento. Para aprimorar suas análises, os neurocientistas podem, com ajuda dos behavioristas, tirar o
ambiente dos parênteses; e estes últimos, contudo, podem passar a se interessar pelos níveis de análise moleculares e pelas relações estrutura-função. Antevejo que trocas simples como essa poderão render bons produtos agregados. <br />
<br /></div>
<br />
<b>Notas</b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
(1) É igualmente possível que esses acadêmicos perseverem no erro de confundir o behaviorismo <i>metodológico</i>, de <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/John_B._Watson">John B. Watson</a>, com o behaviorismo <i>radical</i>, de <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Burrhus_Frederic_Skinner">Burrhus F. Skinner</a>.
O behaviorismo metodológico preconiza que os eventos encobertos não são
cientificamente abordáveis, sendo este um dos principais pontos que o
diferenciam do behaviorismo radical.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
(2) Não se pode negar a provável influência genética
sobre a produção dos transtornos comportamentais. Contudo, ressaltei a
questão sobre a etiologia comportamental da depressão em razão do contexto desta conversa.<b> </b></div>
<br />
<b>Referências</b><br />
<br />
Para acessar a fonte das citações dispostas no texto, clique sobre o nome de cada autor.Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com20tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-58261077497869848232012-06-02T12:57:00.000-07:002013-02-18T11:54:25.930-08:00A promiscuidade paradigmática da neurociência<div style="text-align: justify;">
<b>Fonte original:</b> <a href="http://circulosavassi.blogspot.com.br/">Círculo da Savassi</a><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJG8ZOnusArOZ62C_xMmp22AcvT1VvCMOrJx_rmkvJYzQrTPluI5JkXV7Z4ViXmGkwQ4M8zkkzoreaTvbpR__PwKgs2FXkOeyfsQ4vembfg5sXcKFMAqnwTEiz6mLrEBMaXJ0KP2yeXe3-/s1600/c%C3%A9rebro+%282%29.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJG8ZOnusArOZ62C_xMmp22AcvT1VvCMOrJx_rmkvJYzQrTPluI5JkXV7Z4ViXmGkwQ4M8zkkzoreaTvbpR__PwKgs2FXkOeyfsQ4vembfg5sXcKFMAqnwTEiz6mLrEBMaXJ0KP2yeXe3-/s200/c%C3%A9rebro+%282%29.jpg" width="161" /></a> <br />
<br />
Como a neurociência é um campo interdisciplinar, sua
pluralidade paradigmática não é coisa de se espantar. Contudo, há
paradigmas que parecem ser mais permeáveis ou ajustáveis a mais níveis
de análise. Pode-se, por exemplo, encarar os objetos e eventos
relacionados ao comportamento, à fisiologia e até mesmo à bioquímica à
luz do cognitivismo. O cérebro poderia ser concebido como uma máquina
computacional (que computa ou processa informações), sendo a
"codificação", o "armazenamento" e a "recuperação" de informações exemplos de
alguns de seus processos. Um paradigma abarca não só conceitos e uma
teoria, mas também crenças, valores e técnicas particulares. Como venho
percebendo, o cognitivismo figura como o paradigma
psicológico/comportamental predileto dos neurocientistas. Ainda assim, o
mundo das informações parece não ter conseguido abraçar todo o campo
das redes neurais, e o linguajar da comunidade neurocientífica procura
compensá-lo de outras maneiras.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=6987296777344636173" name="more"></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<a name='more'></a>No meu ponto de vista, parte da promiscuidade da neurociência é
justificada pelas lacunas deixadas por um paradigma. Quando não se
consegue descrever ou explicar certos fenômenos pelos moldes
tradicionais, conceitos e processos de paradigmas concorrentes são então
recrutados. Para fazer uma analogia, as pessoas tendem a dar
explicações sobrenaturais a eventos que não podem compreender sob uma
perspectiva naturalista/fisicalista. Quando os dados do mundo natural
nos faltam, entidades e forças sobrenaturais assumem o centro do palco. É
por isso que, em vários momentos, descrições religiosas e científicas
aparecem não como rivais ou concorrentes, mas como <i>complementares</i> -- o que pode ser muito problemático.<br />
<br />
Uma vez que eu tenho muito interesse pela neurociência comportamental,
que aborda questões como o pensar, o sentir e o aprender, tenho estado
sensível a esse discurso promíscuo. Mesmo que haja pesquisadores que
adotam exclusivamente um ou outro paradigma (como o cognitivista, o
behaviorista ou o psicanalítico), já acompanhei várias apresentações e
li alguns artigos em que as coisas se misturavam bem (mal, na verdade).
Durante algumas aulas que tive na neurociência (tanto na especialização
como, atualmente, no mestrado), distintas explicações dos professores
eram compostas por conceitos e processos de diferentes paradigmas.
"Consolidação mnemônica", do cognitivismo, e "condicionamento", do
behaviorismo, são conceitos típicos que vêm e vão conforme o contexto.
Ao se tratar dos determinantes dos reflexos e da percepção de objetos simples do mundo, fala-se de "estímulos"; quando se atenta aos eventos corticais, "informações". Ademais, já vi o "inconsciente" e as
"repressões mnemônicas" postulados por Freud se entrosarem com o
"processamento paralelo" do cognitivismo. É uma salada de frutas
paradigmática que, aos mais atentos e filosoficamente rigorosos, dá
azia!</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
Um outro fator que deve contribuir para essa promiscuidade paradigmática
deve ser a ignorância dos próprios pesquisadores. As "lacunas" a que
aludi anteriormente podem pertencer não ao paradigma, mas aos indivíduos
que se apropriam dele. Em um seminário que acompanhei recentemente,
discutia-se se a mudança de comportamento de um rato seria explicada por
"contingências de reforço" ou por sua "intencionalidade". A gafe está
em se supor que essas coisas se excluem. Se os pesquisadores conhecessem
minimamente o behaviorismo radical, entenderiam que o comportamento
voluntário/intencional é produzido por contingências reforçadoras. Algo
similar ocorreu no início de um curso de neurofisiologia de que
participei, em que um dos professores afirmou que, além dos
condicionamentos clássico e operante, a aprendizagem seria derivada de
aspectos declarativos e procedurais da memória. Mas as memórias
declarativa e procedural são <i>tipos</i> ou <i>classes</i> de eventos,
as "evocações", cuja origem pode ser explicada por processos de
condicionamento. Se, por um lado, o behaviorismo não prima pela
distinção entre o "responder procedural" e o "responder declarativo",
não vejo como o cognitivismo <i>explica</i> como é que essas evocações
são adquiridas. No final das contas, este último caso ilustra uma
mistura de lacunas paradigmáticas com lacunas do pesquisador.<br />
<br />
Mas não podemos ser muito duros com os neurocientistas. Em primeiro
lugar, a própria psicologia carece de um paradigma hegemônico. A
neurociência comportamental precisa recorrer aos modelos que temos para
teorizar acerca dos fenômenos a que estão interessados. Quero crer,
pois, que parte da responsabilidade pela referida promiscuidade é nossa,
dos psicólogos. O problema é que parece haver poucos teóricos
interessados em debater a pluralidade da psicologia, e muito menos os
que se interessam em estabelecer um diálogo com a neurociência. Se a
redução da psicologia às ciências do sistema nervoso é uma proposta
ingenuamente presunçosa, a alergia que os psicólogos têm ao tecido
neural pode prestar um desserviço ao aprimoramento de seu próprio campo.
Em um mundo marcado pela interdisciplinaridade, intuo que os mais
adaptados serão os que se arriscarem a se envolver com os cientistas do
laboratório vizinho. Com esse intercâmbio de ideias, perguntas de um
nível podem ser lançadas ao outro nível, e melhores modelos e paradigmas
poderão ser gradativamente engendrados e, com efeito, selecionados. É
possível que daí, mas não só por aí, uma psicologia melhor fundamentada e
reconhecida poderá dar o ar da graça.<br />
<br />
Psicanalistas e, em especial, behavioristas e cognitivistas, que tal
convidarem aquele cara de jaleco, com quem vocês sempre trombam pelos
corredores, para tomar um café?<br />
<span style="color: white;">.</span> </div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhE6VDx2dekfcpGs6VfYbiUAx0rUhYt6lqgATkhtkTTt8bU2pMngwnt52NQQh1q51IXtxjzlFUNi2OeDeRBjSC0dsdfl31h8-hHbVth9zbSovJ2Ka4SrjpI5973PVyzteubycz7jZg1W93l/s1600/cientista+neurocientista+caf%C3%A9.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhE6VDx2dekfcpGs6VfYbiUAx0rUhYt6lqgATkhtkTTt8bU2pMngwnt52NQQh1q51IXtxjzlFUNi2OeDeRBjSC0dsdfl31h8-hHbVth9zbSovJ2Ka4SrjpI5973PVyzteubycz7jZg1W93l/s320/cientista+neurocientista+caf%C3%A9.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Dois cérebros cafeinados pensam melhor do que um.</td></tr>
</tbody></table>
Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com12tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-47725811782174569032012-04-22T15:19:00.000-07:002013-02-18T11:54:47.880-08:00Por que deixei de ser cognitivista<div style="text-align: justify;">
Uma resposta à pergunta "Por que deixei
de ser cognitivista?" deve, ao mesmo tempo, fazer referência a por que me
tornei behaviorista. Embora eu tenha grande apreço por discussões
epistemológicas, o pano de fundo desta retrospectiva será debater duas
hipóteses que explicariam a minha mudança paradigmática, quais sejam:
"Eu deixei o cognitivismo porque eu não o conheço bem" e "Eu deixei o
cognitivismo porque fui socialmente reforçado a fazê-lo". Essas
hipóteses foram aventadas por um amigo cognitivista por quem tenho
apreço e admiração. Parte do que será exposto já foi anteriormente
desenvolvido em um saudável e memorável debate que travamos
virtualmente. Por fim, esta reflexão tem por finalidade comemorar --
porque tenho estado satisfeito com esse novo estilo de vida -- um ano de
prática e elucubrações enquanto behaviorista radical.<br />
<br />
<div style="text-align: center;">
</div>
</div>
<a name='more'></a><b>História e antecedentes teóricos </b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Em outubro de 2010, e ainda imerso nas águas cognitivistas, publiquei um texto denominado <a href="http://danielgontijo.blogspot.com.br/2010/10/breve-defesa-ao-mentalismo.html">"Breve defesa ao mentalismo"</a>,
que figurara como uma resposta às críticas behavioristas que eu vinha
recebendo naquela época. Lá, esbocei razões pelas quais a mente e o
encéfalo (cérebro, cerebelo e tronco encefálico) deveriam ser os objetos de
estudo <i>centrais</i> de uma ciência comportamental. Assim,
esforcei-me para defender que os eventos mentais e encefálicos (EMEs)
são as variáveis independentes que explicariam a variação das variáveis
comportamentais, dependentes, de que teríamos maior interesse. Por
exemplo, poderíamos dizer que o comportamento público, como ir à padaria
ou fazer certas jogadas no basquete, é explicado por um conjunto de
crenças, habilidades e condições emocionais (como o desejo) das pessoas.
Pelo nível neurofisiológico, a forma como agimos seria um efeito de
certos padrões de atividade do encéfalo. Nesses dois casos, estaríamos adotando uma postura <i>internalista</i>, que prioriza os
aspectos internos do organismo (estados mentais ou neurais) como os
eventos que causam o comportamento. Pelo que sei, a maioria das
abordagens da psicologia e o <i>mainstream</i> da neurociência partilham essa concepção.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Naquela
época, eu vinha concentrando minhas leituras na produção de expoentes
como Antônio Damásio, um neurologista português, e Steven Pinker, um
cientista cognitivista. Pode-se dizer que eu tive mais contato com
aspectos amplos e básicos das ciências cognitivas, bem como que eu não
visitei apropriadamente a obra dos principais ícones da área. É verdade,
por exemplo, que eu pouco li a respeito da <a href="http://scienceblogs.com.br/socialmente/2012/04/o-que-e-a-terapia-cognitiva/"><i>terapia cognitiva</i></a>,
que abarca uma série de pressupostos e técnicas cognitivas aplicados à
psicoterapia. Para ser honesto, eu só cheguei a folhear, e não a ler
completamente, três importantes livros de terapia cognitiva: um de Aaron
Beck e dois de sua filha, Judith Beck. Muito pouco, não acham? Apesar
disso, boa parte dos estágios e supervisões que tive na graduação -- em
psicoterapia e em neuropsicologia -- foram guiados pelas diretrizes
cognitivistas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Pode
ser que meu "repertório cognitivês" não estivesse ainda tão afiado, mas
eu estava disposto a encarar certos desafios. Eu passei a participar,
então pelo <i>Orkut</i>, da comunidade "Análise do Comportamento" ao
longo de alguns meses, e por lá entrei em diversos fóruns e discuti
abertamente contra "o resto do mundo". Eu carregava particularmente a
pompa de que as ciências cognitivas eram não só a vanguarda das ciências
comportamentais, mas que também tinham <i>superado</i>, a partir de uma "revolução",<i> </i>as
demais abordagens do campo. Convenhamos, essa crença nos traz certa
confiança e credibilidade, certo? Certo! E eu passei a frequentar, por
convite de um dos camaradas da comunidade, um grupo de analistas do
comportamento que faziam -- e ainda fazem -- <i>happy hours</i> mensais em bares e cafés de uma região belo-horizontina chamada Savassi. A partir do momento em que eu me incluí no <a href="http://circulosavassi.blogspot.com.br/"><i>Círculo da Savassi</i></a>,
e mesmo que ainda como cognitivista, as representações que eu fazia do
mundo começaram a se modificar -- o que não foi fácil nem rápido.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Temas
como "consciência", "módulos mentais" e "crenças e desejos" eram o
prato principal das discussões. Aos poucos, algumas coisas foram ficando
claras para mim. Por exemplo, fui compreendendo que aquelas entidades
não são mais que <i>constructos</i> -- ou hipóteses sobre variáveis
latentes, intangíveis e imaginadas --, bem como que sua existência e
atividade precisam, respectivamente, ser justificada e explicada. Mesmo
que, no contexto de certos estudos, a invenção de entidades hipotéticas
(como a "velocidade de processamento", a "memória de trabalho" e o
"fator <i>g</i> de inteligência") seja justificada, as considerações e
análises relevantes devem ir além. Em pesquisas que venho lendo
atualmente, percebo a carência de perguntas decisivas como estas: "<i>O que</i> controla as entidades hipotéticas que controlam os comportamentos observáveis?" e "<i>Por que</i>
há diferenças individuais e grupais nas medidas dessas entidades?". Se
essas perguntas não são feitas -- ou não são levadas a sério --, cria-se
a sombra de um Eu, de uma mente ou de um cérebro-<i>iniciadores</i>, e a história de um organismo, que pode lançar luz sobre as <i>origens</i>
comportamentais, é então ofuscada. Crenças e desejos, módulos mentais e
o encéfalo vêm sendo os protagonistas das explicações comportamentais
da moda. Dados e princípios velhos, porém básicos e imprescindíveis,
foram largados no limbo, e é assaz discutível a proposta de que as
novidades metafísicas e técnicas da nova abordagem validam a expressão
"revolução cognitiva".</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ainda que a questão acerca das <i>causas</i>
do comportamento fosse, e ainda é, o principal motivo das minhas
preocupações, outros tópicos espinhosos viviam a me cutucar. Eu não sei
se isso é comum entre as pessoas que pensam demais, mas a minha mente
tem o hábito de deixar reverberando por tempo considerável algumas
perguntas que me incomodam. Eis alguns exemplos: "O que é mente, e o que
acrescentamos ao estudo do comportamento ao aceitarmos sua
existência?", "Como aspectos do mundo são copiados para a mente?" e
"Qual a utilidade com se distinguir coisas mentais de coisas reais?".
Como venho aprendendo, um pouco de pragmatismo resolve boa parte dessas
questões (que aparentam ter sua origem na ubíqua confusão sobre as perspectivas de primeira e de terceira pessoas). A despeito disso, julgo como válida e útil a tentativa de
diferenciar a experiência publicamente compartilhada, de um "mundo fora
da pele", da experiência privada, de um "mundo dentro da pele". Só não
acho que precisamos inventar uma entidade, a mente, para diferenciar
essas coisas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<b>Aceitar Skinner no coração</b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
"Você
ainda vai aceitar Skinner no coração": esta foi uma expressão curiosa e
engraçada que eu eventualmente ouvia de um ou outro colega
behaviorista. Houve quem tivesse feito certas previsões sobre até quando
eu permaneceria abraçado ao cognitivismo, e com uma precisão que se
mostrou significativa.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Antes
de eu abrir meu coração para aquele velhinho revolucionário, meditei
sobre se os princípios behavioristas radicais poderiam dar conta do
conjunto de fenômenos que eu vinha estudando -- basicamente, aspectos da
inteligência e da personalidade. E, aos poucos, as coisas que eu
pacientemente ouvia começaram a fazer mais sentido. Como desenvolvi
brevemente em meus textos <a href="http://danielgontijo.blogspot.com.br/2011/11/inteligencia-capacidade-de-ser-feliz.html">"Inteligência: capacidade de ser feliz?"</a> e <a href="http://danielgontijo.blogspot.com.br/2011/04/uma-alternativa-ao-internalismo.html">"Uma alternativa ao internalismo"</a>,
construtos como "inteligência" e "personalidade" não conseguem legítima
e satisfatoriamente explicar os comportamentos inteligentes e
"personificados". Quando não assumem meras descrições de certas classes
comportamentais, são tentativas de fazer um recorte explicativo curto, e
por isso limitado, que lança mão de ficções didáticas questionáveis e
que não contribuem decisivamente para o que estamos mais interessados:
compreender, prever e alterar certos fenômenos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Se,
então, pretendemos fazer da psicologia uma ciência, precisamos -- entre
várias outras coisas importantes, é claro -- desenvolver técnicas a
partir das quais possamos <i>manipular variáveis</i>. Quando elegemos os
EMEs como as variáveis independentes de interesse, estamos diante de um
patente e intransponível impedimento prático: não podemos manipulá-los.
Os eventos internos não são o tipo de variável que um cientista pode
isolar ou regular, mas o tipo de variável que varia ou se altera à
medida que são manipuladas variáveis <i>ambientais</i>, <i>externas</i>
ao organismo -- e a administração de psicofármacos não constitui uma
exceção. Isso não quer dizer que os eventos internos, como crenças e
desejos, não sejam importantes. Longe disso, significa que, para
modificá-los, precisamos identificar as variáveis que os controlam e
compreender que processos (por exemplo, condicionamentos clássico e
operante) estão envolvidos em sua origem e manutenção. Assim, a ênfase
no contexto, nas tríplices contingências (que envolvem as consequências
de um comportamento) e no histórico de relações de um organismo com
certos ambientes nos permite lançar as seguintes perguntas: "<i>Quando</i> ou <i>em que circunstâncias</i> um indivíduo pensa A e quer B?" e "<i>Por que</i>,
nessas circunstâncias, esse indivíduo pensa A e quer B?". Acreditem: essas perguntas fazem a diferença! </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ao me dar conta do poder explicativo do behaviorismo radical, decidi <a href="http://danielgontijo.blogspot.com.br/2011/04/revisitando-o-behaviorismo.html">dá-lo uma nova chance</a>.
Aos poucos, fui descobrindo que "todo o campo de processamento de
informação pode ser reformulado como mudanças no controle exercido pelos
estímulos" (Skinner, 1977/2007). Processar informações é o mesmo que
responder de determinadas maneiras, e o que se entende por "informações"
pode ser melhor descrito como "propriedades de estímulos". Os
cognitivistas estão ainda com certa dificuldade para definir seus
objetos e processos centrais, e as metáforas que utilizam, como a da
cópia e a do armazenamento, parecem só dificultar as coisas. Se
entendemos "informações" como "propriedades de estímulos", fica claro
por que não faz sentido dizer que as armazenamos. Parece ridícula a
afirmação de que, uma vez que não estão sendo expressos ou apresentados,
a contração da pupila, o reflexo patelar e uma cambalhota estão
"armazenados". No entanto, o cognitivista não vê problema em afirmar que
palavras, imagens e gestos estão guardados em algum lugar do encéfalo
ou da mente. Acho importante diferenciarmos <i>eventos</i> ou <i>ocorrências</i>, como os EMEs, de <i>coisas</i>,
como livros e alimentos. É como se, em um primeiro momento, reflexos,
canções e malabarismos fossem comportamentos que, posteriormente, seriam
magicamente convertidos em coisas a ser armazenadas em algum lugar. Um
carro parado e desligado não tem seu funcionamento e locomoção
armazenados no motor e nas rodas, e eles não fazem cópias ou
representações daqueles eventos. Não são os EMEs que ficam "armazenados"
ou, um pouco melhor, que "resistem materialmente ao tempo", mas os <i>dispositivos estruturais cuja atividade os definem</i>.
A configuração básica desses dispositivos nos é presenteada pelos
genes, e suas modificações são sistematicamente produzidas pelos
estímulos que os colocam em atividade. Mas esses estímulos e a atividade
dispositiva dos quais são função, o comportamento, não são coisas
passíveis de armazenamento. Pode parecer estranho à primeira vista, mas é
correto afirmar que comportamentos, e não disposições, simplesmente
aparecem e desvanecem em razão das circunstâncias.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A
partir dessas análises, que vão desde pressupostos ontológicos a
aspectos de causalidade, meu cognitivês passou por um lento e gradual
processo de extinção. Após, então, ler <i>Sobre o Behaviorismo</i>,
livro no qual Skinner (1974/2006) apresenta a filosofia que fundamenta a
análise do comportamento, senti-me um pouco mais seguro quanto a me
afirmar como behaviorista radical. Não que o meu coração tenha se
tornado totalmente skinneriano, mas boa parte dele bate em ritmos que se
assemelham ao dos meus colegas behavioristas.</div>
<br />
<b>Considerações e reflexões finais</b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Não
se pode negar: o contexto social influencia a filiação que fazemos a
uma ou outra abordagem científica, ideologia política ou religião.
Também é verdade que a ignorância pode fomentar o distanciamento ou a
negação de teorias e concepções que concorrem com as que sustentamos. Na
falta de informações relacionadas à teoria da evolução das espécies
pela seleção natural, podemos nos ver lamarckistas ou, como é ainda
comum nos dias de hoje, criacionistas. Contudo, "ignorância" e
"influência social" podem não conseguir explicar completamente o
ingresso a, ou o abandono de, um programa de pesquisa. No meu caso, a
busca veemente por melhores concepções ontológicas e teorias causais
para o comportamento parece assumir o centro da minha mudança
paradigmática. É claro que, em certo sentido, encontrar teorias
melhores equivale, conforme quero acreditar, a produzir consequências
melhores para a sociedade e para mim mesmo. Mas eu não me permito à
incongruência de professar crenças com o conveniente intuito de "manter o bom
convívio social" (e o meu ateísmo manifesto, às vezes ativista, pode ser
uma postura que representa bem o que quero dizer). Não nego que eu não
conheço profundamente o cognitivismo, mas acredito que já tenho bons
motivos para não voltar a vestir sua camisa.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Antes
de finalizar, vale dizer que, embora satisfeito, eu não estou
plenamente feliz com o behaviorismo radical. Como deve ser para qualquer
doutrina, há ainda o que ser desenvolvido em termos filosóficos e -- no
âmbito da análise do comportamento -- práticos. Tendo degustado
enumeráveis coisas interessantes no mundo cognitivista, eu fico a
procurar formas de assimilá-las ao "behaviorês" (um intercâmbio que é
comum entre programas de pesquisa concorrentes). Crenças e desejos não
nos põem em dificuldade (Lazzeri & Oliveira-Castro, 2010), e construtos como "memória de trabalho" e "velocidade de processamento" poderiam ser tranquilamente explorados, apropriados e aperfeiçoados. Para que o behaviorismo possa competir por um espaço ainda melhor na neurociência, intuo que será necessário o
investimento em uma nova linha de pesquisa, a saber, a que se dirigirá
para o estudo dos "dispositivos estruturais do comportamento" (basicamente, estudos sobre estrutura-função). Diante
disso, resta saber se a comunidade behaviorista radical está disposta a
expandir as fronteiras e, quem sabe, a modificar certos pressupostos que
poderiam contrariar a promoção dessa empreitada.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
No
mais, não posso deixar de ressaltar que eu ainda estou em fase de
descoberta do behaviorismo. A prática clínica e a participação em grupos
de discussão e em um ou outro evento têm contribuído para a minha
exploração, mas me falta estabelecer mais contato com pesquisas e
modelos teóricos recentes da área. E, mesmo que a minha expectativa
venha sendo a das mais otimistas, eu não terei medo de projetar objeções
e de propor novidades. </div>
<br />
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #999999;">Os
psicólogos cognitivistas estudam [as] relações entre organismo e
ambiente, mas eles raramente lidam com elas diretamente. Em vez disso,
eles inventam substitutos internos que se tornam objetivo de estudo de
sua ciência. Tendo mudado o ambiente para dentro da cabeça na forma de
experiência consciente e o comportamento na forma de intenção, desejos e
escolhas, e tendo armazenado os efeitos das contingências de
reforçamento como conhecimento e regras, os psicólogos cognitivistas
colocam tudo isso junto para compor um simulacro interno do organismo,
nada diferente do homúnculo clássico. [...] O apelo para estados e
processos internos cognitivos é um desvio de atenção que pode ser
responsável por muitas de nossas falhas para resolver nossos problemas
(Skinner, 1977/2007).</span></div>
</blockquote>
<br />
<br />
<b>Referências</b><br />
<br />
<ul>
<li>Lazzeri, F., & Oliveira-castro, J. M. (2010). Termos psicológicos disposicionais e análise do comportamento. <i>Princípios</i>, v. 17, n. 28.</li>
<li>Skinner, B. F. (2007). Por que eu não sou um psicólogo cognitivista. <i>Revista Brasileira de Análise do Comportamento, </i>vol. <i>3</i>, n. 2. (Originalmente publicado em <i>Behaviorism, </i>Vol. 5, n. 2., 1977.)</li>
<li>Skinner, B. F. (1974/2006). <i>Sobre</i> <i>o behaviorismo</i>. São Paulo: Cultrix.<br />
</li>
</ul>
Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com14tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-66214637473711185502012-04-07T15:08:00.003-07:002013-02-18T11:55:37.612-08:00Reflexões sobre a páscoa e o ateísmo<div style="text-align: justify;">
Para início de conversa, eu sou ateu. E o que significa isso? Tal como sugere a etimologia da palavra (<i>a</i>, de ausência ou negação, e <i>theos</i>, de deuses), pode-se dizer que eu <i>nego</i> a existência de deuses. Um teísta, pelo contrário, poderia ser definido como alguém que <i>aceita</i>
a existência de Deus -- ou, no caso de um politeísta, de deuses. Mas,
no meu ponto de vista, não poderíamos parar por aí. Em que, afinal,
consiste <i>aceitar</i> ou <i>negar</i> a existência de deuses? Que
crenças e condutas básicas caracterizam ateus e religiosos? Após esboçar
uma breve resposta a essas questões, tentarei ilustrar como um ateu
pode se comportar na celebração da páscoa, época em que os cristãos
comemoram a ressurreição de Jesus Cristo. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjJsyp5IZ04MCnUKmHqxvrnUtvR4d990Hkx8Ej5WU1DbbUwxqIzN73C1bsuNocsmAj8qYzW4HxNPpTK6IUdpUmB01IsTBE3SRVhbfqG-yRQMIsLMWtJTh5ipKzv4iFGKGI2OUg6g4_OuFsd/s1600/Resurrection_Raffaelino_del_Garbo_1510.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="297" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjJsyp5IZ04MCnUKmHqxvrnUtvR4d990Hkx8Ej5WU1DbbUwxqIzN73C1bsuNocsmAj8qYzW4HxNPpTK6IUdpUmB01IsTBE3SRVhbfqG-yRQMIsLMWtJTh5ipKzv4iFGKGI2OUg6g4_OuFsd/s320/Resurrection_Raffaelino_del_Garbo_1510.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><i>A ressurreição</i> (Raffaelino del Garbo, 1510)</td></tr>
</tbody></table>
<a name='more'></a><b>O <i>ser ateu</i></b><br />
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Para muitas pessoas, a proposição "Eu nego<i> </i>a existência de deuses" pode suscitar espanto. "Como assim... você não acredita em <i>nada</i>?"
Na verdade, parece melhor redefinir aquela proposição para "Eu creio
que deuses não existem", mesmo que isso ainda não resolva o problema em
questão. Afinal, <i>em que crê</i> e <i>o que faz</i> quem não acredita
em deuses? Temos uma noção básica do que creem e fazem judeus, budistas e
cristãos, mas o mesmo pode não ser dito a respeito dos ateus. Pode ser
tentador definir o ateísmo como a <i>ausência</i> de comportamentos
ligados à religiosidade. Mas, se não fazer algo já é fazer alguma coisa,
é a esse "fazer diferente" que precisamos nos atentar. O ateu não fica
simplesmente inerte, parado em feriados religiosos, e não fica sem
reação quando coisas inusitadas ou adversas acontecem. Como disse o
biólogo Paul Z. Myers (2011), o ateísmo não é "um ideal platônico
flutuando em um espaço virtual com nenhuma conexão com mais nada".
Crenças não fazem sentido sem que sejam associadas a comportamentos
públicos, e parece razoável dizer que <a href="http://bulevoador.com.br/2012/03/33357/">o ateísmo é uma crença</a>. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCAFgjpsnAJFzQZYqkwv7innM6fCEIoJ4trZFUhqiDErLGvps7GT9SDp_9lTytTt6T7tOvZmG9j-GCxEtQGHKfSYqXFZV9vSy-d5rLxA9TM4SSNsavJJQ_E-niuo6LmVL9V_XGUQksS80d/s1600/ateus.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCAFgjpsnAJFzQZYqkwv7innM6fCEIoJ4trZFUhqiDErLGvps7GT9SDp_9lTytTt6T7tOvZmG9j-GCxEtQGHKfSYqXFZV9vSy-d5rLxA9TM4SSNsavJJQ_E-niuo6LmVL9V_XGUQksS80d/s320/ateus.jpg" width="268" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Uma charge que transmite uma crítica baseada em ignorância. A vida ateísta não é vazia, "em branco" ou indiferenciada.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Nossos
comportamentos são contextualizados, e há contextos específicos em que o
comportamento religioso aparece. Não: as pessoas não são
ininterruptamente religiosas! O comportamento religioso aparece e
desvanece conforme variam as situações. Por exemplo, somos religiosos
quando, ao sermos exitosos ou ao fracassarmos, agradecemos às divindades
ou nos colocamos a orar; quando beijamos estátuas que representam
santos; quando procuramos nos unir, através da meditação, ao Cosmos;
quando baseamos nossas ações nas prescrições de um livro considerado
sagrado; e quando concebemos o mundo como um desígnio divino. Contudo,
os religiosos também se envolvem em <i>práticas seculares</i>, isto é,
em práticas em que não há o matiz religioso. Exemplos dessas atividades
são estudar matemática, comer pastéis e beber Coca-Cola, fazer
transações bancárias, pegar um ônibus e acompanhar jogos de futebol.
Embora certas práticas sejam ocasionalmente permeadas pela fé (como
quando oramos para que nosso time vença), isso não é o bastante para
denominá-las religiosas.</div>
<br />
Parece difícil a tarefa
de delimitar o perfil comportamental básico de um ateu, mas acho que
podemos, senão devemos, nos arriscar. Antes de fazê-lo, descreverei
alguns atributos que não definem, mas que parecem <i>acompanhar</i> o ateísmo.<br />
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Os
ateus, ao menos os que eu conheço, são pessoas razoavelmente
desconfiadas. Eles estão frequentemente atentos a incoerências ou a
afirmações pouco fundamentadas, carentes de evidências, e não tomam
certas afirmações como verdadeiras simplesmente por terem sido
proferidas por autoridades (por exemplo, por pais, professores e líderes
religiosos). Essa sensibilidade costuma levar ao questionamento e a uma
postura crítica. Em essência, eu diria que o ateu se comporta com base
na ideia de que o outro pode estar enganado ou pode <i>querer</i>
enganar. Mas, e como no caso dos religiosos, esse perfil não está
presente em qualquer situação. Há quem possa deixar de lado o "filtro do
ceticismo" ao se deparar com notícias ou artigos científicos, sobretudo
quando se tratam de algo que se queira ouvir. Os ateus são, antes de
tudo, humanos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Esse
tópico é um tanto polêmico, mas eu intuo (tudo bem, com base em alguns estudos científicos) que o ateísmo é regado por um bocado de inteligência. A origem do Universo e das espécies, o sentido
da vida e as questões morais são alguns dos temas importantes a ser abordados secularmente pelos ateus. Não é tarefa fácil compreender satisfatoriamente o <i>big-bang</i>
e a seleção natural, e o convívio com religiosos pode exigir dos ateus um repertório básico de lógica, psicologia e história. A sustentação adequada do ateísmo parece requerer um <i>esforço intelectual</i> incomum, mesmo que isso não se traduza necessariamente em uma "inteligência incomum". Uma parcela considerável dos ateus que eu conheço valoriza o conhecimento, para não dizer a <i>racionalidade</i>, e se esforça para conhecer cada vez mais.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Em seu texto <a href="http://bulevoador.com.br/2011/11/29896/#more-29896">"Por que você é ateu?"</a>, Myers (2011), em harmonia com o que venho propondo, ressalta que</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #999999; text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
há mais no ateísmo do que a simples negação de uma afirmação: ele é na
verdade baseado em uma atitude científica que valoriza a evidência e a
razão, que rejeita afirmações baseadas somente em autoridade e que
encoraja uma exploração mais profunda do mundo. Meu ateísmo não é
somente uma negativa de deuses, mas é baseada em todo um conjunto de <i>valores positivos</i> que eu enfatizo quando falo sobre ateísmo. Aquele lance de negar a existência de Deus? É uma consequência, e não uma causa.</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Desconfiança</b> e <b>esforço intelectual</b>
talvez sejam perfis comportamentais comumente encontrados entre os
ateus.(1) Se, pelas circunstâncias da vida, aprendemos a desconfiar (ou a
ser céticos), a nos perguntar e a investigar, há uma grande chance de
nos depararmos com o ateísmo. Com efeito, o <i>ser ateu</i> pode ser um
subproduto emergente daquelas posturas, mas que só vem a irromper em
contextos em que há um apelo social por intervenções e explicações
sobrenaturais sobre o mundo. Se não houvesse o comportamento religioso,
talvez não faria sentido falar de comportamento ateísta. Não há
religiosidade entre os demais animais, e não é por isso que os chamamos
de ateus. Por isso, o ateísmo é um conjunto de posturas que se distingue
pela busca de interpretações e explicações <i>naturais</i> para eventos
que, entre os religiosos, são frequentemente interpretados e explicados
pelo poder e desígnio divinos, que são sobrenaturais. O ateu pode não
negar que há mistérios e eventos difíceis de ser explicados no mundo,
mas não faz disso um motivo para inventar deuses. Sob um prisma moral,
eu diria que saber conviver com a dúvida é uma virtude. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ser
ateu, enfim, é resistir ao ímpeto de criar ou invocar entidades
superpoderosas, os deuses, para explicar ou alterar os fenômenos do
mundo; em vez disso, é dar prioridade à formulação de hipóteses
naturalistas, bem como a se comportar como se as coisas não fossem
permeadas por forças mágicas ou divinamente caprichosas. O ateísmo não é
simplesmente a ausência de crenças em divindades, mas um conjunto de
crenças e posturas que fazem a diferença.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>A páscoa e o ateu</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPt1-GtjjyO92ol-xQ2fyMrzh32IEjthLv3fgw0rqRDt-Pn_I_LPEZXELk_k2bySmHEK4xc5pFiMFEAov4yilfWJrdVtJQMo8_lFUVHviJoe1FV5BJvhSu5Vftoc-QRvg0TUGEWB9J7eNt/s1600/jesus+p%C3%A1scoa+coelho.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="256" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPt1-GtjjyO92ol-xQ2fyMrzh32IEjthLv3fgw0rqRDt-Pn_I_LPEZXELk_k2bySmHEK4xc5pFiMFEAov4yilfWJrdVtJQMo8_lFUVHviJoe1FV5BJvhSu5Vftoc-QRvg0TUGEWB9J7eNt/s320/jesus+p%C3%A1scoa+coelho.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Qual é o significado da páscoa?</td></tr>
</tbody></table>
Antes
de ontem, acompanhei parte de um documentário que tratava da morte e
ressurreição de Jesus Cristo, a personificação do deus cristão. Pelo que
eu vi por lá,(2) a missão de Jesus não era apenas a de levar esperança e
prescrições comportamentais para as pessoas, mas a de livrá-las do
pecado original. Através de sua morte, Cristo teria trazido a redenção
(que só poderia ser adquirida pelo sacrifício de um ser humano
perfeito), e as pessoas que nele cressem teriam o privilégio que, no
início dos tempos, teria sido perdido no Jardim do Éden: a vida eterna.
Quando Jesus ressuscita, três dias após sua crucificação, as pessoas
não teriam por que duvidar da legitimidade de sua missão e natureza, e a
páscoa seria, então, a data mais importante do calendário cristão.
Jesus resgatou para a humanidade a possibilidade de superar a própria morte!</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A
história de Cristo é tanto bonita quanto dramática, e traz o
apelo a respeito de uma entidade poderosa e sobrenatural,
Deus, que nos ouve, nos julga e pode intervir sobre o mundo.
Geralmente, os cristãos a encaram como um relato verídico e de forma
literal, já que está bem documentada e possui mais de um autor (Mateus,
Marcos, Lucas e João). Diante disso, como é que ficam os ateus?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Anteriormente,
sugeri que os ateus, ou a maior parte dos que eu conheço, são desconfiados e intelectualmente esforçados. Se tivessem nascido em comunidades que
cultuam outras religiões, poderiam não ligar para os relatos bíblicos.
Mas este não é o caso. No contexto pascal, o ateu pode ser confrontado,
indagado e admoestado por seus amigos e familiares cristãos. Imaginando que
houvesse um clima propício para um boa conversa sobre o tema, eis o que
um ateu poderia fazer.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><b>Indagar.</b></i>
Desconfiado, algumas perguntas poderiam ser levantadas. Por exemplo:
Quem escreveu o novo testamento? Isso ocorreu ao longo, logo após ou
muito depois da morte de Jesus? Houve modificações nas escrituras desde a
primeira edição? Há evangelhos que não foram incluídos na bíblia? O
cristianismo poderia servir para fins políticos? Há elementos na
história de Cristo que se assemelham a mitos ancestrais? O que faz do cristianismo uma doutrina melhor que as demais doutrinas religiosas?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><b>Explicar e sugerir. </b></i>Se já tiver se dedicado a procurar algumas respostas àquelas perguntas, o ateu pode tentar explicar <i>por que</i>
não parece ser útil ou inteligente crer no cristianismo. Por exemplo,
pode-se lembrar do quão suscetível a mudanças são as mensagens
transmitidas oralmente, e que as pessoas que decidiram colocar a
história de Jesus no papel não foram seus contemporâneos. O argumento,
fundamentado em evidências, de que as escrituras foram alteradas ao
longo do tempo é primordial, e o palpite de que algumas dessas mudanças e
a seleção de uns ou outros evangelhos tiveram um viés político pode ser
um bom complemento. Por fim, poder-se-ia sublinhar que vários elementos
da história de Jesus parecem ter sido inspirados em mitos adjacentes ou
ancestrais, incluindo, por exemplo, aspectos do seu nascimento, de seus
milagres e de sua morte e ressurreição. Desse modo, o ateu poderia
sugerir que a história de Jesus Cristo provavelmente não condiz com
eventos que realmente aconteceram -- ou que pode, no mínimo, ter sido
muito alterada --, mas que diz, em vez disso, de uma das mais
organizadas e pomposas tentativas humanas de significar e lidar com as
dificuldades e mistérios da vida.(3)</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><b>Participar.</b></i>
A título de curiosidade, admiração ou convenção, há ateus que se
permitem participar de algumas atividades cristãs. Compreender certas
práticas e ideias religiosas pode ser importante contra o surgimento de
preconceito e intolerância, e pode ajudar o ateu a não se precipitar em
julgamentos e a formular, em contextos de discussão, objeções melhor
fundamentadas. Além do mais, há quem admire a arte, a arquitetura e os
rituais cristãos, bem como que extraia bons frutos, sem
hipocrisia, de celebrações como a páscoa e o <a href="http://pedro-sampaio.blogspot.com.br/2011/12/entao-e-natal.html#more">natal</a>.
O ateu não precisa ficar de cara amarrada para tudo quanto é coisa religiosa; dar e
receber ovos de páscoa e se reunir com os familiares pode ser algo
agradável e útil para fortalecer laços sociais. Não é necessário crer no coelho da páscoa, orar e levar a sério a ressurreição de Jesus para que se possa curtir um feriado religioso.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Considerações finais</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Definir
o que se quer dizer com "ateísmo" pode ser uma tarefa mais difícil do
que parece à primeira vista. Se nos restringimos à etimologia, podemos
ficar confusos quanto ao que significa <i>aceitar</i> ou <i>negar</i> a
existência de deuses. Por isso, torna-se fundamental fazer menção a
práticas e ideias que acompanham ou constituem certas crenças. Tal como
há variações marcantes em como as pessoas aceitam a existência de
deuses, decerto há variações no ser ateu. Sugeri alguns padrões de
conduta que são frequentes entre os ateus que eu conheço, e tentei, com
algum custo, definir em poucas palavras o que eu entendo por "ateísmo".
Não quero pensar que minhas sugestões e definição são definitivas;
espero que colegas possam me ajudar a ajustá-las ao longo do tempo. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ao
final, arrisquei-me a falar sobre a páscoa e sobre como um ateu poderia
lidar diante dessa ocasião. Devo ressaltar que aquele trecho não se
tratou de prescrições, mas de sugestões ou possibilidades
de ação que vislumbrei a partir de experiências próprias, de relatos de
alguns colegas e de leituras que fiz. Ateus não precisam se posicionar a
favor do aborto, do casamento homossexual e da abolição de crucifixos
em repartições públicas, e não precisam necessariamente ser delicados e
respeitosos para com os religiosos. Contudo, creio que a força de um
grupo pode crescer na medida em que certas posturas básicas são
incorporadas. Não estou certo sobre que posturas seriam essas, mas
desconfio que o ceticismo e o <a href="http://www.iheu.org/adamdecl.htm">humanismo</a> são bons
candidatos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<blockquote class="tr_bq" style="color: #999999;">
<div style="text-align: justify;">
Você é <b>ateu</b> — orgulhe-se daquilo em que você acredita,
e não daquilo em que você descrê. E, também, aprenda a respeitar o fato de
que as pessoas com ideias contrárias às suas não chegaram a suas
conclusões em um vácuo. Na verdade, há motivos mais profundos para elas
endossarem tão veementemente entidades sobrenaturais, e tais razões nem
sempre podem ser reduzidas à estupidez (Myers, 2011).</div>
</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Notas</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
(1)
Minha conclusão baseia-se em observações assistemáticas e restritas ao
meu contexto social (real e virtual). Pode haver o "viés do desejo" por
detrás das minhas análises, e pode ser que minhas hipóteses não condigam
com a realidade global. No entanto, acho que vale a pena
compartilhá-las e discuti-las.</div>
<br />
(2) A síntese do significado da vida de Jesus Cristo foi revista pelo meu colega Geraldo Majela. <br />
<br />
(3) Abaixo, listo leituras que me ajudaram a chegar naquelas conclusões e sugestões:<br />
<ul>
<li>Botton, A. (2011). <i>Religião para Ateus</i>. Rio de Janeiro: Intrínseca.</li>
<li>Ehrman, B. D. (2006). <i>O que Jesus Disse? O que Jesus não Disse? Quem Mudou a Bíblia e por quê</i>. Rio de Janeiro: Prestígio. </li>
<li>Kuhn, A. B. (2006). <i>Um Renascimento para o Cristianismo: Jesus: Homem ou Mito?</i> Rio de Janeiro: Nova Era.</li>
</ul>
<br />
<b>Referência</b><br />
<ul>
<li>Myers, P. Z. (2011). Why are You an Atheist? <i>Pharyngula</i>.
Disponível em:
http://scienceblogs.com/pharyngula/2011/02/why_are_you_an_atheist.php e
em http://bulevoador.com.br/2011/11/29896/.</li>
</ul>
Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-11255844136875993042012-03-27T11:00:00.001-07:002017-04-30T05:36:31.532-07:00O Eu é uma ilusão?<div style="text-align: justify;">
"Você é uma ilusão" foi a convidativa manchete de
uma revista, a <i>Galileu</i>, que eu encontrei por acaso há alguns dias
atrás. A edição é antiga, de outubro de 2002, mas o assunto
não poderia ser mais atual. A natureza e as dimensões do <i>self</i>, ou de um <i>Eu</i>
que dá luz à consciência, é um daqueles tópicos que encontram muita dificuldade em despertar
consenso na comunidade <span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span> sobretudo quando entrelaçamos ciência,
filosofia e religião. Nós existimos enquanto entidades imateriais,
independentes do corpo e espectadoras do mundo? Ou, trazendo os pés para
o chão, não passamos de uma parte especial deste Universo material?
Basicamente, o propósito daquela matéria foi propagar a boa nova de que algumas ideias
budistas sobre o <i>self</i> vêm encontrando respaldo nas ciências da
mente. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg7-tZfFHBRCnX4Bynae-2vcFF6Yqyz7_YqvhmK26Int5q5A2-ddPUGq3LPIO5_PtI0TS6DcskR-r-yaPktRANk6V4H4ASyu_T_sLF8YwPV81JoUTbHnIkpJYsbf20ZQhKPQ2WtMcBGD48X/s1600/Flying_Brain_by_Pixelnase.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg7-tZfFHBRCnX4Bynae-2vcFF6Yqyz7_YqvhmK26Int5q5A2-ddPUGq3LPIO5_PtI0TS6DcskR-r-yaPktRANk6V4H4ASyu_T_sLF8YwPV81JoUTbHnIkpJYsbf20ZQhKPQ2WtMcBGD48X/s400/Flying_Brain_by_Pixelnase.jpeg" width="400" /></a></div>
<br />
<a name='more'></a></div>
<div style="text-align: justify;">
Se
não me falha a memória, a matéria de que venho falando foi a ponte que
me levou à obra do biólogo Richard Dawkins, um dos maiores defensores do
ateísmo contemporâneo. Lá, Dawkins aparece como o criador de uma ideia que
parece vir se difundindo por todos os cantos, qual seja, a de que as
ideias variam, replicam-se e são selecionadas como os genes. Esses
replicadores foram rotulados de <i>memes</i>, podendo ser definidos como <i>unidades culturais</i> <span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span> ou <i>de imitação</i> <span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span> que competem entre si pelo espaço no cérebro das pessoas (Dawkins, 1976/2007). "Melodias, ideias, <i>slogans</i>,
modas no vestuário, as maneiras de fazer potes ou de construir arcos"
(p. 330) são exemplos de memes. Levando a metáfora aos extremos, a
psicóloga inglesa Susan Blackmore assevera, conforme consta na <i>Galileu</i>,
que a "ideia de Eu" seria o maior dos memes, e que sua função seria a
de favorecer a transmissão dos demais memes. Nossas crenças e práticas girariam em torno do Eu, e defendê-las não deixaria de ser
uma questão de sobrevivência.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Confesso que eu ainda não tenho um posicionamento definitivo sobre a <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Mem%C3%A9tica"><i>memética</i></a>. Em vista da economia conceitual e efetividade explicativa da <i>seleção por consequência</i>s <span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span> modelo que explica a origem e a evolução de espécies, do comportamento individual e das culturas <span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span>, não estou certo quanto à
utilidade de centrarmos a discussão nos replicadores (se é que ideias e
comportamentos são replicadores legítimos). De qualquer forma, a ideia
de que o Eu é uma espécie de referencial <span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span> como um centro de gravidade
em torno do qual as ideias giram, ou a partir do qual o comportamento se organiza <span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span> é indubitavelmente atraente.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A partir dessa autorreferência, cuja essência parece variar pouco ao longo do tempo, vivemos as sensações de <i>unicidade</i> e de que somos <i>proprietários</i> de coisas como identidades, porções corporais, percepções e objetos. A título de exemplo, "Daniel Gontijo" é o <i>meu</i> nome; <i>eu</i> tenho braços, pernas e olhos; a percepção da temperatura deste quarto, do barulho do ventilador e das contrações deste estômago são<i> minhas</i>; e <i>eu</i> possuo diversos livros e roupas e contas a pagar. Eu
sou o eixo de todas essas coisas, e uma porção de pessoas legitima
essas posses e essa unicidade. A cada dia que eu acordo, vivo a nítida
sensação de ser a mesma pessoa que, na noite anterior, se pôs a dormir.
Se não fosse assim, talvez não existissem a vida privada e a sociedade.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Boa
parte de nós pode ter a eventual sensação de experimentar o mundo como
um espectador, e a separação convencional entre os mundos real e
imaginário pode nos levar à ideia de que o Eu, que transita entre essas
dimensões, é uma entidade substancialmente diferenciada. Se, então,
concluímos que o Eu não é constituído como o são os objetos materiais, há uma boa chance de sermos levamos a uma <i>crença dualista</i>. Para citar um exemplo,
os espíritas acreditam que o Eu é imaterial, e isso implica que a morte
do corpo biológico, que é material, não impõe um limite à consciência.
Esse tipo de crença, que é comum a enumeráveis
religiões, já não sobrevive na mente de muitos cientistas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Um Eu material</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Se
Dawkins adubou o meu ceticismo, o neurocientista português Antônio
Damásio trouxe mais solidez à minha psicologia. De <i>O Erro de Descartes</i>
(1996) ao <i>E o Cérebro Criou o Homem</i> (2011), venho sendo conduzido a
uma apaixonante perspectiva materialista do comportamento humano. Mas em
que foi que Descartes errou, afinal? Damásio (1996) ressalta que o
maior erro do filósofo francês foi o de postular</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #999999; text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
a
separação abissal entre o corpo e a mente, entre a substância corporal,
infinitamente divisível, com volume, com dimensões e com um
funcionamento mecânico, de um lado, e a substância mental, indivisível,
sem volume, sem dimensões e intangível, de outro; a sugestão de que o
raciocínio, o juízo moral e o sofrimento adveniente da dor física ou
agitação emocional poderiam existir independentemente do corpo (p. 280).</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Daí
em diante, em <i>O Mistério da Consciência</i> (2006) e em <i>E o Cérebro
Criou o Homem</i> (2011), Damásio vem trabalhando meticulosamente em uma
simples mas poderosa hipótese, a saber, a de que <i>o Eu é essencialmente fundamentado nos estados do corpo</i>.
Mesmo que essa hipótese não seja originalmente dele, talvez não haja
quem esteja mais empenhado em demonstrar que a consciência <span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span> ou a <i>perspectiva subjetiva de existir</i> <span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span> é uma experiência
configurada pelas relações do cérebro com o mundo e, é claro, com o
resto do corpo. Alguns filósofos da mente defendem que <a href="http://filosofiadamenteecognicao.blogspot.com.br/2011/05/dor-o-quinto-sinal-vital.html">é impossível provarmos legitimamente que as demais pessoas <span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span> que não nós mesmos <span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span> têm experiências subjetivas</a>.
Apesar disso, podemos nos contentar com os sinais de que há um Eu
pulsando por detrás ou através do que observamos diretamente. Com base
nisso, Damásio (2011) propõe quatro distintas mas complementares
perspectivas de se estudar a consciência:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #999999; text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
1) a perspectiva da testemunha direta da mente consciente individual,
que é pessoal, privada e única; 2) a perspectiva comportamental, que nos
permite observar as ações indicativas de outros que supostamente também
possuem uma mente consciente; 3) a perspectiva do cérebro, que nos
permite estudar certos aspectos do funcionamento cerebral em indivíduos
cujos estados mentais conscientes presumivelmente estão ou presentes ou
ausentes [...] [e 4) a perspectiva evolucionista, em que buscamos] os antecedentes do
self e da consciência no passado evolucionário (pp. 29-30).</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgi1kHFyQ1o1K969aTziszjOmNEd3XZ9_LKxayvOHSUOrVQyk1RJZ4bsh3qQGVtI8hmC2WY5ZvsfwdQ4FHhRuNEB7p8hLgWgEHbJoNz4mBuPVRUEEG3oxmO4EuBOyWMiaAo9IgsUgvG9ETG/s1600/7308826-transparent-female-body-with-highlighted-brain.jpg" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgi1kHFyQ1o1K969aTziszjOmNEd3XZ9_LKxayvOHSUOrVQyk1RJZ4bsh3qQGVtI8hmC2WY5ZvsfwdQ4FHhRuNEB7p8hLgWgEHbJoNz4mBuPVRUEEG3oxmO4EuBOyWMiaAo9IgsUgvG9ETG/s320/7308826-transparent-female-body-with-highlighted-brain.jpg" width="240" /></a></div>
Assim, e de trás para a frente, os alicerces do Eu podem remontar a
organismos simples que passaram, ao longo da evolução, a representar
certos estados corporais em algo como um cérebro rudimentar. Para ser
mais preciso, o Eu pode ter <i>evoluído</i> como um conjunto de
processos simples que, baseados em sinais corporais, passaram a mediar
ou a moderar as respostas dos organismos. Se a sobrevivência depende da
integridade de tecidos e de níveis ótimos de concentração de certas
moléculas (por exemplo, de carboidratos, lipídios e água), o comportamento de um organismo deve ter esses parâmetros como
referenciais. Damásio (2011) especula que, na vida ancestral, "os
processos do self eram especialmente eficientes para orientar e
organizar a mente em função das necessidades homeostáticas de seus
organismos, e, com isso, aumentavam as chances de sobrevivência" (p.
226). Em harmonia com essa proposta, o neurocientista indiano Vilayanur
Ramachandran, autor de <i>Fantasmas no Cérebro</i> (2002), pontua que o senso
de Eu é útil em termos de criar um princípio organizador das ações.
Assim, antes de tal ou qual resposta ser emitida, os estados corporais,
que gravitam em torno de faixas homeostáticas, deveriam ser naturalmente
consultados. Aliás, Damásio (2006, 2011) chega a propor que a
consciência é uma espécie de extensão dos processos de regulação que
garantem a constância do meio interno, a <i>homeostase </i><span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span><i> </i>e a experiência de continuidade
e unicidade do Eu podem se derivar disso!<br />
<br />
Para não dizer que isso é especulação forçada, o
neurocientista português vem acumulando dados a respeito da perda de
consciência em, por exemplo, pacientes neurológicos, como os acometidos
por epilepsia ou coma, e em pessoas que estão dormindo ou são submetidas à
anestesia geral. Diante desses casos, vem ficando evidente que a
arquitetura do Eu se refere a mecanismos profundamente localizados no
encéfalo, e não àqueles de regiões evolutivamente modernas. Assim, se os
lobos frontais podem ser concebidos como os "órgãos da civilidade"
(Goldberg, 2002), certos núcleos do tronco encefálico (como o
parabraquial, o da matéria cinzenta periaquedutal e o do trato
solitário) parecem abrigar boa parte dos mapas neurais que sustentam o Eu. Esses circuitos estão envolvidos em processos
homeostáticos básicos (como os que regulam a respiração, os batimentos cardíacos e a atividade de glândulas e órgãos viscerais) e comunicam-se reciprocamente com o resto do corpo
através de sinalizações químicas, pelo sangue, e eletroquímicas,
por meio de neurônios. Por dedução, Damásio aposta que mamíferos,
peixes e insetos têm, em maior ou menor grau, experiências conscientes.<br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjInteTgKgCMWTyXxrEYgKXDZE13OXHAeOSy-zbhBmd4unzFGpdGqoDf-rcoZBIVwnMXo3XE9EkP_IZztYx13Cwnbo2_wIbnhhY0_TATw2vjzG2HPsP9nqo512ce0lhtUK02YkHavaiUj_1/s1600/enc%C3%A9falo1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="256" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjInteTgKgCMWTyXxrEYgKXDZE13OXHAeOSy-zbhBmd4unzFGpdGqoDf-rcoZBIVwnMXo3XE9EkP_IZztYx13Cwnbo2_wIbnhhY0_TATw2vjzG2HPsP9nqo512ce0lhtUK02YkHavaiUj_1/s320/enc%C3%A9falo1.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O tronco encefálico, no qual a maior parte dos processos do Eu reside, está destacado de verde escuro.</td></tr>
</tbody></table>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas
os circuitos e redes neurais que respondem aos estados do corpo não podem, sozinhos, abrigar
a consciência. Quando estamos conscientes, estamos conscientes <i>de alguma coisa</i>. O Eu não pode existir na ausência do não-Eu. Daí que, simultaneamente aos padrões de atividade relacionados ao corpo, ou aos <i>mapas corporais</i>,
o encéfalo deve conter mapas relacionados a objetos ou eventos do mundo
exterior (como os que respondem às variações de calor, de fótons e de partículas que
compõem o ar). A percepção de uma cadeira, de uma pedra no sapato ou de
uma nota musical, por exemplo, poderia ser neurologicamente descrita como
a <i>sincronia</i> <span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span> realizada por regiões associativas como o tálamo,
os colículos superiores e os córtices posteromediais <span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span> de processos
cerebrais relacionados ao corpo e ao mundo. Por ter o corpo
como um referencial, a consciência de qualquer objeto pode ser
entendida como <i>um sentimento de conhecer</i>.<br />
<br />
Por
falar em sensações, não posso deixar de esclarecer que, ao eleger o
corpo como o sustentáculo do Eu, Damásio está
trazendo as<i> emoções</i> para o centro do palco. Emoções são
programas de ação complexos que acontecem no corpo, "abrangendo desde
expressões faciais e posturas até mudanças nas vísceras e no meio
interno" (Damásio, 2011, p. 142). Pode-se dizer que o Eu é constituído de <i>sentimentos de emoções</i>, ou melhor, ele é a perspectiva subjetiva dos estados neurais que respondem às
variações dos estados corporais. Variações em certos estados corporais são, em
primeira pessoa, sentidas como variações em graus de dor e prazer, ou de
desconforto e bem-estar. Essas variações estão intimamente
relacionadas à forma como lidamos com o mundo <span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span> por
exemplo, se nos aproximamos ou nos afastamos de certos objetos <span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span>, e são automaticamente associadas aos objetos que as acompanham. Essas associações podem ser entendidas como <i>marcações somáticas</i>, que se referem ao fortalecimento de contingências emocionais. Por exemplo, se o meu vizinho gritar "Cruzeeeiro!", posso me sentir imediatamente entusiasmado. Presume-se que, há dias ou anos atrás, essa palavra e o contexto no qual ela é comumente emitida (em jogos de futebol, principalmente) foram marcados por emoções como diversão, orgulho e entusiasmo (como, por exemplo, quando o Cruzeiro foi campeão). Trazendo essa proposta ao campo da psicologia, a <i>hipótese dos marcadores somáticos</i> é razoavelmente equivalente ao <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Condicionamento_cl%C3%A1ssico"><i>condicionamento respondente</i></a>, um dos processos extensamente estudados pelos behavioristas.<br />
<br />
Antes de finalizar, cabe dizer algo sobre a memória. Damásio postula que o Eu, que é constituído por conjuntos de sensações emocionais <span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span> das mais estáveis às mais flutuantes <span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span>, transita por diferentes graus de complexidade. Esses graus podem variar não só de acordo com a espécie, mas também conforme a situação em que se encontra um indivíduo. Em uns momentos, sentimo-nos totalmente absortos em uma atividade, como que desconsiderando o que nos entorna, o que nos poderá acontecer ou o que nos aconteceu há algum tempo atrás. Em outros, somos tomados por lembranças que têm alguma relação com a situação atual, e podemos, com base nessas lembranças, vislumbrar o futuro e planejar certas condutas. O primeiro caso refere-se à experiência de um Eu-central, enquanto o segundo, a de um Eu-autobiográfico.(1) Este último, além de abarcar a sensação básica de conhecer <span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span> ou a de um sujeito que experiencia o mundo <span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span>, conta com elementos mnemônicos que lhe dão uma identidade e uma vivência privada mais complexas. Trata-se, por assim dizer, de uma <i>consciência ampliada</i>, sem a qual perderíamos referências temporais e autobiográficas (lembranças do que já vivemos), e por meio da qual se sustentam as maiores façanhas da humanidade. Ciência, arte, esporte, leis, religião e tecnologia eletrônica não existiriam sem que houvesse, ao mesmo tempo, o processo a que chamamos de consciência e a extraordinária suscetibilidade humana à aprendizagem.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Em
suma, o despertar e o adormecer da consciência dependem de interações
que o encéfalo estabelece com o corpo e com o mundo. A experiência de
unicidade e continuidade do Eu parece ser um reflexo de parâmetros pouco
variáveis do corpo, e variações nessa experiência são presumivelmente
acompanhadas por variações nos mapas neurais do tronco encefálico. O Eu
pode ser entendido como uma coleção dinâmica e organizada de <i>sensações emocionais</i>,
e o processo pessoal de conhecer algo, a consciência, parece ser viável
apenas na presença de sentimentos. Assim, e se a percepção de qualquer
objeto requer, em paralelo, a presença de sensações emocionais, seria um
equívoco pensar que as operações intelectuais mais complexas não
dependem das emoções. Como foi exposto em <i>O Erro de Descartes</i> (Damásio, 1996), não há
razão que sobreviva sem um bocado de emoção. As emoções mais flutuantes,
como a alegria, a raiva e o medo, complementam o senso de Eu e
influenciam decisivamente a forma como interagimos com o mundo <span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-fareast-theme-font: minor-fareast; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">–</span> quer
seja no trabalho e na escola, quer seja com as pessoas com quem convivemos.<br />
<br />
<b>O Eu é uma ilusão? </b><br />
<br />
Os processos que sustentam o Eu parecem estar
predominantemente dispostos em núcleos do tronco encefálico (mesmo que o funcionamento da ínsula e do hipotálamo seja contribuinte), e a
atividade neural, ainda que oscilatória e dinâmica, é tão real quanto o
são as nuvens, uma melodia ou o aroma de um bom café. A natureza
processual de certos fenômenos não os torna menos reais. O que parece acontecer
é que, como vivemos a sensação de unicidade, inferimos que deve haver
uma entidade indivisível e estritamente dimensionada que corresponde ao Eu. Mas "o maestro
inegavelmente existe
em nossa mente, e nada ganharíamos se o descartássemos como uma ilusão"
(Damásio, 2011, p. 40). A novidade, que é uma afronta aos dualistas, é a de que já temos evidências científicas que apoiam a tese de que o Eu está enraizado nos eventos do corpo e não é menos material que o fogo, a chuva e o vento.<br />
<br />
<br />
<b>Nota</b><br />
<br />
(1) Em sua obra, Damásio prefere chamar o Eu de <i>self</i>, e o Eu-central e o Eu-autobiográfico são então descritos como self-central e self-autobiográfico. <br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Referências</b></div>
<br />
<ul>
<li>Damásio, A. (1996). <i>O Erro de Descartes: razão, emoção e o cérebro humano</i>. São Paulo: Companhia das Letras.</li>
<li>Damásio, A. (2000). <i>O Mistério da Consciência</i>. São Paulo: Companhia das Letras.<br />
</li>
<li>Damásio, A. (2011). <i>E o Cérebro Criou o Homem</i>. São Paulo: Companhia das Letras. </li>
<li>Dawkins, R. (1976/2007). <i>O Gene Egoísta</i>. São Paulo: Companhia das Letras.</li>
<li>Goldberg, E. (2002). <i>O Cérebro Executivo</i>. Rio de Janeiro: Imago.</li>
<li>Nogueira, P. (2002). Penso, logo não Existo, <i>Galileu</i>. São Paulo, 135, outubro de 2002.<br />
</li>
<li>Ramachandran, V. (2002). <i>Fantasmas no Cérebro</i>. São Paulo: Companhia das Letras.</li>
</ul>
Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com10tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-58461406886225794812012-01-30T16:49:00.000-08:002013-02-18T11:59:38.295-08:00A Linguagem das Emoções<div style="text-align: justify;">
O que são emoções? Elas são
universais ou variam entre culturas? Quais são os
papéis das emoções? Podemos controlar o que sentimos? Podemos
identificar as emoções dos outros, mesmo quando estão tentando
camuflá-las? Essas e outras perguntas são respondidas pelo psicólogo
Paul Ekman (2011) em seu livro <i>A Linguagem das Emoções. </i>Com a proposta de atingir um público amplo, seu trabalho alterna entre dados
científicos e situações da vida diária. Ao longo do livro, o
pesquisador traz ideias, novas e recicladas, que podem modificar a forma
como leigos, clínicos e cientistas encaram o comportamento emocional.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Inicialmente, Ekman
define as emoções como processos, produzidos pelas histórias da
espécie e individual, que preparam o organismo para lidar com eventos importantes. Quando deflagradas, as emoções alteram a atividade
do cérebro, do sistema nervoso autônomo e dos músculos. As expressões emocionais figuram como recursos úteis para a comunicação. Quando presenciamos -- pela
face, postura e voz -- uma expressão emocional, temos um indício do que a
pessoa emocionada pode fazer ou do que a fez sentir uma emoção. Mas
podemos, como frequentemente acontece, estarmos redondamente enganados.
Se o choro e o medo podem resultar da culpa pelo que fizemos, podem
também ser fruto de uma acusação indefensável e injusta. Nem sempre sabemos o que motiva uma emoção, e Ekman alerta-nos sobre o perigo de cometermos o "erro de
Otelo".</div>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-dd-vaPBr16sviorUssk7DJbdZj0e5PX_g_tssr6q71BzM3nZCQACsufW-xC9V872Q-F-NLLf4OMjPMA3Yj3fWCDjLAaZgn6ZTIv13oUEDy4QfQbLRqghA84X9oJqSVeZ-WqREgoRxhl3/s1600/otelo+de+shakespeare.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-dd-vaPBr16sviorUssk7DJbdZj0e5PX_g_tssr6q71BzM3nZCQACsufW-xC9V872Q-F-NLLf4OMjPMA3Yj3fWCDjLAaZgn6ZTIv13oUEDy4QfQbLRqghA84X9oJqSVeZ-WqREgoRxhl3/s320/otelo+de+shakespeare.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Desdêmona, injustamente acusada de uma traição, temia pela morte. Otelo, cego pelo ciúme, interpretou seu temor como prova de sua culpa. </td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<a name='more'></a><br />
<div style="text-align: justify;">
As respostas emocionais -- de medo, raiva, aversão e entusiasmo, por exemplo -- são rápidas e começam sem nossa consciência, e Ekman acredita que elas sejam implementadas por <i>mecanismos automáticos de avaliação</i>, ou<i> autoavaliadores</i>. Esses mecanismos rastreariam continuamente o mundo ao nosso redor, e nos permitiriam responder rapidamente em circunstâncias relevantes. Se um leão pular na nossa frente, não decidimos nos
espantar; não pedimos ao cérebro que envie hormônios para a corrente
sanguínea, que o coração acelere e que o sangue se concentre na
musculatura dos membros inferiores. Se perdemos um ente querido, não
podemos optar entre nos entristecer ou seguir a vida como se nada
tivesse acontecido. A seleção natural forjou mecanismos que trabalham
rápida e automaticamente, isto é, independentemente do que queremos ou
decidimos. Se não fosse assim, nossos ancestrais caçadores-coletores não teriam sobrevivido. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Para abordar a questão dos aspectos filogenéticos das respostas emocionais, Ekman pesquisou o povo <i>fore</i>, que vive em aldeias esparsas em Papua-Nova Guiné. Os fore não têm (ou não tinham, em 1967) acesso a meios de comunicação como tevê e rádio, e foram raras as vezes em que uns poucos deles entraram em contato com pessoas de regiões urbanizadas. Utilizando histórias, vídeos e fotografias, ele verificou que seus voluntários <i>identificam</i> e <i>expressam</i> facialmente
a raiva, a satisfação, a aversão e a tristeza como o fazem estudantes
universitários dos Estados Unidos. Embora surpresa e medo não tenham sido claramente distinguidos pelos fore, Ekman concluiu que algumas emoções são universais, mesmo que a cultura influencie o modo
como as controlamos. Ao longo dos capítulos sobre tristeza e angústia,
raiva, surpresa e medo, aversão e desprezo e emoções agradáveis, Ekman
traz exercícios e fotografias faciais para nos ensinar a detectar os sinais emocionais típicos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjrOSQRVbVieN-LVvsLGjmM190jcMH3MssJ_NmxDvdteBhLLHfpiLQNIfntW71ECtk1GZCR3bWtSr3vEys3CuSzFWlfayExl8L6jSDilCmZfuxMpI-ZsuDIvoE7JED87lT1MEOekotcVRgr/s1600/microexpress%C3%B5es+tim+roth.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="356" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjrOSQRVbVieN-LVvsLGjmM190jcMH3MssJ_NmxDvdteBhLLHfpiLQNIfntW71ECtk1GZCR3bWtSr3vEys3CuSzFWlfayExl8L6jSDilCmZfuxMpI-ZsuDIvoE7JED87lT1MEOekotcVRgr/s400/microexpress%C3%B5es+tim+roth.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Tim Roth, do seriado <i>Lie to Me</i>, exibindo microexpressões típicas de algumas emoções: tristeza (<i>sadness</i>), desprezo (<i>contempt</i>), surpresa (<i>surprise</i>), raiva (<i>anger</i>), aversão (<i>disgust</i>) e medo (<i>fear</i>).</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Além dos aspectos topográficos das respostas emocionais, Ekman dedicou um bom espaço para discorrer sobre quando nos emocionamos. O termo <i>gatilho</i> é utilizado para dizer da situação
que controla ou induz uma resposta emocional. Quando um rato se
depara com um gato, a aparição do último é um gatilho para o medo. Se o
gatilho para uma emoção não precisa passar por aprendizagem, trata-se de
um <i>tema emocional</i>. A perda de um ente querido seria um tema para
a tristeza, e a aparição de um gato seria, para um rato, um tema para o
medo. A partir dos temas com que nascemos, ou do banco de dados
emocional que herdamos dos nossos ancestrais, vamos gradualmente
aprendendo a nos emocionar diante de novas situações. Quanto mais
próxima uma situação estiver de um tema herdado, mais fácil seria a
aprendizagem. Se, por exemplo, aprendemos a ficar atentos e a nos
desviar facilmente de um carro que invade a pista em que trafegamos,
isso deve ocorrer por termos nascido com a predisposição para nos assustar e nos
esquivar de objetos que se aproximam rapidamente de nós. É mais fácil
aprender a ter medo de animais do que de cogumelos e flores, e isso poderia ser explicado pela história da nossa espécie.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Contra os efeitos adversos dos
comportamentos emocionais, Ekman propõe alguns exercícios e passos a ser
seguidos. As emoções influenciam o que pensamos e fazemos, e isso pode,
em inúmeros contextos, gerar graves problemas. Se ficamos com raiva
fácil e frequentemente, e se essa raiva nos leva a dizer e a fazer
coisas de que nos arrependemos depois, temos bons motivos para querer controlá-la. Para tanto, devemos saber <i>em que situações</i> nos sentimos raivosos, aprender a <i>identificar os estágios iniciais</i> dessa emoção e lembrar que, quando emocionados, <i>podemos avaliar ou interpretar os eventos de forma equivocada</i>.
Com esse conhecimento em mãos, passamos prever o que sentiremos
em certas ocasiões, a ser mais atenciosos acerca do que sentimos e a
flexibilizar o que pensamos e fazemos. Se um gatilho emocional for
difícil de ser modificado, Ekman sugere que procuremos a terapia
comportamental e, como exercício complementar, a meditação.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Num dos últimos capítulos do livro, o
pesquisador trata de um problema intrigante: como podemos saber se
alguém está mentindo ou escondendo informações que nos interessam. A hesitação ao ser indagado sobre um assunto, a oscilação topográfica da voz, a duração e a assimetria das expressões faciais,
a congruência do que se diz com o que se expressa facialmente e
as microexpressões do rosto, dificilmente captadas por quem não é
treinado no assunto, podem colocar em questão a veracidade do que está
sendo dito. Mesmo com tantos sinais a serem observados, Ekman ressalta
que a detecção de mentiras é um trabalho árduo e que não há uma fórmula
mágica e fiel para identificarmos um mentiroso.
Como dito anteriormente, um mesmo sinal pode ser gerado por diferentes situações e pode ter diferentes significados. (Veja abaixo a propaganda da série <i>Lie to Me</i>, que passa na Fox e é inspirada nos estudos do pesquisador.)</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: center;">
<iframe allowfullscreen="" frameborder="0" height="315" src="http://www.youtube.com/embed/A6h3qgSqjHY?rel=0" width="420"></iframe></div>
<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Paul Ekman lança mão de termos úteis para tratar do problema das emoções, como "gatilho", "tema" e "autoavaliadores", mas há momentos em que suas definições parecem se confundir ou são pouco claras. Sobre os autoavaliadores, o autor supõe que esses mecanismos automáticos atuam de forma ativa, <i>buscando</i> ou <i>procurando</i> por eventos que podem ter algum valor conforme um banco de dados emocionais. O mais provável de ocorrer, entretanto, é que esses mecanismos <i>respondam</i> a certas situações a que um indivíduo é exposto, e que o ato de avaliar compreenda ou envolva as emoções. Afinal, como um mecanismo pode "julgar" que uma situação é boa ou favorável à sobrevivência <i>sem levar em conta um aspecto emocional</i>? A literatura atual mostra que valoramos as situações <i>a partir das emoções</i>
(por exemplo, Damásio, 2011); portanto, não haveria uma avaliação prévia e independente que, posteriormente, desencadearia emoções:
estas parecem <i>fazer parte</i> de uma avaliação. No mais, Ekman poderia ter dedicado mais caracteres para falar dos processos envolvidos na aquisição dos gatilhos emocionais. O autor descreve de forma
razoável a maneira como nos emocionamos, mas diz pouco sobre como aprendemos, ao longo da vida, a nos emocionar.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>A Linguagem das Emoções</i> é um livro que pode, de inúmeras
maneiras, ser útil para o grande público -- de clínicos e leigos a agentes secretos. Paul Ekman consegue, com clareza e estilo, lançar luz sobre um dos temas mais elementares do campo das ciências humanas. O referido livro é indispensável
para os teóricos das emoções e, ao mesmo tempo, para quem quer
aprimorar suas habilidades de identificação e controle emocionais.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Referências</b></div>
<br />
<ul>
<li>Damásio, A. (2011). <i>E o Cérebro Criou o Homem</i>. São Paulo: Companhia das Letras.</li>
<li>Ekman, P. (2011). <i>A Linguagem das Emoções</i>. São Paulo: Lua de Papel.</li>
</ul>
Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-14916933688762057722011-11-23T16:39:00.001-08:002013-02-18T12:12:13.718-08:00Quando o ateu orou<div style="text-align: justify;">
<br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj10sfSEOG77j5h_Ro6oGhoa0l3pTtaf1olQV5dMGUsNuv8lV3I4IQ8TEerqWDi2OQbnr9yXdsB85P0-kRq_blYi34OiQ21LqzMnVB8kxEVSAM31KqHCJN1tiA3SeJ-VGgZaYLKIOgfua4Z/s1600/ora%25C3%25A7%25C3%25A3o2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj10sfSEOG77j5h_Ro6oGhoa0l3pTtaf1olQV5dMGUsNuv8lV3I4IQ8TEerqWDi2OQbnr9yXdsB85P0-kRq_blYi34OiQ21LqzMnVB8kxEVSAM31KqHCJN1tiA3SeJ-VGgZaYLKIOgfua4Z/s320/ora%25C3%25A7%25C3%25A3o2.jpg" width="316" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><br /></td></tr>
</tbody></table>
No decorrer de uma festa, Amanda e eu discutíamos religião. Como acontece quando o assunto é futebol ou política, ninguém queria dar o braço a torcer. Em um momento propício, contudo, decidi fazer uma revelação: “Depois que me tornei ateu, e isso deve fazer uns cinco ou seis anos, houve um momento singular em que me pus a orar. Eram dias difíceis, cheios de tristeza, angústia e desesperança. Não imaginei nada ou ninguém a recorrer… a não ser Deus.” Ao ouvir isso, Amanda imediatamente esbravejou: “É só o negócio apertar, e então vocês mudam prontamente de ideia! No fundo, no fundo, os ateus crêem em Deus!”.<br />
<br />
Tal como acontece com os traços de personalidade e a inteligência, o que
nos define ateus, agnósticos ou religiosos é essencialmente a
frequência com que nos comportamos de formas tais ou quais. Essa
frequência pode oscilar à medida que variam as condições que as mantém, e
uma variação razoavelmente aguda ou estável pode, com efeito, fazer com
que religiosos e ateus virem temporariamente ao avesso. Nos parágrafos
seguintes, tentarei brevemente desenvolver a justificativa que dei à
minha colega naquela ocasião.<br />
<b></b><br />
<a name='more'></a><b>Dos rótulos</b></div>
<b></b><br />
<div style="text-align: justify;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: justify;">
Se Fernanda é frequentemente delicada, simpática e cuidadosa com as palavras, passo a chamá-la <i>amável</i> ou <i>sociável</i>. Se Paulo é regularmente ansioso, impulsivo e emocionalmente instável, poderia chamá-lo <i>neurótico</i>. “Falar com clareza e fluidez”, “raciocinar com lógica”, “identificar relações entre ideias” e “dominar uma área do conhecimento” são alguns comportamentos que definem uma pessoa <i>inteligente</i> (Colom, 2006). “Amabilidade”, “neuroticismo”, “responsabilidade”, “abertura” e “extroversão” são os cinco grandes fatores da personalidade, então avaliados e estudados, ao lado da inteligência, pela psicologia diferencial.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
Em um <a href="http://danielgontijo.blogspot.com/2011/11/inteligencia-capacidade-de-ser-feliz.html#more">texto</a> que escrevi recentemente, discuti a importância de se chamar inteligentes certas classes de comportamento. Na psicologia, o uso dos rótulos serve comumente para amarrar um conjunto de comportamentos que compartilham certos atributos. Mas há algo além. Se contam-me que Raquel, a palestrante que conhecerei mais tarde, é rigorosa e antipática, passo a ter uma noção razoável do que esperar dela. Diante dessa expectativa, prepararei uma forma adequada de abordá-la, na saída, para falar de um projeto de pesquisa. Uma aproximação alternativa, ou menos meticulosa, poderia ser elaborada caso contassem-me que a palestrante é aberta e agradável. Daí que os rótulos, de forma geral, estão ligados a certas expectativas sobre pessoas, doenças ("Estou atendendo um paciente com <i>transtorno obsessivo-compulsivo</i>"), carros ("Cara, estou pensando em comprar um <i>conversível</i>"), torcidas de futebol ("Os atleticanos são <i>fanáticos</i>") e tudo o mais.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgkyxYWUTkwSblWoAu3J_p-fGvfWpS2OJQRfFixwziCXQEPpW5vHJRKz-KOzWLkvz-FnmNGIYj9NPeTpQU5yK8giWiWUFJAh_5QWHi4Kxuc-h8iBhCXBmD4ACPKxHND1hfEPBTziVFT40EJ/s1600/Cruzeiro-Esporte-Clube-2.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="150" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgkyxYWUTkwSblWoAu3J_p-fGvfWpS2OJQRfFixwziCXQEPpW5vHJRKz-KOzWLkvz-FnmNGIYj9NPeTpQU5yK8giWiWUFJAh_5QWHi4Kxuc-h8iBhCXBmD4ACPKxHND1hfEPBTziVFT40EJ/s200/Cruzeiro-Esporte-Clube-2.jpg" width="200" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
Há alguns dias atrás, contei a um amigo atleticano que eu não tenho acompanhado os jogos do Cruzeiro. Disso decorreu o julgamento de que eu não sou, de fato, cruzeirense. A regra seria: "Torcedor de verdade está com o time tanto nos momentos bons como nos ruins". Eu imagino que, e não só em casos como esse, a questão está em quem formula e divulga a regra. O fanático desportivo, ao comparar o amigo consigo mesmo, poderia julgá-lo como um "torcedor de fachada". No entanto, penso que seja mais apropriado tratarmos a questão em termos de <i>nível</i> e/ou <i>contexto</i> em vez de <i>tudo ou nada</i> ou <i>oito ou oitenta</i>. Isso está de acordo com o fato de que, mesmo não acompanhando o time celeste, meu coração dispara e meus ouvidos tentam captar a mensagem contida em cada grito e buzina que rasgam o céu belo-horizontino em dias de jogo (como aconteceu hoje). Posso não ser apaixonado por futebol, mas a vitória ou a derrota do Cruzeiro conta, ao menos um pouquinho, no balanço do meu humor.<br />
<br />
<b>Níveis e frequências</b><br />
<br />
Tal como o torcedor de futebol — cuja audiência televisiva e a força dos gritos podem ser função do lugar em que seu time está na tabela — e o neurótico — cuja preocupação e ansiedade aumentam à medida que se aproxima o dia do exame —, o nível com que uma pessoa é religiosa pode variar conforme as circunstâncias. Se estamos tristes ou felizes, abastados ou miseráveis, saudáveis ou enfermos, seguros ou inseguros — tudo isso é variável que afeta, em alguma medida, o quanto somos, ou melhor, o quanto "estamos religiosos". Experiências de quase morte (EQMs) e curas ou acontecimentos improváveis podem elevar a fé (Mobbs & Watt, 2011). Em um estudo recente, Shenhav e cols. (2011) demonstraram que a exposição prévia a atividades que incitam a intuição ou a reflexão faz variar o nível em que uma pessoa se julga religiosa.<br />
<br />
O religioso pode ser avaliado com base na força com que crê e na frequência com que engaja em atividades religiosas. Em um de seus estudos, Nyborg (2009) classificou os religiosos como "dogmáticos" ou "liberais", sendo estes últimos mais flexíveis quanto à interpretação das escrituras bíblicas, menos comprometidos com a doutrina e mais críticos. A crença em Deus pode ser avaliada por escalas de auto-relato, podendo seus itens ir desde "Eu não acredito em Deus" e "Eu não sei se há um Deus e eu não acredito que haja uma forma de descobrir" até "Quando tenho dúvidas ou estou angustiado, eu sinto que acredito em Deus" e "Eu sei que Deus existe e não tenho dúvidas a respeito disso" (Kanazawa, 2010). Pode-se, ainda, avaliar as atividades relacionadas à religiosidade, como quando é requerido a alguém que descreva com que frequência vai à igreja, com que faz orações e com que lê a bíblia ou materiais religiosos (Koenig, Magoe & Iacono, 2008). Há, como vemos, muitas formas de se avaliar o nível de religiosidade de uma pessoa.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Dadas as condições necessárias, Anselmo, um jovem simpático e amável, pode se irritar, gritar e até mesmo agredir um colega; contudo, permanecerá tranquilo, sociável e ameno por cerca de, digamos, 90% de todo um ano. Consequentemente, a frequência e a intensidade com que esse jovem emite certos comportamentos fazem valer seus adjetivos. No meu entendimento, o mesmo se aplica a religiosos, agnósticos e ateus. Não duvido que haja ateus que, quando no fundo do poço, firmam o peito e caminham, mesmo que tremulamente, com as próprias pernas — e podem até ser a maioria! Mas uma parte do grupo há de ceder; e outra, um tanto maior, deve lançar um "Será?", mesmo que por alguns segundos, no contexto de certas situações inusitadas (como ao se deparar com coincidências estranhas), atípicas e adversas — um "Será?" que deve render, após passado o pente fino do ceticismo, um riso sutil de quem quase se deixou enganar. A questão é: isso quer dizer que os ateus são, <i>no fundo</i>, teístas? A resposta: é improvável haver religioso que, conversando com seus botões, nunca tenha questionado sua fé. Da mesma forma que isso não significa que as pessoas religiosas são, no fundo, atéias, o mesmo vale para o grupo posicionado no outro extremo.<br />
<br />
Talvez não possamos colocar crença e descrença nas pontas de um mesmo <i>continuum</i>, mas o tipo de interpretação (religiosa ou naturalista) que damos a certas situações — ou à vida — parece poder variar em frequência e intensidade. Se frequentemente atribuímos a conquistas, coincidências, ocorrências improváveis e experiências fantásticas o dedo de Deus, somos chamados religiosos. Se frequentemente procuramos explicá-las naturalisticamente ou, quando necessário, as guardamos no berço da dúvida e resistimos a explicações mágicas ou improváveis, somos chamados céticos. Mas o religioso, além de não interpretar todo e qualquer acontecimento à luz de sua doutrina, pode também duvidar e, para várias questões, abraçar o conhecimento científico; e o ateu pode, em ocasiões atípicas, levantar o "Será?" ou mesmo, e virando ao avesso, recorrer a divindades. O ponto é que não existe um núcleo ou uma essência da crença ou da personalidade, ou algo elementar e verdadeiro que sempre esteve escondido, quiçá por mecanismos inconscientes, e que pode ser trazido do fundo à superfície em momentos especiais. O que acontece é que nos comportamos regularmente de uma forma em detrimento de outra, então incompatível, e isso nos faz ateus, agnósticos ou religiosos — ainda que circunstâncias atípicas possam suscitar sensações, pensamentos e práticas atípicos.<br />
<br />
<b>E então, Daniel?</b><br />
<br />
Imaginemos que o simpático Paulo, após a festa em que brigou com o colega que dançara com sua namorada, repensou sua conduta, fez uma ligação e pediu perdão. A partir daí, passou a compreender e, com a ajuda de seu terapeuta, controlar seu ciúme. Como resultado, não mais se comportou daquela forma em situações similares. A insegurança, a raiva e a agressão foram substituídas por, digamos, empatia, autoestima e divertimento.<br />
<br />
Como ocorreu com Paulo, tive a chance de rever minha breve conversa com Deus e de criar formas alternativas, assaz mais eficazes, de lidar com aquele tipo de adversidade. Tal como podemos perder o filtro da razão em certas circunstâncias — como quando Kaká agrediu um jogador da Costa do Marfim na última Copa do Mundo —, podemos deixar cair o pente fino do ceticismo em momentos de espanto ou desamparo. Mas não façamos disso motivo de vergonha. A maioria de nós foi, desde a tenra infância, incentivada a descrever ou interpretar o mundo de forma mágica ou supersticiosa. Uns quilos de livros científicos e de filosofia e o acúmulo de experiências que modelam o ceticismo podem não ser o suficiente para nos prevenir contra <i>todas</i> as situações imagináveis. O conjunto de comportamentos que define o ser cético vai se adaptando gradativamente às circunstâncias, e ocasionalmente precisa enfrentar, com rivalidade, formas rudimentares de comportamento que foram outrora adquiridas (como o pedir socorro a divindades em certos reveses). E o resultado disso é que, se permeia <i>com vigor e frequência</i> a esfera religiosa, o rótulo ateísta vem a calhar.<br />
<br />
A variação da força e da frequência do comportamento mostra-nos que a inteligência, a personalidade, a torcida desportiva e a crença religiosa não são coisas estáveis, imutáveis ou invariáveis. A propósito, tratá-los como <i>coisa</i> não é apropriado. Mais uma vez, esses termos amarram comportamentos que possuem certas características em comum e, assim, fazem-nos ter certas expectativas sobre as pessoas. Mas o que esperar de um ateu, afinal? Mais do que uma pessoa que frequentemente nega a existência de Deus, o ateísmo está ligado a "uma atitude científica que valoriza a evidência e a razão, que rejeita afirmações baseadas somente em autoridade, e que encoraja uma exploração mais profunda do mundo" (<a href="http://bulevoador.haaan.com/2011/11/29896/">Myers, 2011</a>). No entanto, e tal como Ronaldo, o Fenômeno, não perdeu seu trono por ter vez ou outra errado gols que até a vovó Mafalda faria, uma pessoa não deixa de ser atéia por ter, em um momento raro, escorregado no gramado molhado. Se assim fosse, padres, papas e até mesmo Jesus Cristo, se tiver de fato existido, provavelmente seriam ou foram, no fundo, ateus mal-resolvidos. O que está em questão, portanto, é se estamos dispostos a rever o <i>replay</i> dos escorregões e a aprender formas mais adequadas de lidar com as condições atípicas da grama — como ao concluir que já é hora de trocar definitivamente as chuteiras.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
<br />
<b>Referências</b><br />
<br />
<ul>
<li> Colom, R. (2006) O que é inteligência? Em Flores-Mendoza, C., & Colom, R. <i>Introdução à psicologia das diferenças individuais</i>. Porto Alegre: Artmed.</li>
<li> Kanazawa, S. (2010). Why Liberals and Atheists Are More Intelligent. <i>Social Psychology Quarterly, 73</i>(1), 33-57. </li>
<li> Koenig, L. B., McGue, M., Krueger, R. F., & Bouchard, T. J. (2005). Genetic and environmental influences on religiousness: findings for retrospective and current religiousness ratings. <i>Journal of personality, 73</i>(2), 471-88. </li>
<li> Mobbs, D., & Watt, C. (2011). There is nothing paranormal about near-death experiences: how neuroscience can explain seeing bright lights, meeting the dead, or being convinced your are one of them. <i>Trends in Cognitive Sciences, 15</i>(10), 447-449. </li>
<li> Nyborg, H. (2009). The intelligence–religiosity nexus: A representative study of white adolescent Americans. <i>Intelligence, 37</i>(1), 81-93. </li>
<li> Shenhav, A., Rand, D. G., & Greene, J. D. (2011). Divine intuition: Cognitive style influences belief in God. <i>Journal of experimental psychology.</i> </li>
</ul>
</div>
Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com10tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-49424147177356297002011-11-05T11:45:00.000-07:002013-02-18T12:12:37.100-08:00Inteligência: capacidade de ser feliz?<div style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEik2KLkhzIQko3t407X-Fyh_NRVKohsU5audy4Qnbfi29Gw5LtRE_S6RiXnTaY6ox5KVWawvD3bOIEt6DqYQfvpUdusiOV2AZ5XyoWaghnxGaiYTnRZySZkw-1Sz_vu6qeOB4vENBKZpC1N/s1600/felicidade.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="150" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEik2KLkhzIQko3t407X-Fyh_NRVKohsU5audy4Qnbfi29Gw5LtRE_S6RiXnTaY6ox5KVWawvD3bOIEt6DqYQfvpUdusiOV2AZ5XyoWaghnxGaiYTnRZySZkw-1Sz_vu6qeOB4vENBKZpC1N/s200/felicidade.jpg" width="200" /></a></div>
Parece haver um consenso de que <i>inteligência</i>
é um dos construtos mais polêmicos da psicologia. Mas é também um dos
mais caros, sendo eventualmente considerado como a dimensão psicológica
mais estudada e estabelecida (Flores-Mendoza, 2010). No entanto, se uma
miríade de estudos concebe <i>status</i> especial à sua medida, então calculada e nomeada <a href="http://danielgontijo.blogspot.com/2010/11/medidas-da-inteligencia.html">enquanto fator <i>g</i> ou como QI</a><i>, </i>outros tantos levantam uma série de críticas. A mais popular delas é a de que não existe <i>a</i> inteligência, mas <i>as</i> inteligências, sendo Daniel Goleman comum e prontamente lembrado por cunhar o termo <i>inteligência emocional</i>. Howard Gardner, um pouco menos modesto, levanta a bandeira das <i>inteligências múltiplas</i>,
e o faz ao postular que cada habilidade específica, como os raciocínios
numérico, espacial e interpessoal, referem-se a inteligências
autônomas, isoladas. Tendo outrora exposto <a href="http://danielgontijo.blogspot.com/2010/09/em-busca-da-inteligencia.html">uma alternativa a esse tipo de tese</a>, quero agora desenvolver algumas considerações sobre uma proposição curiosa: a de que a definição de inteligência deve estar vinculada
à <b>capacidade de ser feliz</b>.</div>
<div style="text-align: justify;">
<b></b><br />
<a name='more'></a><b><br />O que é i</b><b>nteligência</b><b>?</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Em <a href="http://danielgontijo.blogspot.com/2010/09/em-busca-da-inteligencia.html">um texto</a>
que publiquei há pouco mais de um ano, comentei que a comunidade
científica, tal como concluído por Colom (2006), define inteligência
como a capacidade de aprendizagem, raciocínio e resolução de problemas. E
descrevi, ainda, os seguintes pontos:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<ul style="text-align: justify;">
<li>As pessoas diferem em sua capacidade geral para raciocinar, resolver problemas e aprender;</li>
</ul>
<ul style="text-align: justify;">
<li>Essa capacidade pode ser medida por meio de testes padronizados;</li>
</ul>
<ul style="text-align: justify;">
<li>As diferenças dessa capacidade devem-se à influência conjunta de diferenças genéticas e ambientais.</li>
</ul>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O primeiro ponto merece ser discutido.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Alguém
poderia indagar, por exemplo, de que tipo de aprendizagem, raciocínio e
resolução de problemas estamos tratando. Gardner e Goleman diriam que a
forma como uma pessoa resolve conflitos interpessoais deveria ser
avaliada e agregada a uma concepção de inteligência. Não podemos negar
que a interação com outras pessoas é <i>aprendida</i>, envolve<i> raciocínio</i> e pode ser vista como <i>um problema a ser solucionado</i>. Dessa forma, não teríamos por que comprar briga com a tese das inteligências múltiplas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Alternativamente,
um estudo conduzido por Sternberg (1981), então descrito por Colom
(2006), parece ajudar a restringir o conceito. Quando indagadas sobre
que comportamentos caracterizam uma pessoa inteligente, leigos
apontaram "falar com clareza e fluidez", "raciocinar com lógica", "
identificar
relações entre ideias", "ver todas as variantes de um problema", "ser
um
bom conversador", "dominar uma determinada área do conhecimento",
"manter a mente aberta" e "interessar-se pelas coisas do mundo em
geral". Nessa lista, e com exceção de "ser um bom conversador", não há
traços exclusiva ou predominantemente emitidos em situações
interpessoais. Notamos, ademais, que aqueles traços não guardam relação
íntima com as emoções. Em contraste, se fosse solicitado às pessoas
apontar que características definem <i>como alguém é</i>, por certo ouviríamos
"extrovertido", "responsável", "amável", "relaxado" e "aberto" -- com
algumas variações e ao lado de seus antônimos.(1) Embora os adjetivos
"inteligente" e "bonito" possam surgir, contarão pouco para a
configuração do construto que chamamos <i>personalidade</i>. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ao escrever o capítulo <i>O que é inteligência?</i>,
Roberto Colom (2006) quis ressaltar que leigos e cientistas possuem uma
noção significativamente próxima do que são comportamentos
inteligentes. Há uma divisão nítida e consistente, embora possa haver
sutis sobreposições, entre os traços de inteligência e os traços de
personalidade. E leigos, psicoterapeutas, cientistas, órgãos públicos e
empresários estão, de forma geral, notavelmente interessados em
classificações e avaliações comportamentais. </div>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilsh9lxanY69A11Oo5iFefJeqQkdAyYt3PCj4PGV14JVWJ6kIRs9YKtNzBTQZmMCWT2qt8k3wcPvrqFLuYZqsKvcbmFHcwi3Y22zSGfqkUuD1OyWUHascM2Hwmh8y-FZN1-T91ubZ-Exxx/s1600/intelig%25C3%25AAncia+e+personalidade.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="162" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilsh9lxanY69A11Oo5iFefJeqQkdAyYt3PCj4PGV14JVWJ6kIRs9YKtNzBTQZmMCWT2qt8k3wcPvrqFLuYZqsKvcbmFHcwi3Y22zSGfqkUuD1OyWUHascM2Hwmh8y-FZN1-T91ubZ-Exxx/s200/intelig%25C3%25AAncia+e+personalidade.jpg" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Inteligência é uma coisa; personalidade, outra.</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Se podemos dizer que a psicologia é a ciência do comportamento, é
inevitável querermos classificar comportamentos. Organizar coisas ou
eventos em categorias ou classes é um comportamento deveras comum e assaz prático, funcional, sendo emitido tanto por
pesquisadores como pelos leigos. Um punhado de comportamentos restringe o
que é ser extrovertido; outro, responsável; e outro, amável. Os
pesquisadores adotam certos critérios, como o <i>psicoléxico</i>, para
enxugar ou reduzir uma diversidade exaustiva de traços em um número com o
qual possam trabalhar; e procuram agrupar esses traços em conjuntos, então
relacionados por características comuns, e dá-los nomes. <i>Personalidade</i> e <i>inteligência</i> são frutos dessa <b>economia conceitual</b>.</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Em seu artigo "A psicologia pode ser uma ciência da mente?", Skinner (1990) assevera que</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #999999; text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
a
inteligência [...] é claramente uma inferência a partir de amostras de
comportamento em testes de inteligência, e uma análise de diferentes
tipos de inteligência é uma análise de diferentes tipos de
comportamento. </blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Skinner critica a concepção, popular e acadêmica, de conceber inteligência como uma <b>coisa </b>ou<b> </b>uma<b> entidade inferida</b> (um construto) que estaria <b>dentro do indivíduo</b>.
Alternativamente, e em conformidade com o pai do behaviorismo radical, o
filósofo Gilbert Ryle (1949/1980) propõe que "os desempenhos
inteligentes abertos [ou diretamente observáveis] não são um vestígio do
trabalho das mentes": <i>eles são esse trabalho</i>. Não importa que o
raciocínio seja um comportamento privado, estando portanto distante do
olhar atento e sistemático do pesquisador; importa que as atividades
mentais, enquanto ocorrências, eventos ou respostas contextualizadas,
fazem parte de uma <b>cadeia comportamental</b> que pode ser, sobretudo
por respostas motoras (como o escrever) e fonoarticulatórias (ou
verbais), avaliadas -- essas respostas (como quando escolhemos uma
figura complexa em detrimento de outras, respondemos à pergunta "Quem
foi Santos Dumont?" e resolvemos cálculos matemáticos) podem ser
observadas, quantificadas e classificadas conforme os parâmetros de uma
população.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
As
respostas contingentes a um teste de inteligência, como somar, abstrair
e definir palavras, são previamente especificadas: os pesquisadores,
com base em dados, teorias e conceitos, definem que tipos de
comportamentos serão avaliados. Desconfio com veemência que
comportamentos ditos inteligentes sejam definidos em razão das funções
que comumente cumprem -- ou das consequências que geram em certas
circunstâncias. Se são notáveis as consequências de se conviver com uma
pessoa extrovertida, irresponsável e ansiosa, decerto há motivos por que
notamos e chamamos de inteligentes certas classes comportamentais -- ou
a diferença com que alunos aprendem, com que colegas jogam e com que
funcionários trabalham, por exemplo, passaria despercebida.</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Sim:
inteligência pode ser vista como a capacidade para aprender, raciocinar
e resolver problemas. Talvez até possamos, como sugeriu o cientista
cognitivista Steven Pinker (1999), tratá-la enxutamente como a <i>capacidade de conquistar objetivos em face de obstáculos</i>. Contudo, se não especificarmos os obstáculos e os objetivos, <i>tudo</i>
se transforma em amostras ou tipos de inteligência: o jogar futebol, o
cozinhar e o varrer, o se relacionar romanticamente e o dirigir
automóveis. No entanto, e se a tese das inteligências múltiplas
vencer,(2) os<i> cogno-proficientes</i> continuarão a ser videntes em
terra de míopes. Caso a definição tradicional de inteligência seja
dissolvida, as pessoas que falam com clareza e fluidez, raciocinam com
lógica e interessam-se pelas coisas do mundo em
geral <i>provavelmente permanecerão notáveis</i>. Por conseguinte, esse conjunto de habilidades receberá um nome especial, a <i>cogno-proficiência</i>,
que então seria, em razão de interesses clínicos, educacionais,
empresariais e governamentais, alvo de inúmeros instrumentos de
avaliação e de intervenções. </div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
A supervalorização e o trato científico das condutas inteligentes foram provavelmente
fomentados pela revolução industrial. Comportamentos como ler e
compreender textos, calcular, raciocinar abstratamente, ser rápido no
gatilho e se especializar em certas áreas do conhecimento são
pré-requisitos para se conseguir empregos satisfatórios. A exigência cumulativa por currículos melhores promoveu o <a href="http://danielgontijo.blogspot.com/2010/11/efeito-flynn-multiplicacao-social-da.html">efeito Flynn</a>,
ou o aumento da inteligência ao longo do século passado. Não posso
dizer se as pessoas vêm sendo cada vez mais felizes, mas é indubitável
que vêm ficando mais inteligentes.</div>
<br />
<b>Inteligência e felicidade </b><br />
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O
psicólogo e mestre em filosofia Daniel Grandinetti, meu xará, publicou
em seu blogue uma tese inovadora: a de que a felicidade deveria
ser incluída na definição do que é ser inteligente. Em seu texto <a href="http://nogabinetedopsicologo.blogspot.com/2011/10/o-que-e-inteligencia-e-qual-sua-relacao.html#comments">"O que é a inteligência e qual sua relação com a felicidade"</a>,
Grandinetti comenta acertadamente que "desde cedo aprendemos a chamar
de 'inteligentes' aquelas pessoas que
aprendem com facilidade e se saem bem na escola, ou simplesmente aquelas
que são eruditas e sabem falar de tudo um pouco". Nesse momento,
ressalta-se o aspecto funcional do uso de qualquer rótulo, termo ou
adjetivo pessoal: classificar ou identificar pessoas conforme a <i>regularidade</i> e a <i>frequência</i>
com que se comportam de tal ou qual maneira. No entanto, meu colega
procura alertar que a definição tradicional de inteligência,
razoavelmente similar à que apresentei anteriormente, remete ao
funcionamento de um computador ou um robô, e não ao de um ser humano.
Vejamos:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #999999;">Se estas definições se mostram insuficientes para caracterizar a inteligência </span><i style="color: #999999;">humana</i><span style="color: #999999;">, nem por isso devemos propor uma diferente. Talvez, o correto seja exatamente procurar a </span><i style="color: #999999;">dimensão </i><span style="color: #999999;">humana que está faltando a estas definições e [...] </span><i style="color: #999999;">acrescentá-la</i><span style="color: #999999;">. [...] A dimensão humana faltosa nas definições clássicas de inteligência não pode ser senão uma </span><i style="color: #999999;">finalidade</i><span style="color: #999999;"> que não estaria ao alcance das máquinas; uma finalidade </span><i style="color: #999999;">humana</i><span style="color: #999999;">,
ou, para não excluirmos levianamente os animais, uma finalidade cuja
realização esteja restrita aos seres vivos. Segundo Aristóteles, a </span><i style="color: #999999;">felicidade </i><span style="color: #999999;">é o bem supremo buscado por todos os homens (Grandinetti, 2011).</span></div>
</blockquote>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<div style="color: black;">
Aproveitando a definição de Pinker, interpreto que Grandinetti está propondo que inteligência é a <i>capacidade de ser feliz em face de obstáculos</i>.
Com base no filósofo Epicuro, meu colega comenta que "o homem feliz é
aquele que se habitua às coisas simples", e não aquele que se entrega
aos excessos -- uma suposta forma de "apaziguar o desejo por aquilo que
não temos e o medo de perdermos o que já possuímos". O bem-estar do
corpo e a serenidade do espírito, ou a felicidade, seriam a medida que
define se um "conjunto de capacidades e habilidades representa de fato
um alto QI". Ao final, conclui-se que um novo grupo de pessoas,
ou os que vivem felizes por seguirem as recomendações epicuristas,
comporia a classe dos inteligentemente superiores. </div>
<br />
Em sua exposição,
Grandinetti deve ser reconhecido por levantar um ponto que é às vezes
omitido pelos pesquisadores em psicologia: o critério da <b>finalidade</b> ou das <b>circunstâncias funcionais</b> de um comportamento. Todavia, não vislumbro um prognóstico animador para a sua tese. Passo a me justificar:<br />
<span style="color: white;">.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<ul style="text-align: justify;">
<li>Redefinir
inteligência não fará que com que leigos, empresários, educadores,
psicólogos e órgãos governamentais deixem de se interessar por aqueles
comportamentos notáveis que, ao menos atualmente, são denominados
inteligentes;</li>
<li>As classes comportamentais que compõem o
"habituar às coisas simples" são ou podem ser, em grande parte,
definidas como <i>traços de personalidade</i>;(3)</li>
<li>Na sociedade
atual, imagino que os comportamentos preconizados por Epicuro não são
notáveis, ou suficientemente valorizados, de tal forma que possam ter
força para alavancar patentes mudanças conceituais;<br /> </li>
<li>Deve haver uma variedade exorbitante de comportamentos que contribuem para o quanto somos felizes, e não seria prático ou útil definirmos todos como inteligentes;<br /> </li>
<li>Aparentemente,
felicidade é um conceito de difícil operacionalização, e isso implica
em complicações na empreitada de se avaliar o grau em que uma pessoa é
inteligente. </li>
</ul>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Em
conclusão, não vejo por que adotar a definição de inteligência proposta
por Grandinetti. Para aqueles que, mesmo sob condições adversas,
batalham e conquistam seus objetivos, reservemos os termos <i>perseverantes </i>e <i>resilientes</i>; àqueles que não se entregam aos excessos e que agem de forma a assegurar consequências futuras, postergadas, <i>responsáveis</i>; e àqueles que estão frequentemente sorrindo e se sentem satisfeitos com a vida, <i>felizes</i>. Mesmo diante da saudável dúvida de se a felicidade é de fato a finalidade última de toda ação humana, há uma diversidade enumerável de subojetivos ou finalidades intermediárias
que interferem na definição de classes comportamentais conspícuas.
Desejaremos, como hoje o fazemos, classificar e avaliar esses comportamentos. Naquele mundo anteriormente hipotetizado, o grupo dos <i>cogno-proficientes</i> continuaria, mesmo que menos felizes, ou melhor, <i>menos inteligentes</i>, se destacando por suas façanhas.
E a respeito das máquinas e dos robôs, não importa que não sejam humanos ou
que não tenham emoções; importa que sejam, por fazerem o que fazem, inteligentes... ou que alcancem certos objetivos especificados -- os quais, a propósito, têm íntima relação com o bem-estar humano!<br />
<br />
<b>Mais algumas palavras</b> <br />
<br />
Talvez a maior dificuldade em se encontrar uma concepção precisa de
inteligência derive da tendência que temos de tratá-la como uma <i>coisa</i>.
Tal como o <i>self</i>, a personalidade e a consciência, a inteligência não deve
ser vista como uma entidade concreta e passível de ser
localizada pela lente do cientista; deve, antes, ser concebida como uma
ocorrência ou um
conjunto de respostas ou eventos que guardam, topográfica e/ou funcionalmente, características em
comum.<br />
<br />
Nos dias de hoje, parte dos problemas cuja resolução é notável estão impregnados de <b>símbolos</b>. A velocidade e a qualidade com que se fala, com que se pensa e se identifica
relações entre ideias e o domínio que se tem de certas áreas do conhecimento são comportamentos que os envolvem, que geram consequências específicas e que podem ser avaliados. As pessoas diferem comportamentalmente umas das outras, e as diferenças comportamentais da referida classe, mas não apenas, são lidas como diferenças de inteligência.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ao olhar para o céu,
prosseguirei a me perguntar se os extraterrestres, felizes ou infelizes,
estão por lá, bem como se são mais ou menos <i>inteligentes</i> que nós, seres
humanos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgak0kMhKzSOe6GyxvAvrHAraoeL_C8Y6BwwEURNJIbvkzKAE8PYC47pT4sIIDCk4v8L9uryk7IySpWvGz6LBaDi_GSvLBd1HfVaDsC_mX0JE1humuyp0WzLEzOufQUg2kLU1tpHwXjsjgO/s1600/intelig%25C3%25AAncia+extraterrestre.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="212" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgak0kMhKzSOe6GyxvAvrHAraoeL_C8Y6BwwEURNJIbvkzKAE8PYC47pT4sIIDCk4v8L9uryk7IySpWvGz6LBaDi_GSvLBd1HfVaDsC_mX0JE1humuyp0WzLEzOufQUg2kLU1tpHwXjsjgO/s320/intelig%25C3%25AAncia+extraterrestre.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
<br />
<br />
<b>Notas </b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
(1)
"Amabilidade", "responsabilidade", "abertura",
"extroversão-introversão" e "neuroticismo" são os cinco grandes fatores
da personalidade usualmente estudados em psicologia diferencial.<br />
<br />
(2) Para uma alternativa à tese das inteligências múltiplas, ver texto <a href="http://danielgontijo.blogspot.com/2010/09/em-busca-da-inteligencia.html">"Em busca da inteligência"</a>.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
(3) É o que o construto <i>inteligência emocional</i> parece medir: um composto dos cinco grandes fatores de personalidade (Roberts et al., 2006).<br />
<br />
<b>Referências</b> </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<ul>
<li>Colom, R. (2006). O que é inteligência? Em Flores-Mendoza, C., & Colom, R. <i>Introdução à psicologia das diferenças individuais.</i> Porto Alegre: Artmed.</li>
<li>Flores-Mendoza, C. (2010). Inteligência Geral. In Malloy-Diniz, L. F., Fuentes, D. Mattos, Abreu, N. <span style="font-style: italic;">Avaliação Neuropsicológica.</span> Porto Alegre: Artmed, Cap. 5, p. 58-66.</li>
<li>Grandinetti,
D. (2011, 30 de outubro). No gabinete do psicólogo. Recuperado em
http://nogabinetedopsicologo.blogspot.com/2011/10/o-que-e-inteligencia-e-qual-sua-relacao.html#comments</li>
<li>Pinker, S. (1999). <i>Como a mente funciona</i>. São Paulo: Companhia das Letras.</li>
<li>Roberts, R., Rouse, J., Zeidner, M., & Matthews, G. (2006). O <i>status</i> científico da inteligência emocional: consenso e controvérsias. Em Flores-Mendoza, C., & Colom, R. <i>Introdução à psicologia das diferenças individuais.</i> Porto Alegre: Artmed.</li>
<li>Ryle, G. (1980). The concept of mind. New York: Penguin Books. (Original publicado em 1949.) Em Lopes, C. E., & Abib, J. A. D. (2003). O behaviorismo radical como Filosofia da Mente. <i>Psicologia: Reflexão e Crítica</i>, <i>16</i>(1), pp. 85-94.</li>
<li>Skinner, B. F. (1990). Can psychology be a science of mind? <i>American Psychologist</i>, <i>45</i>(11), pp. 1206-1210.</li>
<li>Sternberg, R., Conway, B., Ketron, J., & Bernstein, M. (1981). People's conceptions of intelligence. <i>Journal of Personality and Social Psychology</i>, <i>41</i>, 1, 37-55.</li>
</ul>
Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-20706108904144567062011-10-30T08:58:00.000-07:002013-02-18T12:13:24.919-08:00Muito além do nosso eu: admirável mundo por vir<div style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilStWDPDNpZ-CzATn8UFIIyiFFB2DuKDS2y-pohrxU-2P-juaLrlbmDSjWHaOdZLvwHt1R0jZ-YyT_GiQU1JHcZbH3u0oj-IgJxr4HfS_ihyivMruo43Nzk0mEIrWdSq-f-sQvfzWubqe5/s1600/interface+c%25C3%25A9rebro-m%25C3%25A1quina.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"></a></div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7DeXgcraZ1_iR01YCQy-45xgSKg5h0vyiRiWEj3GLgkHhpBLtUEZAmRyvJv0c8pBqwuMc6T8weO7UyOkfitYQF3IIOqGc1UqWTCsZDfwyOC_I2ORiUzQcWFvPao4melLqeJ1UV2YRgYkX/s1600/miguel+nicolelis+e+aurora.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7DeXgcraZ1_iR01YCQy-45xgSKg5h0vyiRiWEj3GLgkHhpBLtUEZAmRyvJv0c8pBqwuMc6T8weO7UyOkfitYQF3IIOqGc1UqWTCsZDfwyOC_I2ORiUzQcWFvPao4melLqeJ1UV2YRgYkX/s200/miguel+nicolelis+e+aurora.jpg" width="129" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Nicolelis, Aurora e seu braço robótico</td></tr>
</tbody></table>
Desde que li a obra do neurologista
português Antônio Damásio, um livro de neurociência não tinha me deixado tão entusiasmado até eu trombar com o <i>Muito Além do Nosso Eu</i>.(1) Em seu livro, o brasileiro <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Miguel_Nicolelis">Miguel Nicolelis</a> (2011) mostra-nos parte do
desafio, assumido por ele e sua equipe, de desenvolver robustas <i>interfaces cérebro-máquina</i> (ICMs): paradigmas que possibilitam a relação da atividade cerebral com artefatos robóticos ou computacionais. Pacientes neurológicos, deficientes físicos, usuários de tecnologia avançada e até mesmo apreciadores de videogames poderão, em breve, se beneficiar desse tipo de tecnologia. Ao que parece, as ICMs prometem uma revolução na forma como interagimos com o mundo e com nós mesmos. Antes de abordar essas intrigantes conclusões, o cientista tupiniquim dedicou boas páginas de seu livro para falar de Aurora, uma macaquinha simpática que os ajudou a descobrir como se pode realizar muitas façanhas pela força do pensamento. E é por aí que eu vou começar.</div>
<b></b><br />
<a name='more'></a><b>Suco de laranja: "Dê um pouco, e eu aprendo o inimaginável"</b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Nicolelis
e sua equipe, tendo em mãos um protocolo experimental inovador, tinham
como objetivo ensinar Aurora a cumprir uma tarefa
computadorizada utilizando apenas o pensamento. Diante de si, a
protagonista do experimento via um monitor de cristal líquido no qual um círculo e uma bolinha brancos estavam dispostos. Basicamente, a tarefa
consistia em direcionar a bolinha, controlada por um <i>joystick</i> (que
cumpria a função de <i>mouse</i>), para dentro do círculo. A cada novo ensaio, o círculo mudava de lugar. Em meio a uma porção de movimentos, o comportamento de levar a bolinha para dentro do círculo foi sendo
seletivamente recompensado (ou melhor, <i>reforçado</i>) com doses de um delicioso suco de laranja brasileiro.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
À medida que nossa parente primata vinha se tornando <i>expert</i>
naquele jogo, microeletrodos captavam a atividade de 96 neurônios
distribuídos em seis áreas corticais. Os sinais desses neurônios
(chamados por Nicolelis de "sinfonias neurais"), uma vez filtrados
e amplificados por microchips, eram então enviados a um microcomputador
que os convertia em sinais digitais. Quase que simultaneamente, uma
fita recheada de sensores captava e transmitia ao mesmo microcomputador
parâmetros cinéticos do ombro, do cotovelo e do pulso de Aurora. A importância
de se registrar tanto os parâmetros de disparo neural como os parâmetros
cinéticos, que controlava o joystick, é óbvia: os primeiros <i>controlam</i> os segundos, isto é, os movimentos do braço são causados pela atividade do cérebro. A análise correlacional desses dois parâmetros foi tão extensa e precisa que, com base apenas nos sinais neurais, os pesquisadores passaram a <i>prever</i> qual seria o próximo movimento de Aurora. </div>
<br />
<div style="text-align: center;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilStWDPDNpZ-CzATn8UFIIyiFFB2DuKDS2y-pohrxU-2P-juaLrlbmDSjWHaOdZLvwHt1R0jZ-YyT_GiQU1JHcZbH3u0oj-IgJxr4HfS_ihyivMruo43Nzk0mEIrWdSq-f-sQvfzWubqe5/s1600/interface+c%25C3%25A9rebro-m%25C3%25A1quina.png" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilStWDPDNpZ-CzATn8UFIIyiFFB2DuKDS2y-pohrxU-2P-juaLrlbmDSjWHaOdZLvwHt1R0jZ-YyT_GiQU1JHcZbH3u0oj-IgJxr4HfS_ihyivMruo43Nzk0mEIrWdSq-f-sQvfzWubqe5/s1600/interface+c%25C3%25A9rebro-m%25C3%25A1quina.png" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A atividade neural pode ser captada, codificada digitalmente e ser usada para controlar o movimento de neuropróteses, como um braço ou pernas robóticas.</td></tr>
</tbody></table>
</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Em seguida, Nicolelis e sua equipe decidiram testar
se, só pelo pensamento, um braço robótico poderia ser controlado por Aurora. Com o <i>joystick</i> longe de suas mãos, ela não demorou para perceber que, diante da tarefa previamente dominada,
bastava simplesmente <i>imaginar</i> os movimentos que fizera outrora, e
seus desejos (receber goles de suco de fruta) se
concretizariam como que num passe de mágica! Por
mediação do microcomputador, o braço robótico (com o <i>joystic</i>k) passou a ser fielmente comandado pelo
pensamento da macaquinha. Conforme interpretou Nicolelis, Aurora aprendera
que <i>querer é poder</i>. </div>
<br />
<div style="text-align: center;">
<iframe allowfullscreen="" frameborder="0" height="287" src="http://www.youtube.com/embed/PTVVYYxY9Cs?rel=0" width="380"></iframe></div>
<b><br /><br />
Admirável mundo por vir</b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
No último capítulo de seu livro, denominado <i>De volta para as estrelas</i>,
Nicolelis especula livremente sobre possíveis aplicações das ICMs num futuro mais ou menos distante. Em razão da
capacidade do cérebro de assimilar ferramentas -- como quando Pelé,
Ayrton Senna, Santos Dumont e Aurora tomaram como partes de si,
respectivamente, bolas de futebol, carros de Fórmula 1, aviões e braços
metálicos --, o autor acredita que as ICMs poderão tanto "restaurar a
vida daqueles que são afligidos por quaisquer danos neurológicos" como
"permitir a expansão de nossa percepção e ação no universo" (p. 470). No
que se refere à área médica, pacientes acometidos por moléstias
neurológicas poderão voltar a ouvir, falar, ver, tocar e andar. Por
exemplo, um dos projetos que Nicolelis ajudou a fundar, o <i>The Walk Again Project</i> (Projeto Andar Novamente), visa "desenvolver e implementar a primeira
ICM capaz de restaurar a mobilidade corporal completa de pacientes
vítimas de graus severos de paralisia" (p. 471). Esses pacientes poderão
controlar, pelo pensamento, movimentos complexos de exoesqueletos (vestes robóticas) de corpo inteiro, de tal forma que possam ser
modulados seus membros superiores e inferiores, sua postura e a
deambulação corporal. O pesquisador, em um tom ousado e animador, prevê
que,</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<blockquote class="tr_bq">
<span style="background-color: #eeeeee;">depois
de algumas semanas de interação com o exoesqueleto, o cérebro de nosso
futuro paciente completará o processo de incorporação dessa veste
robótica através de um processo de plasticidade neural, como uma
extensão verdadeira da imagem corporal que reside nele. Nesse momento, o
usuário provavelmente se tornará proficiente na operação do
exoesqueleto controlado pela ICM, podendo então voltar a se mover livre e
autonomamente pelo mundo (p. 475).</span></blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg80qMwPf7iF3rNEoAOIf6kub-EcuQOVNHqkTrVGnVb01APU55ZIBvkkLVa0H02ZurgNT75Mbr1lfDNLY_f602TrS-zgf7ZLmlYsHTUtMj7G4vvpZ7BtACYeBAgXz4hCJH2xD0MbsteutCc/s1600/interface+c%25C3%25A9rebro-m%25C3%25A1quina+brainet.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="187" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg80qMwPf7iF3rNEoAOIf6kub-EcuQOVNHqkTrVGnVb01APU55ZIBvkkLVa0H02ZurgNT75Mbr1lfDNLY_f602TrS-zgf7ZLmlYsHTUtMj7G4vvpZ7BtACYeBAgXz4hCJH2xD0MbsteutCc/s200/interface+c%25C3%25A9rebro-m%25C3%25A1quina+brainet.jpg" width="200" /></a></div>
Para além da medicina, Nicolelis vislumbra um mundo no qual nossos
descendentes controlarão, pelas faíscas ordenadas de seus encéfalos,
toda uma rede de aparatos tecnológicos, desde a <a href="http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=interfaces-cerebro-maquina-maquinas-acionadas-pelo-pensamento&id=010180100304#.T0e2d7VYkfs.facebook">manipulação de objetos virtuais e lúdicos</a> à literal troca de ideias em uma rede social cerebral, a <i>brainet</i>.
E, num ponto mais próximo de outras estrelas, robôs humanoides ou mesmo
avatares virtuais poderão explorar paisagens extraterrestres
longínquas, trazendo "para a ponta de nossos
dedos a sensação inaudita do que seria tocar essas terras estranhas e
seus segredos" (pp. 488-89).</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Perto do fim, Nicolelis aproxima suas especulações à fantasia
-- e quase à religiosidade. Se em um momento ele afirma que uma teia
organizada de cérebros em comunicação poderia configurar uma <i>fusão coletiva de mentes</i>, ele posteriormente levanta a possibilidade de se registrar perenemente a
experiência subjetiva de cada indivíduo humano! O autor não revela
detalhes de como essas façanhas poderiam ser arquitetadas. Pelo
contrário, prossegue com sentenças cada vez mais estranhas, e quiçá irônicas, como a de que poderíamos coroar
"o cérebro relativista de primata como a única trindade significativa a
nos conceder suas bênçãos" (p. 495). Mas a mensagem básica é clara: o cientista brasileiro crê que o
desenvolvimento e a assimilação social de ICMs ditarão uma
mudança notável na forma como concebemos o senso de eu e, de forma geral, o que
entendemos por realidade.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Na
dúvida saudável de se todo esse devaneio irá se
concretizar, resta-nos, sobretudo para quem não teme o avanço
tecnológico, pegar carona em extasiantes enredos como <i>Matrix </i>e <i>Avatar</i> -- obras cinematográficas que abrem caminho à experimentação de um admirável e possível, embora às vezes dramático, mundo por vir.</div>
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='320' height='266' src='https://www.youtube.com/embed/qpNkPHrnZ7Q?feature=player_embedded' frameborder='0'></iframe></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<br />
<b><br />Nota</b><br />
<br />
(1) Para uma resenha crítica do livro, ver <a href="http://www.amalgama.blog.br/08/2011/muito-alem-do-nosso-eu-miguel-nicolelis/">Muito além do muito além do nosso eu</a>, escrita por Eli Vieira (2011).<b> </b><br />
<br />
<b>Referência </b><br />
<br />
<ul>
<li>Nicolelis, M. (2011). <i>Muito além do nosso eu: a nova neurociência que une cérebro e máquinas -- e como ela pode mudar nossas vidas.</i> São Paulo: Companhia das Letras.</li>
</ul>
Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-79780366685043033412011-10-23T10:53:00.000-07:002013-02-18T12:13:56.712-08:00Ciência Espírita<blockquote style="color: #999999;">
<div style="text-align: justify;">
Eles
são cientistas. E eles acreditam em espíritos e reencarnação. Agora,
estão usando o laboratório para provar que tudo isso não é apenas
questão de fé. E dizem que estão conseguindo.</div>
</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
<br />
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgZxzjFIjiwBE6s9eRgp0S-bWy5Qah5ngO0f-SWYd-XMlHSv4U8mjqbSJU-YxloJ8odCPS6EPl6xeNwrjkxY8GC8Q222LVgoMEkpOMRE0EELFrX8q20gMkxLLLttAI1qiJ5obH3ihjDsE_O/s1600/ci%25C3%25AAncia+esp%25C3%25ADrita+super+interessante+%25282%2529.jpg" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgZxzjFIjiwBE6s9eRgp0S-bWy5Qah5ngO0f-SWYd-XMlHSv4U8mjqbSJU-YxloJ8odCPS6EPl6xeNwrjkxY8GC8Q222LVgoMEkpOMRE0EELFrX8q20gMkxLLLttAI1qiJ5obH3ihjDsE_O/s200/ci%25C3%25AAncia+esp%25C3%25ADrita+super+interessante+%25282%2529.jpg" width="150" /></a>O excerto supracitado é a manchete da <i>Super Interessante</i> deste mês (outubro de 2011). Embora
convidativa e exagerada, como costuma ser quase toda capa de revista, a
matéria não se limita a relatar anedotas que dão um frio na barriga. Em
contraste, os autores (Nogueira e Castro) tiveram o escrúpulo de contar o outro lado da
história: o fato de que pesquisas sérias acerca do tema estão apenas
começando, bem como, e principalmente, que não há dados empíricos que
corroborem a tese de que corpo e mente (ou alma) são entidades de
natureza ou substância distinta. Contudo, e se isso for verdade, o que
dizer das experiências extracorpóreas que praticantes de meditação, pacientes de enfarte e
sobreviventes de acidentes relatam? </div>
<br />
<a name='more'></a><br />
<b>Quase lá: uma visão do além</b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
No
final do século passado, van Lommel e seus colegas queriam saber se um
punhado de pacientes acometidos por parada cardíaca tiveram o que tem
sido chamado <i>experiência de quase-morte</i> (EQM). Em situações cujo
risco de morrer é alto, como ao cair de precipícios, sofrer acidentes de
trânsito ou passar por afogamentos, alguns sobreviventes relatam
experiências atípicas, às vezes extasiantes, que sugerem a existência do
além. Algumas dessas vivências são "se ver fora do corpo", "encontrar
com entes falecidos", "ser tomado por sensações agradáveis" e
"visualizar luzes ou túneis". No estudo que publicaram na revista <i>The Lancet</i>
em 2001, Lommel e cols. relataram que 62 dos 344 pacientes (18%)
entrevistados tiveram (ou recordaram de) uma EQM. Antes de serem trazidos de volta à consciência pela equipe médica, constatou-se que
o registro miográfico desses pacientes estava plano, zerado, o que os caracterizava como <i>clinicamente mortos</i>. Com efeito, esses pesquisadores tomaram seus relatos como um indício de que a consciência, ou a alma, é uma instância que independe do corpo material, tese comumente denominada <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Dualismo"><i>dualismo de substância</i></a>.</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Os entusiastas do dualismo costumam se armar com anedotas no mínimo arrepiantes. Para tomar um exemplo da <i>Super</i>,
um major aposentado viu-se, do teto, deitado na maca à medida que
recebia, para ser ressuscitado, descargas elétricas no peito. E viu
também a esposa, então de vermelho, que o aguardava apreensiva no cômodo
ao lado. Após ser tragado de volta para o corpo, o militar espantou-se
ao notar que sua amada estava de fato com a vestimenta vermelha que
avistara! Em um caso descrito no artigo de Lommel, um homem em coma
teria notado, de fora do corpo, uma enfermeira levar sua dentadura em um
carrinho de tralhas. Quando desperto, dias depois, trombou com a
enfermeira e lhe pediu seus dentes postiços. O paciente, tendo acertado
na mosca (ou na enfermeira), teve de volta seu sorriso e ganhou atenção
diferenciada da mídia e da equipe médica.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Lommel e cols., na discussão de seu estudo, deixaram uma mensagem provocadora:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<blockquote>
<span style="color: #999999;">Na
falta de evidência para qualquer teoria da EQM [...] o conceito de que a
consciência e a memória estão localizados no cérebro deve ser
discutido. Como pode uma clara consciência fora de seu corpo ser
experienciada à medida que o cérebro não funciona no período de morte
clínica [...]?</span></blockquote>
</div>
<br />
<b>Meditação: uma espiadinha no lado de lá?</b><br />
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Há
cerca de seis ou sete anos atrás, eu vinha praticando meditação
regularmente. Tive experiências estranhas com essa técnica, como quando senti-me flutuando, esticando ou encolhendo, reduzido a <i>duas</i>
dimensões e possuído por repentinas sensações orgásticas. Mas
minha primeira experiência profunda foi, ao menos inicialmente,
estarrecedora: senti-me paralisado, fora do corpo e, à medida que era
puxado, com a inequívoca impressão de que estava à beira da morte! O que
motivou minhas aventuras meditativas posteriores foi minha extrema
curiosidade e o desfecho deleitoso daquela experiência: fã declarado do
anime <i>Dragon Ball</i>, fui não por acaso contemplado com o poder de
voar e de descarregar torrentes luminosas de energia em um misterioso local vazio
(algo como tiros consecutivos de <a href="http://pt.dragonball.wikia.com/wiki/Kamehameha"><i>kamehameha</i>s</a>)!
É provável que eu nunca tenha acordado tão descansado e maravilhado
como na manhã do dia seguinte. Enquanto estive por lá, lembro de pensar
ininterruptamente: "Não quero jamais sair daqui... jamais!".</div>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhIEkoadSYPbKVEqL3SllqVyfTIPAeRPHdFVpnsQBV0e3zVqokxDOTD3oKoWSkgySQ1OebpHkBQ56-WBlMMq8i8TrAMDEGIf170uuGLMz4sSxrd_RnM4jx8Ps67WGwApuO8GBup-Yxn8m1o/s1600/Goku_Kamehameha_.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="208" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhIEkoadSYPbKVEqL3SllqVyfTIPAeRPHdFVpnsQBV0e3zVqokxDOTD3oKoWSkgySQ1OebpHkBQ56-WBlMMq8i8TrAMDEGIf170uuGLMz4sSxrd_RnM4jx8Ps67WGwApuO8GBup-Yxn8m1o/s320/Goku_Kamehameha_.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Goku lançando um poderoso <i>kamehameha</i>.</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Cerca de um ano após essa primeira
experiência, algo curioso aconteceu. No meu quarto, então dividido com
um dos meus irmãos, deitei e comecei a meditar. Em meio ao chiado
estranho que costumava preencher meus ouvidos nessas ocasiões, meu corpo
adormecia lentamente... e minha consciência se segurava por apenas um
fio, em seu limiar mínimo, como que lutando contra a investida do sono.
Passado algum tempo, eis que me deparo com uma cena inusitada: meu corpo
na cama, estendido, e eu do lado de fora! Assustado, olho para os lados
e começo a caminhar, casa adentro, indagando se tudo aquilo era mesmo
real. Sem resistir por mais que alguns passos pelo corredor, senti-me
sugado de volta -- era tempo de despertar. Numa espécie de errado que
deu certo, defrontei-me com uma incoerência que fez calar meu desejo de acreditar nas implicações sobrenaturais daquelas experiências: <b>desperto, notei que eu não estava na cama da esquerda, tal como percebera durante a
meditação, mas na da direita!</b> Aquela vivência espetacular, em vez de se referir a uma pista
de que corpo e alma são coisas dessemelhantes, pareceu-me dizer
de uma <i>construção que meu cérebro fez com base em memórias remotas e em eventos que imediatamente a antecederam.</i>
Em memórias remotas porque, devo esclarecer, eu sempre dormi na cama da
esquerda, e não na da direita. Então, e à medida que foi sendo criado
aquele <i>sonho induzido </i>(chamado pelos místicos de <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Proje%C3%A7%C3%A3o_da_consci%C3%AAncia"><i>viagem astral</i> ou <i>projeção</i></a>),
foram sendo misturados elementos recentes (estar deitado em meu quarto e
a meditar) com elementos remotos (estar deitado na cama onde costumava,
por anos, dormir). Bingo: a incoerência dos cenários fez crescer com
vigor a <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Monismo">tese monista</a>! Foi a segunda vez que vi brotar em mim um senso cético tão forte e animador.(1)</div>
<br />
<b>O lado cético da história</b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Como aludi inicialmente, os autores da matéria da <i>Super</i>
são inteligentes. Em razão de carimbarem na chamada da matéria a
insinuação de que o dualismo vem sendo empiricamente ratificado, tanto o crente como
o cético ficam instados a comprar a revista. Contudo, e a fim de se
resguardar da crítica intelectual, trazem embutidos avisos que
contrariam sua jogada propagandística. Esses avisos são "o lado cético
da história", que deve ser salientado mas que é comumente negligenciado
por certos, para não dizer inúmeros, leitores (sobretudo os que crêem em
eventos e entidades sobrenaturais). Passo a ilustrar, com um trecho,
esse lado da matéria:</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<blockquote>
<div style="color: #999999;">
A
maior parte dos pesquisadores entende que [as EQMs] não passam de uma
confusão cerebral. No momento de uma parada cardíaca [por exemplo], a
perda de oxigênio faz com que a massa cinzenta deixe de distinguir
realidade e fantasia. Balançada pela desordem, recorre à memória de
curto prazo para compreender a situação. Então se depara com cenas que
acabou de registrar, como a própria sala de cirurgia [...] e nos prega
uma peça. Todas as nossas lembranças registram uma visão panorâmica,
como uma imagem de um filme, em terceira pessoa, criando a sensação de
estarmos fora do próprio corpo. [...] O cérebro é um diretor de cinema. E
o seu corpo, o protagonista (pp. 61-62).</div>
</blockquote>
</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Um
parente meu, ao ser submetido a uma neurocirurgia, visualizou ele
próprio sendo carregado por um falecido padre mineiro de quem é devoto e
que é, por muitos, considerado como santo. Por vários dias, e
provavelmente momentos antes do procedimento operatório, ele direcionou
preces fervorosas àquela aclamada santidade. Não só com elementos
próximos ou remotos, como a movimentação de uma sala de cirurgia ou uma
boa-cama-para-se-meditar, o cérebro parece configurar um cenário
onírico com base em crenças, desejos e expectativas daqueles que vivem
uma EQM (ou algo similar a uma). O momento aprazível e confortável
sentido pelo meu parente parece ter sido associado, em seu histórico de
experiências, à figura zelosa de <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Padre_Lib%C3%A9rio">padre Libério</a>,
o milagroso que o protegeria. No meu caso, o prazer, a soltura do corpo e a sensação de
poder estiveram associados às aventuras que, na pele de Goku, acompanhei
empática e energicamente na adolescência.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="float: right; padding: 5px;"><a href="http://www.researchblogging.org/"><img alt="ResearchBlogging.org" src="http://www.researchblogging.org/public/citation_icons/rb2_large_gray.png" style="border: 0;" /></a></span>Nem todas as pessoas vêem túneis e entes falecidos, e o que vêem é provavelmente fundado em
experiências prévias que, por algum motivo, foram associadas àquele
perfil de funcionamento neurobiológico. O estudo de Lommel e cols., por
exemplo, constatou que apenas 15 dos 62 pacientes (24%) relataram ter
tido uma experiência extracorporal, enquanto 32% disseram ter encontrado
com parentes falecidos. Em um artigo que acaba de sair do forno,(2)
Mobbs e Watt (2011) comentam que o conteúdo das EQMs covaria com a
liberação anormal, modulada por drogas (como as administradas em
intervenções médicas) ou situações adversas, de neurotransmissores como a
dopamina, a noradrenalina e os opióides. Os autores ressaltam que
experiências extracorpóreas podem resultar não só de EQMs, mas de condições como a <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Paralisia_do_sono"><i>paralisia do sono</i></a>
e a estimulação de sítios neurais como a junção temporoparietal.
Na verdade, pouco mais da metade (51%) dos fenômenos rotulados como EQMs <i>não</i> envolve risco de morte real. E alguns de seus conteúdos, como alucinações com fantasmas, entes falecidos ou monstros, são ocasionalmente descritos por pacientes com Alzheimer ou Parkinson, cujos perfis neuroquímicos
encontram-se assaz alterados. Ao final, os autores concluem
que "a evidência científica sugere que todos os aspectos da experiência
de quase-morte tem uma base fisiológica ou neuropsicológica". </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Contra toda a rede de explicações psicológicas e
neurobiológicas, alguns defensores do dualismo lembram que, como no
estudo de Lommel, os pacientes que passaram por uma EQM tiveram cessadas
suas atividades cardiocirculatórias ou, como em outros estudos,
cerebrais. Contudo, e como levantado na matéria da <i>Super</i>, o eletroencefalograma registra essencialmente a atividade do <i>córtex </i>cerebral,
a camada superficial do cérebro. Regiões subcorticais (que são mais profundas) podem, portanto,
continuar em atividade sem que os aparelhos as detectem. Mas uma
hipótese alternativa, ou mesmo complementar, é a seguinte: <b>fenômenos como as EQMs acontecem <i>antes</i> da constatação da morte clínica ou da perda de consciência, e não enquanto</b>.
Pouco antes de se desligar, a ideia de estar sofrendo um
enfarte ou um afogamento poderia, em instantes, gerar um rico cenário
onírico, então permeado por elementos que circundam a vítima (como a
equipe médica) e por crenças e expectativas preconcebidas (como
reencontrar entes falecidos ou ser acalentado por um santo). O tom dessa espécie de sonho, ademais, seria regulado pelo balanço químico produzido pela
experiência em questão (enfarte, submissão a drogas ou meditação). Vejo
essa hipótese, mais razoável do que a alternativa, como uma síntese do que foi trazido pela <i>Super</i> e pelo artigo de Mobbs e Watt (2011).</div>
<br />
<b>Considerações finais</b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
O debate acerca da dualidade
corpo-mente (ou espírito) deve perdurar por mais algumas gerações. À
medida que a ciência avança, contudo, explicações mágicas e
sobrenaturais vão perdendo seu espaço. Imagino que o problema
mente-cérebro seja uma das últimas e mais profundas trincheiras nas
quais crenças religiosas mantém-se protegidas contra as investidas
céticas. Se podemos provar que a Terra é redonda, que não é o centro do
Universo e que não tem seis ou oito mil anos, e se temos evidência de
que a origem das espécies não decorre do dedo de um projetista poderoso,
resta-nos mostrar consistentemente por que a tese de uma vida eterna e
espiritual é incoerente. Como fazer isso? Ao lado das evidências
indiretas da neurociência, é possível que as EQMs possam nos ajudar.</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
O estudo do cardiologista Sam Parnia e do neurologista Peter Fenwick ilustra o que pode ser feito. Como descrito na <i>Super</i>,
esses pesquisadores instalaram "150 placas pelo hospital, com sinais,
textos e desenhos virados para cima, posicionados de tal maneira que
apenas alguém localizado no teto poderia ler. [Se] um paciente contasse o
que havia na placa, a experiência fora do corpo estaria comprovada" (p.
60). Mas nenhum dos 63 pacientes ressuscitados alegou ter feito uma
viagem espiritual, e a experiência mostrou-se um fracasso. Não sei se
outros trabalhos dessa natureza foram realizados desde então; sei que os
vejo como uma forma de sairmos das anedotas, que às vezes são
fomentadas pelo desejo de visibilidade ou por vieses de pesquisa, e
encararmos o problema de forma séria.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Alguns,
como eu, são contemplados com a chance de ver com os próprios olhos a
incoerência do dualismo (e, é claro, com as condições sociais adequadas
para que o ceticismo e o conhecimento científico floresçam). Outros, que compõem a
maioria, são enganados pela forma como parte de si mesmo funciona --
isto é, pelas peças casualmente pregadas pelo cérebro. Como cético e um
pouquinho entendido de neurociência, devolvo a provocação a Lommel:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #666666; text-align: justify;">
<blockquote>
<b>Diante do pesado conjunto de evidências que sustenta a tese de que a mente é um produto da atividade do encéfalo (ou que <i>é</i> essa atividade), o conceito popular de que memória e consciência são coisas imateriais deve ser discutido.</b></blockquote>
</div>
<br />
<br />
<b>Notas </b><br />
<br />
(1) A
primeira vez foi quando, no sítio de meus pais, descobri que os
supostos alienígenas que estavam no telhado tentando me abduzir eram,
como fui conferir na alvorada, galinhas d'angola.<br />
<br />
(2) Devo agradecer ao meu colega André Rabelo pelo encaminhamento do artigo.<br />
<br />
<b>Referências </b><br />
<b><br /></b>
<br />
<ul>
<li>Mobbs, D., & Watt, C. (2011). There is nothing paranormal
about near-death experiences: how neuroscience can explain seeing bright
lights, meeting the dead, or being convinced your are one of them. <i>Trends in Cognitive Sciences, </i><i>15</i>(10), 447-449. Elsevier Ltd.</li>
<li>Nogueira, P, & Castro, C. (2011). Ciência Espírita. <i>Super Interessante</i>, ed. 296. São Paulo: Editora Abril.</li>
<li>Owens, J.E. et al. (1990) Features of near-death experiences in relation to whether or not the patient were near death. <i>Lancet</i> 336, 1175-1177.</li>
<li><span class="Z3988" title="ctx_ver=Z39.88-2004&rft_val_fmt=info%3Aofi%2Ffmt%3Akev%3Amtx%3Ajournal&rft.jtitle=The+Lancet&rft_id=info%3Adoi%2F10.1016%2FS0140-6736%2801%2907100-8&rfr_id=info%3Asid%2Fresearchblogging.org&rft.atitle=Near-death+experience+in+survivors+of+cardiac+arrest%3A+a+prospective+study+in+the+Netherlands&rft.issn=01406736&rft.date=2001&rft.volume=358&rft.issue=9298&rft.spage=2039&rft.epage=2045&rft.artnum=http%3A%2F%2Flinkinghub.elsevier.com%2Fretrieve%2Fpii%2FS0140673601071008&rft.au=van+Lommel%2C+P.&rft.au=van+Wees%2C+R.&rft.au=Meyers%2C+V.&rft.au=Elfferich%2C+I.&rfe_dat=bpr3.included=1;bpr3.tags=Psychology%2CNeuroscience">van
Lommel, P., van Wees, R., Meyers, V., & Elfferich, I. (2001).
Near-death experience in survivors of cardiac arrest: a prospective
study in the Netherlands <span style="font-style: italic;">The
Lancet, 358</span> (9298), 2039-2045 DOI: <a href="http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736%2801%2907100-8" rev="review">10.1016/S0140-6736(01)07100-8</a></span></li>
</ul>
Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-18322161705083087452011-10-13T10:05:00.000-07:002013-02-18T12:14:21.402-08:00Ciúme: palavras sobre o inato e o aprendido<div style="color: #999999; text-align: justify;">
<blockquote>
Os ciumentos sempre
olham para tudo com óculos de aumento, os quais engrandecem as coisas
pequenas, agigantam os anões, e fazem com que as suspeitas pareçam
verdades" (Miguel Cervantes, 1547-1616).</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhMbAw7FpXI7FxCYQhqkvl5FRHnmH23JHIdxJ7mJh49bswzdhIAteFbXAQ2Y5i_JZ7IgzFq-mErfrRLxF2kin5wamaNX_ikT_lSj98x2uQAyPYzZsMWcdTo5FQll9UAil-iFvHH4eVcVf0v/s1600/ci%25C3%25BAme.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="212" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhMbAw7FpXI7FxCYQhqkvl5FRHnmH23JHIdxJ7mJh49bswzdhIAteFbXAQ2Y5i_JZ7IgzFq-mErfrRLxF2kin5wamaNX_ikT_lSj98x2uQAyPYzZsMWcdTo5FQll9UAil-iFvHH4eVcVf0v/s320/ci%25C3%25BAme.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
Na manhã de hoje (10 de outubro de 2011), tirei um tempinho para ler algo a respeito do ciúme. Por sorte, ao lançar o termo no <i>Google Acadêmico</i>,
topei com o artigo "Contribuições da Psicologia Evolutiva e da Análise
do Comportamento acerca do Ciúme" da analista do comportamento Nazaré
Costa. <i>Sorte</i> porque, em primeiro lugar, eu gostaria de conhecer
um pouco da leitura analítico-comportamental sobre o tema e, em segundo
lugar, porque tenho tido interesse em trabalhos que contemplam atributos
filogenéticos do comportamento.(1) Pretendo, com este texto, trazer os
principais pontos dessas duas abordagens e esboçar um possível e
desejável <i>link</i> entre seus respectivos níveis de análise.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
<a name='more'></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><br />O ciúme</b><br />
<br />
No
início do seu trabalho, Costa (2005) comenta sobre o aspecto universal
do ciúme: toda sociedade, atual ou remota, é ou foi expressivamente
marcada por esse padrão comportamental. Estamos tratando, portanto, de
um <i>traço cultural</i>. Desse fato incorre, entre outras coisas, o
grande número de pessoas que procuram ajuda psicoterápica para controlar
o ciúme, que pode ser excessivo e danoso, e uma parcela considerável de
homicídios (em torno de 20%) que envolvem essa classe comportamental.
Mas a diferença e a convergência de explicações para o ciúme entre
disciplinas, sobretudo entre a análise do comportamento e a psicologia
evolucionista, consistem no problema elementar a ser abordado pela
autora.<br />
<br />
Analisando uma vasta e diversificada literatura, Costa conclui que o ciúme é geralmente entendido como</div>
<div style="color: #999999; text-align: justify;">
<blockquote>
uma
emoção (desprazer [...] apreensão) que é desencadeada por uma situação
de ameaça, seja ela real ou não, de perder uma relação ou posição em um
relacionamento afetivo, sendo importante ainda destacar que tal emoção
tende a "motivar" comportamentos que possam lidar com essa ameaça [...]</blockquote>
</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Numa
tentativa de diferenciar os aspectos "normal" e "patológico" do ciúme, a
autora recorre a Pines (1992): "enquanto o ciúme normal ocorre em
função de uma ameaça real, o ciúme patológico persiste a despeito da
ausência de qualquer ameaça real ou provável". O ciúme patológico seria
marcado por um sofrimento exacerbado acompanhado de comportamentos como
verificação (de telefonemas, mensagens e e-mails do parceiro, por
exemplo), perseguição e inquérito frequentes (indagação sobre onde, por
que e com quem o parceiro está/esteve). Em um <a href="http://www.comportese.com/2011/04/sindrome-de-otelo-o-ciume-patologico.html">texto escrito recentemente</a>,
meu colega Marcelo Souza falou sobre a Síndrome de Otelo, que é
caracterizada por esses e outros comportamentos funcionalmente
similares.<br />
<br />
Com esse pano de fundo, Costa comenta que o
ciúme é um "evento privado [um sentimento] capaz de controlar eventos
públicos". Entre as reações fisiológicas que caracterizam esse evento,
ou as <i>respostas reflexas</i>, estão o aperto no peito, a sensação de
nó na garganta e/ou a sensação de perda de controle. Sentimentos
típicos, imediatos ou tardios, são a tristeza, a raiva, a angústia, a
ansiedade, a mágoa e a rejeição. Supõe-se, ademais, que o "ciumento
aprendeu a sentir [tais sensações] e a emitir determinados
comportamentos públicos". "Aprender a sentir" significa, em poucas
palavras, que a ocorrência de um evento privado, como a angústia ou a
raiva, pode ser condicionado ou emparelhado a um evento ambiental
específico. Se, por exemplo, Júlia descobriu que Anselmo a traiu quando,
para visitar seu avô, viajou para Belém, sensações privadas
desagradáveis poderão surgir sempre que Paulo, seu atual namorado,
precisar viajar a negócios (fenômeno denominado <i>generalização respondente</i>).
A situação seria assaz mais complicada caso Paulo voasse acompanhado de
Cecília, sua esbelta colega de trabalho. Mas a origem dessas sensações,
ou ao menos seus aspectos rudimentares, provavelmente remonta a
experiências tenras do ciumento, como quando teve de aprender a dividir a
atenção da mãe com o pai ou dos pais com um irmão recém-nascido. O fato
é: não entramos na adolescência ou na fase adulta sem que tenhamos
passado por situações de apego anteriormente, e o que sentimos e, a
propósito, o que fazemos para lidar com esses sentimentos são respostas
gradativamente modificadas -- da infância à velhice.<br />
<br />
Comportamentos públicos, entre os quais a verificação, a perseguição e o inquérito, são aprendidos e mantidos <b>em função de suas consequências</b>.
A expressão de insegurança, por exemplo, pode ser mantida por
declarações atenuantes como "Eu só tenho olhos para você" e "Eu não
trocaria você por ninguém" e por gestos como beijos, abraços, presentes e
sexo. Condutas imponentes, coercitivas, como quando o ciumento exclama
"Não quero que você saia com suas amigas!", podem ser reforçadas (ter sua frequência aumentada) à
medida que são aceitas sem resistência. Em quaisquer dessas ocasiões, o
ciumento aprenderia que suas dúvidas e incômodos podem ser resolvidos à
medida que os expressa, assertiva ou agressivamente. Segundo Menezes e
Castro (2001), por ser reforçado (negativa e positivamente) por esquema
intermitente, a extinção do ciúme leva tempo para ocorrer.</div>
<br />
<div style="text-align: center;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6TB42eihKTx3AxoGNH4HhE-QZb-Q3w4UcEjdedv6Hzw_mBV3OetRoJawHm9ajUvWGrTuKYCmVmXOHhFRwJruHBctjS3eFRZkcJDqk3GmaoTd6rUu-UitEDQJ8pruRCeRIekfKCG3zG2Qg/s1600/briga-ciumes-2.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6TB42eihKTx3AxoGNH4HhE-QZb-Q3w4UcEjdedv6Hzw_mBV3OetRoJawHm9ajUvWGrTuKYCmVmXOHhFRwJruHBctjS3eFRZkcJDqk3GmaoTd6rUu-UitEDQJ8pruRCeRIekfKCG3zG2Qg/s1600/briga-ciumes-2.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">As formas de sentir e de lidar com o ciúme são aprendidas, e portanto podem ser modificadas.</td></tr>
</tbody></table>
</div>
<br />
<br />
<b>De volta à savana</b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Tendo traçado um panorama dos prováveis <b>processos de aprendizagem</b>
relacionados ao ciúme, Nazaré comenta que "evolucionistas e analistas
do comportamento compartilham a concepção segundo a qual o ciúme
consiste numa emoção filogeneticamente determinada". Como uma resposta
adaptativa da espécie, o ciúme teria surgido "para solucionar um
problema recorrente de sobrevivência e reprodução: a ameaça real da
traição" (Buss, 2000). Nesse sentido, o ciúme seria um produto de
contingências de sobrevivência que conferiu vantagens reprodutivas
àqueles que o manifestaram. Para os homens, o ciúme os protegeria, por
exemplo, contra os riscos de investir tempo e energia no cuidado de
filhos que não são seus. Para as mulheres, o ciúme afastaria a
possibilidade de uma rival retirar a segurança emocional (<i>e material</i>,
devo acrescentar) para com ela e filhos. Fisher (1995), em síntese,
assume que "o ciúme ajuda a restringir a prevaricação [perversão,
traição] das mulheres e o abandono por parte dos homens". Com efeito,
indivíduos com esses traços comportamentais teriam tido vantagens
reprodutivas (gerariam mais descendentes) e, gradativamente, o grupo dos
assaz relaxados teria minguado.<br />
<br />
Em seu livro <i>Compreender o Behaviorismo</i>
(2006),(2) William Baum sublinha que "a maior parte dos genes que um
indivíduo herda foi selecionada ao longo de muitas gerações porque
promovem comportamentos que contribuem para o sucesso na interação com o
ambiente e na reprodução" (p. 73). Ao largo da doutrina da tábula rasa,
às vezes erroneamente associada ao behaviorismo radical, Baum comenta
que não poderíamos "aprender todos padrões [comportamentais] complexos
que aprendemos sem uma elaborada base de tendências previamente
incorporadas" (p. 78). Há centenas de milhares de anos atrás, nossos
ancestrais do sexo masculino não contavam com exames de ADN que os assegurassem que
estavam captando recursos para e defendendo, com unhas e dentes, seus
próprios filhos. Contra a tragédia de multiplicar genes de seus rivais, a
seleção natural os contemplou com certa dose de ciúme. Essa sensação,
ou esse misto de sensações, passaria a controlar certas classes de
respostas verbais (como gritos e expressões de fúria) e físicas, quer
fosse contra a fêmea (de forma a reprimir seus comportamentos
promíscuos), quer fosse contra os machos, que a cortejavam ou
aparentemente pretendiam fazê-lo.</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Essas
disposições inatas são algo como um repertório comportamental básico
modelado pelas contingências de sobrevivência. O elenco desse
repertório, denominado <i>padrões fixos de resposta</i>, fazem com que
os indivíduos comportem-se de forma adaptativa sem que tenham
anteriormente passado por processos complexos de aprendizagem. Conforme
ilustra e explica Baum (<i>Ibidem</i>):</div>
<br />
<blockquote style="color: #999999;">
<div style="text-align: justify;">
Quando
passa a sombra de um falcão em vôo, o filhote de codorna se encolhe
como se estivesse paralisado. Se essa reação dependesse de experiência,
poucos filhotes de codorna sobreviveriam para se reproduzir [...]
genótipos que exigissem que tais padrões fossem aprendidos a partir do
zero seriam menos aptos do que genótipos que já trouxessem a forma
básica incorporada (pp. 77-78). </div>
</blockquote>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Baum
pontua que os padrões fixos de resposta não são rígidos, inflexíveis,
podendo ser modulados pelas consequências. Daí que, a partir das
interações que fazemos com nossos pares ao longo da vida, quer seja com
pais e irmãos, como enfatizam os psicanalistas, quer seja com namorados e
cônjuges, dá-se a possibilidade de ser regulados, <i>a partir das consequências</i>,
os traços que herdamos dos nossos ancestrais. E é nesse escopo, o
ontogenético, que os analistas do comportamento são peritos e podem
atuar de forma a ajudar o ciumento -- e o seu parceiro, é claro.</div>
<br />
<b>Mais algumas palavras</b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Mais
do que discorrer exaustivamente sobre o ciúme, tive como objetivo
central neste texto divulgar a ideia de que é possível, simples e<i> desejável</i>
fazer com que a análise do comportamento dialogue com disciplinas
evolucionistas. O arsenal de comportamentos possíveis de um organismo é
não só limitado pelas condições ambientais que o entornam (e o entornaram), mas também
pelas disposições que lhe são geneticamente concedidas por seus
progenitores. Se homens e mulheres, por exemplo,
manifestam padrões comportamentais distintos, como patentemente ocorre
no campo das relações interpessoais, parte disso certamente decorre de
diferenças genéticas. Embora a cultura, através da mídia ou da
vizinhança, possa estabelecer regras e incentivar ou reprimir certas
condutas, não podemos fechar os olhos para as prováveis influências
genéticas sobre o estabelecimento desses padrões. O ciúme, o tabu do
incesto e o casamento são exemplos de universais humanos, sendo
improvável que tenham, em cada esquina do planeta, brotado do acaso ou
sido inspirados por Deus. Se quisermos compreender as raízes
do comportamento humano, devemos cavar para além da primeira infância.
E, se quisermos acompanhar o avanço da ciência contemporânea e ser
reconhecidos e apoiados por membros de outras disciplinas, devemos
direcionar nossos ouvidos a Darwin, tomado por alguns como <a href="http://olharbeheca.blogspot.com/2010/10/darwin.html">o avô do behaviorismo radical</a>.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Sobre o ciúme, espero que tenha ficado claro que, embora
seja natural (no sentido de ser comum e até mesmo esperado em uma
relação romântica), pode passar da conta e fazer com que os laços se
afrouxem ou rompam. Diante disso, tanto o ciumento como o seu parceiro podem procurar, individualmente ou em casal, ajuda profissional.</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<b><br />Notas </b><br />
<br />
(1) Os behavioristas são eventualmente criticados, sobretudo
pelos cognitivistas, sobre uma suposta ignorância ou descaso acerca dos
aspectos filogenéticos do comportamento.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
(2) Estou, neste momento, extrapolando a leitura que fiz do artigo em questão.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
<b>Referências</b><br />
<br /></div>
<ul style="text-align: justify;">
<li>Baum, W. M. (2006). <i>Compreender o behaviorismo: comportamento, cultura e evolução</i>. Porto Alegre: Artmed.</li>
<li>Buss, M.D. (2000). <i>A paixão perigosa</i>. RiodeJaneiro: Objetiva. </li>
<li>Costa, N. (2005). Contribuições da psicologia evolutiva e da análise do comportamento acerca do ciúme. <i>Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva</i>. Vol. VII, número 1, 5-513. </li>
<li>Fisher, H. E. (1995). Eros: a emergência das emoções sexuais. Em Fischer, H. E. <i>A anatomia do amor: a história natural da monogamia, do adultério e do divórcio</i>. Rio Grande do Sul: Eureka.</li>
<li>Menezes, A., & Castro, F. (2001). <i>O ciúme romântico: uma abordagem analítico-comportamental.</i> Trabalho apresentado no X Encontro Brasileiro de Medicina e Terapia Comportamental (Campinas,SãoPaulo).</li>
<li>Pines, A. M. (1992). Romantic jealousy theshadowof love. <i>Psychology Today</i>, <i>25</i>(2), 48-55.</li>
</ul>
Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-22240643485247473592011-10-01T14:10:00.000-07:002012-04-09T19:20:21.096-07:00Divulgando a (neuro)ciência<div style="text-align: justify;">
Aproveitando a onda do <a href="http://www.5simposioneurociencias.chsd.com.br/">V Simpósio de Neurociências da UFMG</a>,
que ocorreu entre os dias 19 e 24 de setembro, professores e monitores
se mobilizaram para receber a comunidade belo-horizontina em uma série
de atividades de extensão. A <i>I Semana de Neurociências da UFMG</i>,
título que recebeu a mobilização, constituiu de exposições,
oficinas, grupos de discussão e visitas organizadas a alguns dos
laboratórios da universidade. Como ex-aluno da especialização e monitor,
tive o privilégio de conduzir, em companhia da sagaz e simpaticíssima
Suzan Ribeiro, uma breve mas divertida apresentação do que é a
neuropsicologia. Bem mais do que espectadores, cerca de oitenta alunos
do ensino médio tiveram a chance de participar -- perguntando, jogando e
discutindo -- de atividades relacionadas a essa emergente ramificação da
neurociência. Tudo, é claro, sem perder de vista a proposta
interdisciplinar do projeto.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhTqhjWf-3ECle-a_XEt1toZx_AgX4fYfHE5tipv5sy-JasQ52b0upQ0GSyo5k1pcfmX_SxGJ5lSUu8sXvMQkIHMR_F-SiHdMGz-d4NJ6gjo8mpYts4Qfa4Ivl1IOqRtzaf5sJdNuZJXuqO/s1600/semana+neurociencia2011+%252814%2529.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="227" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhTqhjWf-3ECle-a_XEt1toZx_AgX4fYfHE5tipv5sy-JasQ52b0upQ0GSyo5k1pcfmX_SxGJ5lSUu8sXvMQkIHMR_F-SiHdMGz-d4NJ6gjo8mpYts4Qfa4Ivl1IOqRtzaf5sJdNuZJXuqO/s320/semana+neurociencia2011+%252814%2529.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Alunos do ensino médio no laboratório de neuroanatomia.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br />
<a name='more'></a></div>
<div style="text-align: justify;">
Tendo
recebido dos professores Arthur Kummer e Karen Torres(1) as coordenadas
iniciais, Suzan e eu elaboramos um material simples mas atraente,
recheado de exemplos e imagens, que abordava o conceito, os objetivos e
os métodos básicos da neuropsicologia. Após falarmos sobre as relações
do encéfalo com a cognição e o comportamento, trouxemos ao palco o
curioso <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Phineas_Gage">caso Phineas Gage</a>,
o ferroviário que teve sua personalidade e algumas funções cognitivas
-- como o planejamento, o controle de impulsos e o automonitoramento --
morbidamente alteradas em razão de um acidente. Estando certamente entre os três pacientes mais citados em aulas e livros de
neurociência, Gage teve boa parte de seus lobos frontais, vistos por
alguns como "o órgão da civilidade", estraçalhados por uma barra de
metal.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6D7CjmBhyJgMeuxc5ygmCT7xjohccksGPgF0j_ZzN9HcgKbm9tWqKd4U8Wy0mlHZ_BYFQBhrHCc1D3Hdt7wVTWfCkB0Jtf53HiY9sqIoCbC6LmAEo4b94LrjgZN-drOUomVozoGvvrCcg/s1600/Phineas-Gage_neuropsicologia_lobos+frontais.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="130" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6D7CjmBhyJgMeuxc5ygmCT7xjohccksGPgF0j_ZzN9HcgKbm9tWqKd4U8Wy0mlHZ_BYFQBhrHCc1D3Hdt7wVTWfCkB0Jtf53HiY9sqIoCbC6LmAEo4b94LrjgZN-drOUomVozoGvvrCcg/s320/Phineas-Gage_neuropsicologia_lobos+frontais.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Phineas Gage, a
barra de metal com a qual trabalhava e seus crânios ilustrado e real.
Depois do acidente, seus conhecidos diziam que "Gage não era mais Gage".</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br />
Mais
adiante, descrevemos as principais funções cognitivas avaliadas pela
neuropsicologia (sobretudo as <i>executivas</i>, que tanto dependem da
integridade dos lobos frontais) e explicamos que a plasticidade
neural possibilita tanto a reabilitação como o treinamento neuropsicológico. E, para fechar com chave de ouro, demos
aos participantes a chance de vivenciar, através de jogos
computadorizados, amostras do que seriam tarefas neuropsicológicas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiktru1O6BcV8qPeGVGYveG5L3yHGuV7T_yhxiVJQaCd7zBa0yKZWVaN6tzWDYnLEla94vRPily9iL1TmpoBxnVRt3tuiq7Xxbem4I6mIpnbpiDwItOjy5HtDaiimkKMDSZ2QBZXUiGOYQ4/s1600/SAM_1475+-+C%25C3%25B3pia+%25282%2529.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="203" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiktru1O6BcV8qPeGVGYveG5L3yHGuV7T_yhxiVJQaCd7zBa0yKZWVaN6tzWDYnLEla94vRPily9iL1TmpoBxnVRt3tuiq7Xxbem4I6mIpnbpiDwItOjy5HtDaiimkKMDSZ2QBZXUiGOYQ4/s320/SAM_1475+-+C%25C3%25B3pia+%25282%2529.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Momento em que os alunos participaram, jogando, de amostras de uma avaliação neuropsicológica. Da esquerda para a direta: Daniel, João Vitor(1) e parte de seus colegas.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Em
complemento à visita aos laboratórios de anatomia, de neurociência
comportamental e de engenharia biomédica, esperamos ter tanto suscitado
espanto e curiosidade como, de forma modesta mas excitante, ter ensinado aos alunos alguns princípios
rudimentares do que é a neurociência. Deve ser assim, com empenho, cuidado e sensibilidade, a forma de tocarmos o coração, digo, o encéfalo dos jovens para as maravilhas e os enigmas que a ciência, e em especial a neurociência, pode abordar.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Nota</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
(1) Gostaria,
mais uma vez, de agradecer aos professores Arthur Kummer e Karen Torres
pela belíssima e proveitosa oportunidade. Colaboradores como David
Rodrigues, pós-doutorando, e Davidson, da informática, e os guias, que
conduziram os alunos, tiveram um papel igualmente imprescindível para o
andamento e a excelência das atividades. As fotos utilizadas nesta matéria foram concedidas pelo cordial e interessado aluno João Vitor Mello.</div>Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-74975458844132587112011-09-02T18:47:00.000-07:002011-09-02T18:47:05.667-07:00V Simpósio de Neurociências da UFMG<div style="text-align: justify;">
Estão abertas as inscrições para o <a href="http://www.5simposioneurociencias.chsd.com.br/"><b>V Simpósio de Neurociências da UFMG</b></a>, cujo tema será <i>Interfaces com a Engenharia Biomédica</i>. O evento acontecerá entre os dias 19 e 24 de setembro de 2011. Clique <a href="http://www.cursoseeventos.ufmg.br/CAE/DetalharCae.aspx?CAE=4941">aqui</a> para se inscrever. Para conferir a programação geral, clique <a href="http://www.5simposioneurociencias.chsd.com.br/index.php?controller=Program&action=1&view=2">aqui</a>.</div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjWA6Fb0cQTn2jW7al3KQx2MoZq48ENv65wCS6o7sw3PXelfTec09eUISPRcqg8-izjgsKTu-7l7OyaWxiFhhZueKbgBIi2PMi3zn8U2TiEl9zp_9CS9VwdQGCAbYQhlR71pO4oNpXga90p/s1600/V+simp%25C3%25B3sio+de+neuroci%25C3%25AAncias+ufmg+2011.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjWA6Fb0cQTn2jW7al3KQx2MoZq48ENv65wCS6o7sw3PXelfTec09eUISPRcqg8-izjgsKTu-7l7OyaWxiFhhZueKbgBIi2PMi3zn8U2TiEl9zp_9CS9VwdQGCAbYQhlR71pO4oNpXga90p/s400/V+simp%25C3%25B3sio+de+neuroci%25C3%25AAncias+ufmg+2011.jpg" width="277" /></a></div>
<br />Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com0Campus da UFMG, Belo Horizonte - MG, Brasil-19.8718383 -43.9651325-19.8867713 -43.984873500000006 -19.8569053 -43.9453915tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-16790305936903686922011-09-01T09:40:00.000-07:002012-04-09T20:04:04.318-07:00Falsas memórias: entrevista com a neuropsicóloga Luciana Ávila<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQX7eBOkOgdLsbhE-agkmLtyKcc_ca3WWTG_LjSwgMN5vRxbt0jtnHnqx8UDu2Mk3IUoZuEmHmKXseGiy3xxdGPemIhG0YqzFowCJYPsZhJdHutALcgJc4w1PY-I3lSZ80TWTf1Fn5rZsw/s1600/luciana+neuropsicologia+falsas+mem%25C3%25B3rias.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQX7eBOkOgdLsbhE-agkmLtyKcc_ca3WWTG_LjSwgMN5vRxbt0jtnHnqx8UDu2Mk3IUoZuEmHmKXseGiy3xxdGPemIhG0YqzFowCJYPsZhJdHutALcgJc4w1PY-I3lSZ80TWTf1Fn5rZsw/s200/luciana+neuropsicologia+falsas+mem%25C3%25B3rias.jpg" width="146" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
Quer seja no cotidiano, quer seja na clínica psicoterápica ou em condições de pesquisa, somos eventualmente requeridos a recordar de situações que presenciamos, vivenciamos ou lemos e ouvimos através de algum veículo de comunicação. Acontece que, no entanto, o registro e a recordação dessas experiências nunca é fiel: estamos inexoravelmente sujeitos ao erro. Para abordar esse interessante e inquietante assunto, o graduando em Psicologia <a href="http://psicologiarg.blogspot.com/">Cláudio Drews</a> e o psicoterapeuta Daniel Gontijo entrevistaram Luciana M. Ávila, mestre em Psicologia Social e da Personalidade (PUC-RS), psicoterapeuta e neuropsicóloga. Em seu mestrado, Luciana investigou a influência dos traços de personalidade sobre as falsificações de memória.<br />
<br /></div>
<a name='more'></a><br />
<b>1) Primeiramente, Luciana, o que é memória e o que são falsas memórias? Como elas estão inseridas em nosso dia-a-dia?</b><br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Em primeiro lugar, é importante ressaltar o fascínio que a memória exerce em função de sua complexidade. Podemos afirmar com tranquilidade que “somos aquilo que recordamos”. É através da memória que temos uma sensação de continuidade e é através dela que damos significado à nossa personalidade. Podemos conceituar memória como aquisição (também entendida como aprendizagem), conservação e evocação de informações (nossas lembranças). Entretanto, a memória também tem seu lado obscuro e frágil. Pode-se esquecer de forma rápida ou gradual de eventos importantes ou até mesmo distorcer o passado de forma surpreendente. Uma das falhas de memória são as falsas memórias (FM). As falsas memórias caracterizam-se pela lembrança de eventos que na realidade nunca ocorreram. As informações são armazenadas na memória e, mais tarde, são recordadas como se tivessem sido verdadeiramente vividas. As FM incluem distorções na maneira de recuperação da memória armazenada, incluindo interpretações e inferências do indivíduo. Essas falhas podem trazer prejuízos importantes em nosso dia-a-dia, já que acreditamos sinceramente que nossa recordação é verdadeira, fazendo com que possamos trazer uma riqueza de detalhes impressionantes sobre falsos episódios. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>2) Qual a principal teoria explicativa sobre falsas memórias?</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Um dos modelos teóricos explicativos para a compreensão das falsas memórias mais aceito atualmente é a Teoria do Traço Difuso – TTD (no original em inglês, Fuzzy Trace Theory de Reyna e Brainerd, 1995, 2005). Segundo essa teoria, a memória não é um sistema unitário, mas constituído de múltiplos sistemas independentes, contendo representações literais e de essência. Enquanto que a memória de essência armazena somente o significado do fato ocorrido, a memória literal contém em si as lembranças dos detalhes específicos sobre o evento. Assim, segundo a Teoria do Traço Difuso, as falsas memórias ocorrem em função da lembrança de informações acerca do sentido das experiências (memórias de essência). Na recordação dos eventos, aspectos específicos e detalhados (memórias literais) acabam dando lugar aos aspectos e representações de essência das lembranças – mais gerais e amplas. </div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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<b>3) Como fica o papel da emoção nas falsas memórias?</b></div>
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<br /></div>
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Atualmente, as emoções são definidas como coleções de respostas cognitivas e fisiológicas acionadas pelo sistema nervoso que preparam o organismo para se comportar frente a determinas situações. Várias pesquisas vêm sendo desenvolvidas para identificar os padrões de interações entre emoção, cognição e comportamento. Diante disso, também surge o interesse em pesquisar como a emoção interage com a memória e, particularmente, com as falsificações de memória. De uma maneira geral, os resultados dessas pesquisas indicam que lembramos mais de eventos emocionais do que não emocionais. Entretanto, estudos mais recentes também vêm indicando que, especialmente em se tratando de eventos emocionais, o aumento no índice de memórias verdadeiras pode vir acompanhado por um aumento no índice de falsas memórias. Ou seja, o fato de lembrarmos mais de eventos emocionais não significa que essas lembranças sejam imunes às distorções. </div>
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<b>4) Em seu mestrado, você pesquisou o papel das diferenças individuais na suscetibilidade às falsificações de memória. Quais traços de personalidade estão mais relacionados à qualidade da memória?</b></div>
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<br /></div>
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Entre os diversos aspectos que englobam o tema falsas memórias, o que mais me encantou foi a seguinte questão: por que algumas pessoas apresentam uma maior suscetibilidade às falsas memórias do que outras? Estudos que relacionam diferenças individuais e falsas memórias procuram responder o que torna algumas pessoas mais vulneráveis do que outras na produção e aceitação de falsas informações. Pesquisas têm sugerido que as diferenças individuais, especialmente certos tipos de traços de personalidade, podem exercer influência significativa na precisão de nossa memória. Em meu mestrado, utilizei o modelo dos Cinco Grandes Fatores de McCrae e Costa (1997). Verifiquei que pessoas com altos níveis de neuroticismo, que apresentam características como instabilidade emocional, baixa autoestima, depressão e vulnerabilidade, além de afetos negativos e respostas de coping mal adaptadas – características associadas a uma maior suscetibilidade às falsas memórias –, apresentam maior número de distorções mnêmicas. Essas distorções ocorrem já que pessoas com essas particularidades possuem dificuldades em estabelecer avaliações críticas e apresentam uma necessidade de reduzir sensações de incerteza, demonstrando menor confiança em suas próprias recordações.</div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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<b>5) As falsas memórias possuem dois campos de aplicação: a área clínica e a jurídica. Quais suas implicações em ambas as áreas?</b></div>
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<br /></div>
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No campo da área clínica, os estudos de falsas memórias podem ajudar já que as sessões terapêuticas normalmente giram em torno de experiências emocionalmente significativas para o paciente e que geralmente partilham de uma mesma essência (p. ex., problemas de relacionamento com a mãe). Diversos casos relatados na literatura de recuperação de lembranças falsas, fruto de procedimentos utilizados por terapeutas, que muitas vezes desconhecem como a memória humana funciona, têm preocupado pesquisadores. Os terapeutas podem ter lembranças falsas sobre o relato de seus pacientes ou, até mesmo, baseados em suas interpretações do que está ocorrendo com o paciente, podem prover sugestão de falsa informação ao longo das sessões psicoterápicas. O estudo dos mecanismos envolvidos nesse processo pode auxiliar no desenvolvimento e aprimoramento de técnicas de entrevista e de intervenção terapêutica que minimizem a ocorrência ou impacto dos erros de memória. Já no meio jurídico, os estudos de FM obtiveram destaque, principalmente relacionados à fidedignidade no relato de testemunhas de contravenções em geral. É preciso que se utilizem técnicas confiáveis em coleta de testemunho, uma vez que com base em falsas memórias indivíduos inocentes podem ser acusados de crimes que não cometeram. </div>
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<b>6) Como identificar uma falsa memória?</b></div>
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Ao considerar o fenômeno das falsas memórias, nos deparamos exatamente com esse desafio: como determinar se uma pessoa está realmente baseando seu relato em memórias verdadeiras ou em falsas memórias? Será possível saber a probabilidade de uma memória ser real ou distorcida? Infelizmente essas questões ainda não foram inteiramente respondidas pela ciência, já que as falsas memórias são um fenômeno de base mnemônica e não estritamente de base social, como mentiras ou simulações ocorridas por pressões sociais. Sendo assim, a pessoa deposita um alto grau de confiança em sua recordação, tornando-se difícil a comprovação da veracidade das informações. Porém, considerar suas aplicações clínicas e jurídicas – com os cuidados que devemos ter nessas duas áreas – e compreender que certas pessoas com determinadas características e traços de personalidade apresentam maior suscetibilidade para a produção de FM nos aproxima de variáveis que contribuem para a resposta de algumas dessas questões.</div>Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-56398578833483316442011-08-13T17:07:00.000-07:002013-02-18T12:14:49.741-08:00Contingências, coincidências e superstições<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEioKOaw4GyOB9WjMGi1YwI2eEY2pa_pY1CCV64e7Q-UyNsrwDt_MVsVbwXTrStLoE-uUy9Cjx5rx1640CoYhY_H5zo4ScjO_1UGmsJ343_JAylasNrz5zThWl3r6I683JC1M_EPE1VAZ04R/s1600/telepatia.jpg" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEioKOaw4GyOB9WjMGi1YwI2eEY2pa_pY1CCV64e7Q-UyNsrwDt_MVsVbwXTrStLoE-uUy9Cjx5rx1640CoYhY_H5zo4ScjO_1UGmsJ343_JAylasNrz5zThWl3r6I683JC1M_EPE1VAZ04R/s200/telepatia.jpg" width="190" /></a></div>
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Às vezes, andando pelo centro de Bom Despacho, minha cidade natal, avistava de longe um amigo ou conhecido. Quando nos aproximávamos, notava que a pessoa que avistara não era quem eu havia imaginado. Isso acontecia com certa regularidade, e o que estava por vir deixava-me com uma pulga atrás da orelha. Alguns minutos após o engano, eu acabava eventualmente encontrando meu conhecido. Impressionado, deixava-me seduzir pela ideia de que aquele equívoco se tratava de <b>premonição</b> (sinal de que algo vai acontecer) ou <b>telepatia</b> (sentir à distância). Era excitante imaginar que podemos ter superpoderes ou estranhas habilidades superdesenvolvidas. <i>Era</i>. Hoje, mais cético e instruído sobre o comportamento humano, tenho nas mangas explicações razoáveis para os eventos que nos convidam à superstição e à pseudociência.</div>
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<a name='more'></a><br />
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<b>Contingências e coincidências</b></div>
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<br /></div>
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Apoiada na literatura behaviorista radical, Souza (2001) assevera que, "em sentido geral, <i>contingência</i><b><i> </i></b>pode significar qualquer <i>relação de dependência</i> entre eventos ambientais ou entre eventos comportamentais e ambientais" (destaques meus). Vejamos alguns exemplos de eventos contingentes: </div>
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<br /></div>
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<li>Se trabalhamos, então ganhamos dinheiro;</li>
<li>Se somos alertados sobre o perigo da estrada, então dirigimos com mais cautela;</li>
<li>Se comemos ou avistamos alimentos que nos apetecem, então salivamos.</li>
</ul>
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<br /></div>
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Souza, citando Todorov (1989, p. 354), ressalta que "a cláusula 'se' pode especificar algum aspecto do comportamento ou do ambiente, e a cláusula 'então' especifica o evento [...] consequente. Assim, os enunciados [como os descritos acima] apresentam-se como 'regras' que especificam essas relações entre eventos". Trocando em miúdos, certos eventos (como salivar e ganhar dinheiro) <i>tendem</i> a ocorrer na ocasião ou no contexto em que outros eventos (como ser exposto à comida e trabalhar) se fazem presentes. A <i>relação de dependência</i> entre eventos é comumente denominada <i>relação causal</i>, mas o behaviorismo radical a concebe como uma relação funcional(1) ou contingência.</div>
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<br /></div>
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Estamos lidando com eventos comportamentais, e comportamentos são relações organismo-ambiente. Pensamentos, emoções e condutas públicas são ocorrências naturais e dependentes dos fenômenos mundanos. Não há dualismo; não há mundos paralelos. Toda atividade humana é <i>determinada</i> e, por se tratar de um conjunto de interações, igualmente <i>determinante</i> -- ambiente e organismo modificam-se mutuamente. Essas interações podem ser observadas, inferidas, medidas, controladas e mesmo previstas. A dependência entre eventos nos possibilita fazer, e fazemos, uma ciência do comportamento. </div>
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<br /></div>
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Mas vejamos as seguintes situações:</div>
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<br /></div>
<ul style="text-align: justify;">
<li>Relampejou quando abri a janela;</li>
<li>O ônibus parou no ponto assim que cheguei;</li>
<li>Sempre que aperto o botão com a mão direita, o elevador chega logo;</li>
<li>Paulo usa sempre a mesma lapiseira para fazer provas; diz que isso faz com que ele escreva respostas corretas (Souza, 2001).</li>
</ul>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Souza chama atenção para o fato de que abrir uma janela e, no mesmo momento, um relâmpago cortar o céu <i>não</i> se refere a uma relação de dependência. "Os dois eventos podem ocorrer temporalmente próximos, mas de modo totalmente independente: o relâmpago teria ocorrido quer eu abrisse ou não a janela." Por essa razão, relações como essa não são contingentes/dependentes, mas de <i>contiguidade</i>, <i>acidentais</i> ou <i>coincidentes</i>. Não há uma relação de dependência entre chegarmos no ponto e o ônibus imediatamente despontar na esquina. Similarmente ao caso do relâmpago, o ônibus teria dobrado a esquina naquele momento independentemente de o querermos pegar. Há não mais que uma justaposição, uma relação <i>temporal</i> entre aqueles eventos, e agir como se fossem contingentes (ou causalmente relacionados) caracteriza a superstição.</div>
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<br /></div>
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<b>Superstição</b></div>
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<br /></div>
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Somos curiosos e inteligentes. Quando certas coisas ocorrem, tendemos a indagar "Por quê?". Formular regras que descrevem o funcionamento do mundo é, em última análise, uma questão de sobrevivência. Podemos confeccionar regras ao fazer parte de ou observar certos acontecimentos, como quando um blogueiro verifica que seus textos de divulgação científica são mais acessados e comentados do que os de filosofia. Essa observação, que poderia gerar uma regra como "As pessoas interessam-se mais por divulgação científica", tende a aumentar a probabilidade de aquele blogueiro postar textos sobre o tema que levou suas estatísticas às alturas. Por aumentar a frequência desse comportamento (postar textos sobre divulgação científica), dizemos(2) que aquelas consequências (mais acessos e comentários) o <i>reforçam. </i></div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Pode acontecer, entretanto, de um blogueiro desatento realizar observações equivocadas. Em vez de abstrair a regra "Se posto textos de divulgação científica, então tenho mais acessos e comentários", poderia inferir "Se coloco mais imagens ao longo dos textos, tenho mais acessos e comentários". Como não há uma relação de dependência entre publicar imagens e receber mais comentários, dizemos que o comportamento de postá-las é <i>supersticioso</i>. O comportamento supersticioso "trata-se de um tipo de comportamento no qual existe apenas uma relação <i>acidental</i> entre uma resposta [publicar imagens] e a apresentação de um evento subseqüente [receber comentários]" (Santos & Micheletto, 2010, destaque meu). Em vez de publicar mais textos de divulgação científica, nosso blogueiro começaria a publicar textos variados adornados com inúmeras figuras.</div>
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<br /></div>
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Voltemos ao caso do ônibus. Maria, atrasada para uma entrevista de emprego, está diante de uma excelente chance de transformar sua vida. Mesmo que apressada, faz uma prece e, logo ao sair de casa, é abordada por um mendigo. Impaciente, dá-lhe algumas moedas e o deixa falando sozinho. Faltando exatos quinze minutos para a entrevista, Maria chega ao ponto no mesmo instante em que o ônibus desponta na esquina. Pega-o, é entrevistada e consegue o emprego. A partir de então, antes de sair para o trabalho, Maria invariavelmente faz uma pequena prece e dá alguns trocados ao primeiro mendigo que encontrar. Maria: "Essa é a forma [rezar e ajudar os miseráveis] de fazer com que Deus intervenha sobre o mundo de forma a ajudar seus fiéis [conceder-lhes regalias, livrar-lhes do mal etc.]".</div>
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<b>Quebrando o encanto</b> </div>
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<blockquote style="color: #999999;">
<br />
[É] muito melhor, para as afirmações que ainda não foram refutadas ou apropriadamente explicadas, conter a nossa impaciência, nutrir certa tolerância em relação à ambiguidade e esperar -- ou, ainda melhor, procurar -- a evidência de que as confirme ou conteste (Sagan, 1996/2006, p. 258).</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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Costumamos interpretar o mundo conforme a regra "<i>Post</i> <i>hoc, ergo proper hoc</i>" -- expressão latina que significa "aconteceu após o fato, logo foi por ele causado". Mesmo que não possamos descrever por que fazemos o que fazemos, a justaposição de eventos explica por que regamos nossas plantas, por que estudamos para uma prova e por que cuidamos, abraçamos e dizemos "Eu amo você..." -- aprendemos que o crescimento das plantas, o resultado de uma avaliação e o fortalecimento dos laços interpessoais <i>dependem</i> dos ou são causados pelos eventos que os antecedem. No primeiro caso, aprendemos mediante a instrução de uma terceira pessoa. Nos outros, comumente aprendemos na medida em que interagimos com o mundo -- <i>na medida em que somos afetados pelas consequências daquilo que fazemos</i>. Acontece, contudo, que a justaposição de eventos pode gerar ambiguidades e, como vimos, comportamentos supersticiosos. Eventos que se sucedem temporalmente não estão necessariamente em relação contingente ou de dependência uns com os outros; eles podem, em vez disso, ser coincidentes ou acidentais.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Quando contei a um dos meus irmãos sobre minhas fantásticas mas hipotéticas premonições, fui simultaneamente surpreendido e convidado ao pensamento cético. "Interessante, Daniel", comentou Thiago, "mas aposto que, em diversas situações, suas supostas previsões telepáticas falham. Você provavelmente memoriza as que se concretizaram, mas esquece as que falharam." A princípio, frustrei-me com aquela inteligente observação. Era inebriante crer naquelas habilidades atípicas e misteriosas. Mas ele tinha razão, e só mais tarde comecei a entender e a valorizar o ceticismo.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Thiago, naquela época, alertara-me sobre a <i>falácia de selecionar observações</i> (destacamos aquelas que confirmam nossas crenças/desejos e omitimos ou esquecemos aquelas que as refutam). Sagan (1996/2006), sobre a relação desse comportamento com a religiosidade, ressalta que as orações que não foram atendidas tendem a ser esquecidas ou abandonadas. Se uma ou outra de inúmeras orações é seguida de um evento desejado, pode-se crer que Deus de fato nos ouve e manipula os fenômenos do mundo ("<i>Post hoc, ergo proper hoc</i>").</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A parapsicóloga Susan Blackmore, citada por Sagan, assevera que é fácil ser enganado pelo próprio desejo de acreditar. Apenas um exame minucioso e cético pode nos livrar dos enganos, tanto dos bons (ter habilidades atípicas superdesenvolvidas) como dos ruins (ser vítima de mau olhado). O blogueiro pode, aos poucos, refinar suas observações e concluir que a inserção de imagens não é o que explica o aumento de acessos e comentários, e sim o conteúdo de seus textos. </div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
E o que dizer de Maria? Há condições em que podemos observar e manipular variáveis com certa facilidade (como aconteceu com o caso hipotético do blogueiro desatento). Maria, caso deixasse de rezar e ajudar mendigos, poderia notar que as razões pelas quais certos eventos desejados acontecem, como ser promovida, são outras (digamos, trabalhar com empenho, ser simpática com seus colegas de trabalho e cooperar). Ocorre, entretanto, que seus comportamentos supersticiosos são mantidos por regras abrangentes e por relações que estabelece com outras pessoas. Exemplos dessas regras são "Se há um mundo e pessoas, então deve haver um ser superior, Deus, que criou tudo" e "Se há Deus, então podemos ser punidos ou gratificados". Essas ideias podem nos levar a crer que vários, senão todos, eventos do mundo têm um "dedo de Deus". Se Maria questionar como, quanto, quando e se Deus interfere nos acontecimentos, ela pode ser reprimida por aqueles com quem partilha certas crenças. Ainda, se ela crê que Deus -- à semelhança de nós -- pune quem quer que O desagrade, o questionar silenciosamente pode igualmente ser evitado. Quando menos, como é o caso dos "religiosos liberais", o questionamento pode estar presente mas não fazer desvanecer certas regras rudimentares. Exemplos dessas regras são "Deus existe e pode intervir sobre o mundo" e "A morte nos leva a uma outra dimensão de existência", as quais são difícil ou impossivelmente refutadas, <i>sendo portanto mais resistentes à extinção</i> -- o que não quer dizer que não possam ser indiretamente confrontadas.</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<b>Contra o "sussurro de Deus"</b></div>
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<br /></div>
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Há alguns dias atrás, deparei-me com um artigo cujo autor sugere que jamais estaremos livres do "sussurro de Deus". O comportamento supersticioso, e sobretudo o do tipo religioso, seria um subproduto da evolução. Nossos genes codificariam os mecanismos básicos que, juntos, possibilitariam o <a href="http://danielgontijo.blogspot.com/2011/07/teismo-e-ateismo-o-dilema-da.html">desenvolvimento provável da crença religiosa</a>. Sou simpático às teorias evolucionistas. Contudo, desconfio que aquele sussurro seja satisfatoriamente explicado por um processo geral e deveras simples: o <i>condicionamento operante</i>. A disposição, que é herdada, de aprender com as consequências explica a flexibilidade e a riqueza do comportamento humano. Sermos sensíveis aos eventos (isto é, sermos modificados por eventos) que sucedem nossas ações é uma condição <i>sine qua non</i> para a aprendizagem. Se, contudo, certos eventos <i>coincidem</i> com nossos comportamentos, uma associação <i>não-contingente</i><b> </b>pode ser estabelecida. O "sussurro de Deus", ou a religiosidade, seria o resultado de uma série de aprendizagens cujo evento reforçador não é contingente ao comportamento previamente emitido. Esse é o erro do tipo "<i>Post hoc, ergo proper hoc</i>",<i> </i>e nós e boa parte dos demais animais estamos a ele sujeitos. O mesmo processo básico que nos permite desenvolver a inteligência (o condicionamento operante) acaba nos fazendo crer no poder mágico de cristais, água benta e crucifixo, amuletos, preces, pensamentos positivos e, no meu caso, equívocos premonitórios.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Contra o sussurro ou o grito da pseudociência, Sagan (1996/2006) aconselha-nos a ser curiosos, duvidar e investigar. Em casos sobre os quais não temos uma explicação baseada em evidências, levantemos hipóteses e escolhamos, mesmo que provisoriamente, a mais razoável. No meu caso, é mais provável que eu tenha habilidades premonitórias cujos mecanismos são impassíveis de ser investigados ou que, em uma cidade interiorana, eu tenha aprendido, mesmo que inconscientemente, que a certas horas e lugares é possível que eu trombe com fulano ou sicrano, que trabalha ou estuda naquelas proximidades? Embora a primeira opção seja mais excitante, a segunda provavelmente descreve melhor e <i>aproximadamente</i> o que acontecia. Passo a palavra a Sagan:<br />
<br /></div>
<blockquote style="color: #999999;">
<div style="text-align: justify;">
O pensamento cético se resume no meio de construir e compreender um argumento racional -- de reconhecer um argumento falacioso ou fraudulento. A questão não é se <i>gostamos</i> da conclusão que emerge de uma cadeia de raciocínio, mas se a conclusão <i>deriva</i> da premissa ou do ponto de partida e se essa premissa é verdadeira (p. 241).</div>
</blockquote>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<b>Notas </b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
(1) Cruz e Cillo (2008), baseados em David Hume e Ernst Mach, comentam que "o conceito de função irá expressar uma concepção relacional que não tem um fim em si mesma". Em vez de dizermos de relações causais, que trazem a ideia de relações necessárias e suficientes (o que conhecemos como mecanicismo), podemos simplesmente dizer que um evento é função de outro evento, sendo que o primeiro influencia a <i>provável</i> ocorrência do segundo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
(2) Quando falo "dizemos", refiro-me aos behavioristas radicais/analistas do comportamento.<br />
<br />
<b>Referências</b> </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<ul>
<li>Cruz, R. N., & Cillo, E. N. P. (2008). Do Mecanicismo ao Selecionismo: Uma Breve Contextualização da Transição do Behaviorismo Radical. <i>Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Vol. 24 n. 3, pp. 375-385.</i></li>
<li>Sagan, C. (1996/2006). <i>O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro. </i>São Paulo: Companhia das Letras.</li>
<li>Santos, G. M., & Micheletto, N. (2010). Relação entre comportamento supersticioso e estímulo reforçador condicionado: uma replicação sistemática de Lee (1996). <i>Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn.</i>, Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 146-175.</li>
<li>Souza (2001). O que é contingência? <i>Sobre Comportamento e Cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitivista.</i> Banaco, R. A., & Santo, A. São Paulo: ESETec.</li>
<li>Todorov, J. C. (1989). A Psicologia como o estudo de interações. <i>Psicologia: Teoria e Pesquisa</i>, 5, 347-356. Em: Souza (2001). O que é contingência? <i>Sobre Comportamento e Cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitivista.</i> Banaco, R. A., & Santo, A. São Paulo: ESETec.</li>
</ul>
Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com14tag:blogger.com,1999:blog-6987296777344636173.post-70421128339970740112011-08-01T09:45:00.000-07:002013-02-18T12:15:03.143-08:00Ambiente(s), determinismo(s) e mal-entendido(s)<div style="color: #999999; text-align: justify;">
<blockquote>
A história de diferentes povos seguiu diferentes rumos não por causa de diferenças biológicas entre esses povos, mas por causa de diferenças ambientais (Diamond, 1997). No âmbito do que venho estudando, os povos europeus são mais ricos e menos religiosos não em razão de sua maior inteligência, mas em razão de circunstâncias ambientais diferenciadas que caracterizaram seu percurso histórico.</blockquote>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Esse comentário, que postei antes de ontem (30/07) no meu mural do <i>Facebook</i>, rendeu uma discussão assaz interessante e apimentada. Um grande e velho amigo que tenho tomou-o como alvo de críticas contundentes, colou-o e ridicularizou-o em seu próprio mural e reservou-<i>me</i> conselhos e adjetivos depreciativos. Em vista disso, decidi tecer uma breve explicação do que quis dizer com aquelas palavras, bem como tentar resolver alguns mal-entendidos sobre ambiente(s), história(s) e determinismo(s).<br />
<br />
<a name='more'></a></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<b>Armas, germes e aço</b> </div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Naquele dia, preparando um material para um trabalho que estou desenvolvendo com alguns amigos, trombei com uma resenha do livro <i>Guns, genns, and steel: The fates of human societies</i> (1977) do biólogo e geógrafo norte-americano Jared Diamond. Cito algumas asserções de Diamond que chamaram minha atenção: "Diferenças entre pessoas de diferentes continentes têm decorrido de diferenças ambientais, não por diferenças inatas" e "Testes de habilidades cognitivas (p. ex., testes de QI) tendem a medir aprendizagem, não uma inteligência puramente inata, seja lá o que isso for". O trecho que colei no meu mural do <i>Facebook</i> capta a ideia básica dessas afirmações. </div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Diamond, cujo livro foi resenhado por P. A. Lamal (1999), atribui a certas características ambientais o motivo hipotético<i> </i>pelo qual diferentes populações, num passado remoto, mudaram da caça e da coleta para a produção organizada de alimentos <b>em diferentes tempos</b>. Eis algumas dessas características diferenciais:<br />
<br /></div>
<ul style="text-align: justify;">
<li>Presença de animais domesticáveis e plantas;</li>
<li>clima e fertilidade;</li>
<li>barreiras continentais (possibilidades de migração e difusão de práticas culturais) e;</li>
<li>tamanhos de área geográfica e de população.</li>
</ul>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Em suma, variações ambientais teriam determinado <i>quando</i> pessoas de diferentes continentes se tornaram pastores e agricultores, sendo isso um dos prerrequesitos para o desenvolvimento de organizações políticas complexas e tecnologias como a escrita e "armas, germes e aço". Nesse sentido, a vantagem e a prevalência de umas sociedades sobre outras seriam <i>primordialmente</i> configuradas conforme suas possibilidades de interação com o ambiente circundante. Essas diferenças continentais seriam mais favoráveis às sociedades da eurásia do que às sociedades americanas e africanas. "Jared Diamond", conclui Lamal, "apresenta-nos argumentos persuasivos para o papel causal do macroambiente nos destinos das sociedades humanas". </div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Ambiente(s)</b> </div>
<div style="text-align: justify;">
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Embora eu<i> ainda </i>não tenha lido o referido livro do Diamond, tomei suas hipóteses como atraentes e coerentes. Coerentes porque não podemos falar da evolução de espécies, de comportamentos e de sociedades/práticas culturais sem <i>contextualizá-los</i>, isto é, sem analisá-los enquanto objetos inseridos em ambientes com os quais interagem. E atraentes porque são totalmente passíveis de ser estudados conforme os princípios do <b>selecionismo</b>: modelo causal que adotamos enquanto behavioristas radicais, que é adotado pela Biologia Evolucionista e que <i>pode</i> ser adotado pelo nível de análise social (seleção e difusão de práticas culturais conforme suas consequências). (Esclarecer a proposta selecionista pode ser importante para evitar novos mal-entendidos, mas preferirei dar passos adiante para que minha exposição não se torne exaustiva e dispersa.) </div>
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Acontece, contudo, que "o que Diamond chama por <i>ambiente</i> é geografia. A concepção behaviorista de ambiente", ressalta Lamal, "inclui mais que geografia". No nível individual, o termo ambiente se aplica à situação ou contexto no qual o responder (digamos, criticar um comentário) acontece e à situação que passa a existir após o responder (digamos, mudar o comportamento de um amigo). No nível social, poderíamos pensar, por exemplo, no contexto político-econômico no qual revoltas, passeatas, atentados, invasões, golpes, guerras e conquistas acontecem, bem como nas consequências desses eventos. Daí que a riqueza, o nível de religiosidade e até mesmo a inteligência média de uma nação poderiam ser explicados por "circunstâncias ambientais diferenciadas que caracterizaram seu" desenvolvimento.<br />
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<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRJWT8jbwPp_6GmOk9wqxewmPuiCp21kv6_HJy6HhyphenhyphenPGLZkOlJ5rN56Jc7y1l7-7-J_eezs0T6mIf-vjcRrjW6cKrwgFAGp7lusoizdO_cZ1j_p0eCpNAtT9OB29v_7fXjsg4xB8VnidQw/s1600/11-de-setembro-02.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRJWT8jbwPp_6GmOk9wqxewmPuiCp21kv6_HJy6HhyphenhyphenPGLZkOlJ5rN56Jc7y1l7-7-J_eezs0T6mIf-vjcRrjW6cKrwgFAGp7lusoizdO_cZ1j_p0eCpNAtT9OB29v_7fXjsg4xB8VnidQw/s320/11-de-setembro-02.jpg" width="268" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O atentado ao <i>World Trade Center</i>, em 2001, foi contexto para a publicação de uma torrente de livros que apresentam críticas veementes ao comportamento religioso ortodoxo.</td><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><br /></td></tr>
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Desconfio que, ao entendermos a acepção de ambiente tal como proposta pelo behaviorismo radical, boa parte dos mal-entendidos é elucidada. Meu amigo, ao que parece, vinha interpretando que todo o perfil contemporâneo do povo europeu seria explicado por condições ambientais remotas e restritas a características geográficas e de fauna e flora. Embora essas condições possam ter sido <i>primordialmente</i> relevantes, condições e eventos subsequentes <b>não devem ser desconsiderados</b>. Fazê-lo, com efeito, é o mesmo que afirmar -- equivocadamente -- que certos comportamentos que exibimos atualmente são <b>unicamente</b> determinados pelos tipos de relação que estabelecemos com nossos pais e irmãos durante a infância. É verdade, como no caso das sociedades, que essas primeiras relações têm seu poder causal; contudo, é imprescindível levar em conta toda a cadeia de eventos que configurou -- e as condições que mantém -- os padrões comportamentais atuais de uma pessoa. É por isso que precisamos, para compreender um fenômeno social contemporâneo, considerar eventos como migrações, explorações, conflitos, trocas mercantis e popularização da Internet.</div>
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<b>Inteligência e religiosidade</b></div>
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Inteligência é um construto polêmico. O consenso da comunidade científica é o de que inteligência é a capacidade de aprendizagem, de raciocínio e de resolução de problemas (Colom, 2006). Podemos medi-la através de testes cognitivos validados e padronizados; suas medidas estão <b>relacionadas</b> a uma variedade de fenômenos (p. ex., cargo laboral ocupado, renda, saúde e resposta à psicoterapia) e as pessoas variam em termos dessas medições.</div>
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A inteligência média de uma população pode ser estimada, e as sociedades européias geralmente apresentam os maiores escores. Essas sociedades são mais ricas e menos religiosas do que, p. ex., as sociedades africanas e sul-americanas, mas isso não significa que a inteligência seja o fator causal dessas diferenças. Isso deve ter ficado claro no meu comentário: "os povos europeus são mais ricos e menos religiosos não em razão de sua maior inteligência, mas em razão de circunstâncias ambientais diferenciadas que caracterizaram seu percurso histórico". A inteligência, tal como a personalidade e a religiosidade, é um <b>produto </b>-- embora produtos retroajam causalmente sobre eventos subsequentes. Prefiro, portanto, e tal como o faz Diamond, tomá-la como uma <b>medida de</b> <b>aprendizagem</b>. Meu amigo asseverou apropriadamente, mas não com as seguintes palavras, que melhores sistemas de ensino produzem ou modelam certos comportamentos que, em testes de inteligência, tendem a ser classificados como corretos. As nações européias não são geneticamente superiores; seus sistemas educacionais, sim.</div>
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Acerca da relação inteligência-religiosidade, prefiro abordá-la em pormenores numa outra oportunidade.</div>
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<b>Às críticas</b> </div>
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Acredito que, diante de todo o exposto, devo dispensar explicações sobre por que não há racismo, etnocentrismo e biologicismo expressos, explícita ou implicitamente, naquele comentário -- exemplos de rótulos com que fomos (meu comentário, Diamond e eu) carimbados. Como parece ter acontecido com o termo ambiente, deve ter havido, sobretudo por parte dos colegas do meu amigo, interpretações equivocadas e levianas das minhas palavras -- e das do Diamond.</div>
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<b>Considerações finais</b> </div>
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Constatar diferenças individuais e de nações comumente faz irromper uma miscelânea de sentimentos nas pessoas -- dos melhores e dos piores. Contudo, investigar os fatores que promoveram e mantém essas diferenças pode fazer atenuar esses humores. Na verdade, fazê-lo é um primeiro passo para a possibilidade de planejarmos intervenções capazes de diminuir certas diferenças. Essa tarefa vem sendo em parte tomada pelos pesquisadores da Psicologia Diferencial (que estudam sobretudo o desenvolvimento da inteligência e da personalidade), e empreendimentos do tipo podem ser adotados por aqueles que estão envolvidos com as macro e metacontingências -- as relações políticas e econômicas entre populações e sociedades.</div>
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Às vezes, notamos que hipóteses de alguns pesquisadores de um determinado nível de análise, como o cultural ou o filogenético, são erroneamente lidas por pesquisadores de níveis adjacentes. Dicotomias como inato-aprendido e social-individual tendem a ser entendidas para além do seu sentido <b>didático</b>, gerando condições para que brigas infrutíferas e ingênuas comecem a ser tristemente travadas. O ser humano é um animal <b>biopsicossocial</b>, mas apenas no sentido de que podemos analisá-lo nesses distintos <i>mas complementares</i> níveis de análise, a saber, o biológico, o psicológico e o social. A herdabilidade de traços não implica que o ambiente não determine o desenvolvimento desses traços. O joão-de-barro não engendra seu ninho na ausência de barro, esterco e palha, e uma criança só aprende a falar caso seja exposta a um ambiente verbal -- pessoas que conversam umas com as outras e que ensinam seus filhos a fazer o mesmo. A linguagem, a inteligência, a personalidade e, como alguns querem, a religiosidade são herdáveis tão-somente no sentido de que temos, enquanto espécie, os genes que, graças a certas condições nutricionais, codificam mecanismos elementares que, estimulados pelo ambiente social, funcionam de forma que aqueles traços se desenvolvam e sejam detectados por nossos instrumentos (sensoriais e tecnológicos).</div>
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<b>Referências</b> </div>
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<li>Colom, R. (2006). O que é inteligência? Em Flores-Mendoza, C., & Colom, R. <i>Introdução à Psicologia das Diferenças Individuais</i>. Porto Alegre: Artmed. </li>
<li>Diamond, J. (1997). <i>Guns, genns, and steel: The fates ofhuman societies.</i> New York: Norton<i>.</i> </li>
<li>Lamal, P. A. (1999). The Really Big Picture: A Review of Guns, Germs, and Steel: The Fates of Human Societies by Jared Diamond. <i>The Behavior Analyst</i>, 22, 73-76 No. 1 (Spring)</li>
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Daniel F. Gontijohttp://www.blogger.com/profile/05642453169721712475noreply@blogger.com4