Seriam, por exemplo, a Psicanálise, a Análise do Comportamento, a Psicologia Cognitiva e a Psicologia Humanista igualmente eficientes em lidar com o comportamento humano? Alguns de nós somos condescendentes e dizemos que "sim". Outros, que "depende" -- afinal, cada qual lidaria com objetos de estudo específicos e, portanto, trabalharia conforme finalidades dessemelhantes. A própria expressão "lidar com o comportamento", aliás, poderia sugerir o objetivo de apenas uma abordagem (o da Análise do Comportamento) em detrimento do das outras. Mas pode haver uma saída para esse embate. Pedro Henrique Sampaio, analista do comportamento, apresentou-nos na XII Jornada Mineira de Ciência do Comportamento alguns recursos que podem ser usados de forma a encurtar diferenças e facilitar a opção por uma ou outra teoria (não necessariamente do campo da Psicologia). Confira sua exímia exposição nos vídeos abaixo.
Muito bom!!
ResponderExcluirAchei até que vc tinha confundido meu nome com o dele, já que me chamo Pedro Henrique tb!
abraços
Puxa, eu fiz uma leitura completamente diferente desta apresentação. Não a compreendi como uma tentativa de conciliação. Acho que, se eu estiver correto, o ponto chave encontra-se nos "problemas de tradução", quando o palestrante cita Kuhn.
ResponderExcluirE na verdade, as diferenças ultrapassam os problemas de tradução, uma vez que as premissas, independente das figuras de linguagem que sejam utilizadas para expressá-las, são diferentes.
Mas acho muito importante um ponto levantado por ti: o que fazem as terapias cognitivo-comportamentais e comportamentais com o sujeito que chega ao consultório sem uma queixa principal, querendo apenas conhecer-se melhor?
Acho que a resposta a esta pergunta é possível, mas que a formação do terapeuta cognitivo comportamental ou do analista de comportamento deveria ter uma maior ênfase filosófica.
ResponderExcluirAqui na internet, pelo menos nos blogs pelos quais circulo, esse é um problema que parece não existir, pois todos os autores parecem ter um enorme gosto por filosofia e acho que estariam preparados para lidar com essa situação.
Mas para aqueles indivíduos que baseiam-se apenas naquilo que os cursos de formação propiciam ou que restringem as leituras a temas mais circunspectos, acho que esta seria uma dificuldade relevante.
A visão de mundo e de ser humano das terapias cognitivo-comportamentais e comportamentais permite o mesmo tipo de exploração que a psicanálise, pois todas estas abordagens possuem um forte embasamento filosófico por trás delas.
E quanto ao depende... Acho que o palestrante iria concordar, que se o construto psicanalítico é tão válido quanto o cognitivo-comportamento ou quanto o comportamental, os humores aristotélicos também o são e, por conseguinte, deveríamos estar estudando também sobre a bile negra, a amarela e outras... :D
ResponderExcluirE realmente não é uma tentativa de conciliação, Cláudio. É claro que, com algum custo, podemos traduzir conceitos teóricos e práticos de diferentes abordagens e, com isso, identificar umas às outras. Mas por certo haverá diferenças. Eu gostaria de dizer que as diferenças filosóficas são inofensivas... mas as conversas que tive com algumas pessoas na JMCC deste ano transformaram minhas ideias. Para se ter uma ideia, e eu não sei se é exagero, afirma-se que o mentalismo vem atrasando o desenvolvimento da Psicologia. Ouvi também (veja a entrevista que publiquei recentemente no Comporte-se) que diferentes concepções de ética e de liberdade podem promover tantas outras diferenças.
ResponderExcluirO bacana é que muitas dessas diferenças podem ser testáveis. Pedro comenta isso em sua apresentação.
Sobre o "depende", acho que ele cabe apenas quando comparamos explicações de diferentes níveis de análise. Por exemplo, a explicação social para a incidência de transtornos de humor pode, dependendo do escopo da conversa, ser melhor do que a explicação psicológica/comportamental (mas não que invalide a explicação da Psicologia). O mesmo acontece quando comparamos Psicologia e Neurociência. O pluralismo descritivo é interessante porque permite a autonomia das diferentes ciências.
Quando, no entanto, estamos comparando diferentes abordagens dentro de uma mesma ciência, acho que o "depende" não cabe. Seriam paradigmas concorrentes, programas competindo pela melhor resposta para um problema. Não é como no caso das diferentes ciências, onde cada uma contribui ou complementa a visão da ciência vizinha. É aí que entra a crítica do Pedro. Não podemos ser ingênuos e achar que todas as abordagens dizem e fazem as mesmas coisas em linguagens e com ferramentas distintas... e a ciência está aí para nos amparar na modelação de um saber e um fazer efetivos na Psicologia.
Em defesa do "mentalismo", digo que: Skinner elaborou suas ideias há uns 70 anos atrás. A cisão entre mente e cérebro era muito maior do que é hoje. Fazia todo o sentido tentar livrar-se de palavras como "mente".
ResponderExcluirMas hoje, com o conhecimento científico acumulado sobre o cérebro e com a tecnologia disponível, acho que é justo dizer que encontramos a mente, e ela é uma entidade natural e física. Podemos ainda não tê-la delimitado perfeitamente, mas sabemos que ela está lá e não é uma nuvenzinha de uma substância metafísica flutuando no espaço e exercendo sua influência sobre a matéria.
O mentalismo, nas abordagens cognitivas, não mais atrasa o desenvolvimento da psicologia. O que ainda atrasa a psicologia são modelos metapsicológicos ultrapassados que continuam assombrando as graduações em todo o país e a lentidão para absorver o que há de novo num contexto interdisciplinar.
Mesmo o behaviorismo radical precisa evoluir em face à neurociência. Basta procurar o que o behaviorismo radical tem a dizer sobre memória para que se faça notar essa necessidade.
Já diziam há muito tempo: "pedras que rolam não criam limo". :D
Excelente apresentação! Dada a limitação de tempo, expôs bem um problema complexo, muito presente e sintetizou bem uma solução.
ResponderExcluirCom relação ao debate sobre mentalismo, acho que as críticas de Skinner ainda são pertinentes, tal ainda eram quando endossa e atualiza suas críticas em 1990 (ou seja, não tem 70 anos).
Por mais que quase a totalidade dos cognitivistas e neurocientistas se digam monistas, isso que aparenta ser apenas um problema vernacular tem implicações práticas tremendas. Isso pode ser claramente observado em pesquisas cognitivas e neurocientíficas diversas, onde acabam dando a "mente", "cognição" e outros, o caráter de constructos, ou "eu iniciador", que é toda a crítica skinneriana.
Além de ser desnecessário e abrir margem para confusões.
É como se os físicos, ao descobrirem que não existe nada como o éter, que era o que utilizavam para explicar as relações causais entre corpos separados no espaço (como o efeito da gravidade), decidissem ainda assim preservar o termo "peter", dizendo: "Bem, descobrimos que de fato não existe essa entidade imaterial chamada "éter", mas vamos continuar chamando de "éter" a explicação naturalista que temos hoje para explicar o que o éter explicava. Entendam éter então como efeito da distorção espaço-tempo e outras consequências da mecânica quântica."
Me parece desnecessário e que abrirá margem para várias confusões. Na dificuldade para explicações naturalísticas, a facilidade de utilizar o "éter" como entidade rapidamente toma lugar e é exatamente a mesma coisa que observamos nas ciências cognitivas e neurociências.
Eliminá-los propiciaria uma economia conceitual tremenda, alteraria a prática, abriria a porta para novas pesquisas e novas formas de pesquisar.
Gostei do post e dos comentários e gostaria de tecer os meus, sobre o último post do Cláudio.
ResponderExcluirÉ certo sim que a Análise do comportamento tem muito a se desenvolver no campo da neurociência e em outros campos.Imagino que isso ocorra dada a amplitude inigualável de variáveis que essa abordagem adota com diferença de outras.Por exemplo a psicanálise trata boa parte do ser humano a partir da sexualidade, relações familiares e linguagem. O comportamento sexual, social em família e verbal são apenas poucos comportamentos em face do mar de comportamentos possíveis a serem investigados.A psicologia cognitiva trata pelo viés do conhecimento e dos mecanismos que levam a esse conhecimento.Por vezes integra também as neurociências.Também é um viés que considera poucas coisas, derrepente, o resto do organismo é esquecido, e outros aspectos do comportamento, como o comportamentos emocionais e sociais ficam em segundo plano(ou seja, são entendidos a partir do conhecimento).A psicologia humanista enxerga o ser humano fundamentalmente pelo viés da ética.Ser humano é ser livre etc, levando a típicas distorções mentalistas.
A análise do comportamento analisa pelo viés do comportamento e sua relação com o mundo, basicamente, engloba tudo que foi falado anteriormente sem dar privilégio a nenhuma dessas áreas, a princípio.
Outro ponto a salientar é que Mentalismo não é apenas usar termos como mente, consciência etc. Considerar a crítica comportamental a postura mentalista, desta forma, é ignorar uma das coisas que o behaviorismo( principalmente o radical) considera mais importante, que é a função do comportamento, seja ele verbal ou não.O problema do mentalismo, então, não são os termos usados mas a função(significado, uso ) dele.
O mentalismo consiste na circularidade lógica de considerar algum comportamento como causa para ele próprio.Seria como tentar explicar o movimento do braço pela existência do próprio braço.Logicamente, um braço só se movimenta se existir, mas isso é uma questão lógica( e talvez ontológica) e não uma explicação.
Dessa forma até usar o sistema nervoso como explicação pode constituir em mentalismo,visto que dividir uma atividade orgânica em partes e dizer que uma parte explica a existência da outra não explica a atividade.
Caros colegas,
ResponderExcluirAcho que o problema em questão fica mais claro quando o concebemos como uma diferença entre internalismo e interacionismo. A "mente cognitivista" realmente não é uma entidade distinta do corpo, como o Cláudio salientou. Por outro lado, tudo quanto esse corpo faz é ainda, por boa parte dos cognitivistas, explicado por essa mente. É nesse momento que o bahaviorista, que é interacionista, puxa a orelha do mentalista, que é internalista (explica a atividade do corpo através de partes deste próprio corpo). Não que uma atividade do corpo não possa ser determinada por eventos antecedentes dentro desse corpo; acontece que boa parte desses eventos são encadeados e padronizados conforme padrões de interação que o organismo estabelece com o ambiente ao longo de sua existência. É aí que o interacionismo entra e brilha.
Contudo, e apesar de eu me posicionar mais proximamente à leitura interacionista, vejo MUITA contribuição relevante advinda das correntes internalistas/estruturalistas. Quero poder escrever algo a esse respeito depois, quando tiver mais tempo.
Um abraço.
Daniel, obrigado por divulgar a palestra, gostei muito da argumentação do Pedro. penso que esse tipo de reflexão faz muita falta nos nossos cursos de graduação (e pós talvez?) hoje em dia, o que prejudica muito a comunicação e colaboração entre colegas da mesma área posteriormente.
ResponderExcluirSem uma noção mais aprofundada do que é o pragmatismo e de como ele é importante para realizarmos nossas pesquisas, buscamos respostas para perguntas erradas, muitas vezes, quando discutimos sobre explicações diferentes do mesmo fenômeno.
As argumentações de construcionismo social e da incomensurabilidade são realmente muito usadas no meio acadêmico como legitimação de determinadas abordagens, e o Pedro de forma muito clara demonstrou os problemas lógicos nesse tipo de argumentação.
Achei bacana o detalhe da resposta que o Kuhn deu para os relativistas, não conhecia isso, mas não consegui identificar em qual artigo ou livro ele o fez. Vc tem o email dele anotado para eu poder pergunta-lo? agradeceria.
Quanto a discussão iniciada aqui acerca do mentalismo, tenho uma posição parecida com a do Cláudio.
César, é verdade que uma das últimas (se não me engano, a última) críticas de Skinner ao mentalismo data dos anos 1990, num artigo publicado na american psychologist. Entretanto, é exatamente durante essa década de 1990 que as tecnologias e aplicações das técnicas de imageamento começam a se desenvolver de uma forma que não teve qualquer paralelo anterior. O que surgiu a partir dai dentro das ciências cognitivas foi algo substancialmente diferente do que existia até a época de Skinner.
Retomando a questão levantada pela palestra, acho que o pragmatismo é um arbitro que facilita muito a nossa vida na ciência: se vc tem um modelo teórico testável, formas de manipular variáveis a partir dessas hipóteses, formas de medir o efeito dessa manipulação e consistência lógica do modelo na explicação de um conjunto de observações empíricas, você é perfeitamente capaz, a princípio, de praticar uma boa ciência empírica. Acho que muitos bate bocas se tornam desnecessários quando nos atentamos para esses aspectos realmente fundamentais sobre o que é fazer ciência.
um abraço,
André
Já que a discussão está boa, vou colocar mais lenha na fogueira (num bom sentido, espero)... :D
ResponderExcluir"É nesse momento que o behaviorista, que é interacionista, puxa a orelha do mentalista, que é internalista (explica a atividade do corpo através de partes deste próprio corpo)" -- 1. existem atividades do corpo que são explicadas através de partes deste próprio corpo, como por exemplo, os movimentos peristálticos ou as batidas do coração, para falar do óbvio... 2. mas neste momento o behaviorista diz que o corpo também é ambiente. Tomando ambiente como tudo aquilo que é físico, não me oporia a descrever a mente como ambiente, mas neste caso abrimos mão de um artifício de argumentação útil em todas as áreas do conhecimento - da matemática à medicina - que é a organização de conjuntos. No mais, em "as origens do pensamento cognitivo", de 1989, Skinner abre mão da "parte sensorial", relegando esta aos fisiologistas, num argumento repetido cerca de uma década depois por Dennett.
Considero a atitude antifilosófica, considerando o significado da palavra filosofia. Se compartimentalização do conhecimento fosse a regra, não existiriam as neurociências. Cérebros estruturalmente diferentes, em interação com o ambiente, geram comportamentos diferentes (Phienas Gage que o diga).
ResponderExcluirQuanto a considerar as diferentes linhas boas para diferentes coisas, neste ponto concordo em grau gênero e número com Skinner. Podemos explicar o amor e qualquer outro fenômeno humano em termos comportamentais, cognitivos, psicanalíticos ou humanistas, mas uma dessas explicações (ou nenhuma) deve necessariamente estar mais correta. Além de um olhar pragmático, acredito que devemos ter um olhar interdisciplinar ao julgar isso.
Prezado André,
ResponderExcluirFico feliz por sua participação no debate. Vou lhe passar o contato do Pedro pelo Facebook.
A respeito do avanço recente da Neurociência, vejo que este não escaparia de todo das críticas de Skinner. Como o César comentou, em vez de explicarmos o comportamento por construtos mentais, estamos fazendo-o por construtos neurais. Tudo bem que materializamos a mente, e isso abre portas para novas intervenções; por outro lado, será que ainda é necessário falarmos de mente? Eu ainda não tenho uma resposta pronta para essa pergunta. Por outro lado, e apesar dos avanços, ainda temos o problema de primar por uma análise internalista/estruturalista. Penso que é importante demais entendermos COMO o encéfalo funciona, mas isso não é o suficiente para explicar POR QUE ele funciona da forma como o faz. Charles Darwin e Skinner descreveram princípios a partir dos quais podemos lidar com esse problema.
Continuemos o debate. Um abraço.
Caro Cláudio,
ResponderExcluirVerdade. Mas podemos também entender a origem e as condições mantenedoras do padrão de atividade das vísceras e do encéfalo. Como o encéfalo é mais maleável, plástico, entendê-lo naqueles termos requer algo mais que uma análise filogenética: devemos recorrer à ontogenia. Veja que estamos estendendo a análise explicativa de um nível imediato, próximo (condições contextuais que explicam o comportamento de um órgão), para um nível histórico, quer seja no espaço de uma vida, quer seja no espaço de gerações (ordem filogenética).
Você citou Gage. É verdade: cérebros diferentes geram comportamentos diferentes. No entanto, insisto que a atividade diferenciada de um cérebro é algo que precisa ser explicado. Quando lidamos com pessoas normais, isto é, que não foram acometidas por processos demenciais ou acidentes vasculares ou crânio-encefálicos (caso Cage), a história de relações dessas pessoas com o mundo esclarece os padrões diferenciados de funcionamento de seus cérebros. Uma análise explicativa imediata/próxima (como quando elencamos uma crença para explicar um comportamento público) pode ser efetiva em vários momentos, mas uma análise mais precisa e efetiva deve levar em conta aspectos históricos, circunstanciais/contextuais e os tipos de eventos que comumente seguem o tipo de resposta (crença + emoção + comportamento público) em questão.
Esse é basicamente o meu entendimento sobre o problema do comportamento.
Cláudio: "No mais, em "as origens do pensamento cognitivo", de 1989, Skinner abre mão da "parte sensorial", relegando esta aos fisiologistas, num argumento repetido cerca de uma década depois por Dennett. "
ResponderExcluirNão vejo desta forma. O que Skinner faz, não apenas nesta obra mas em outras, é procurar demonstrar que a Análise do Comportamento pode ser uma disciplina independente das demais, ou seja, ela consegue lidar com seu objeto de estudo com seus recursos. Isso parece pretensioso, mas não é. Isso não é nada além de dizer que podemos modificar um comportamento compreendendo o contexto que o selecionou e alterando as consequências deste.
"Independente" não significa que está em uma dimensão diferente ou que as descobertas da fisiologia e outros não possam ser complementares. Assim como o objeto de estudo da Física não está em uma dimensão diferente do da Química, mas ambas são ciências independentes, no sentido de de focarem sua atenção em aspectos de diferentes dos fenômenos e conseguirem lidar bem com eles.
Mas sua crítica não é impertinente. Muitos analistas do comportamento utilizam esta suposta independência para relegar as neurociências para segundo plano e não poderia haver tolice maior.
Algo que me parece improcedente em sua crítica, no entanto, é pressupor que um analista do comportamento não vai levar em conta diferenças neurológicas/fisiológicas de um organismo para o outro. Vai sim, são organismos modificados e como a análise do comportamento adota a metodologia do sujeito único, será feita a linha de base daquele organismo, levando em conta os devios com relação a um "organismo típico".
Mas o ponto principal disso tudo, a meu ver, é que a filosofia behaviorista radical seria uma epistemologia que, caso as neurociências adotassem, poderia ampliar e muito a compreensão dos fenômenos estudados, a interpretação dos dados colhidos.
Exigirá trabalho; é uma limpeza conceitual e tanto. Mas tenho bons motivos para acreditar que valerá a pena.
Poo Daniel, tinha esquecido de responder o seu comentário! Faço questão, a discussão tem sido bem estimulante por aqui =)
ResponderExcluirConcordo que a crítica de Skinner se aplicaria, em parte, ao estado atual da arte. O que tentei enfatizar é que Skinner não criticou a ciência cognitiva contemporânea pelo simples fato dele não ter conhecido a mesma. Já ouvi muita gente pegando ipsis literis o que ele falou e tentando aplicar isso para a ciência cognitiva atual, e a meu ver isso é um erro.
Por exemplo, acho que não faz sentido algum a crítica de Skinner de que essa área faz com que “paremos de fazer perguntas”, comparando a mesma com o criacionismo. Tenho aprofundado de forma mais densa o meu conhecimento da área esse semestre, e me soa estranho esse tipo de crítica pq me parece que a área está fervilhando de perguntas novas, mudanças e avanços tanto metodológicos quanto teóricos todos os dias. Basta acompanhar as publicações dos principais periódicos da área para averiguar isso, ou até mesmo ler manuais mais atualizados (indico em especial os manuais do Anderson e do Sternberg).
Daniel me corrija se eu estiver me confundindo, mas não consigo ver qual é o grande problema de se usar uma parte do sistema para explica-lo. Isso é feito o tempo todo na ciência. Um exemplo é o da seleção natural – é uma explicação de alguns aspectos da natureza (especiação, por exemplo) através dela mesma (a natureza, mais especificamente, a forma como ela impõe pressões seletivas aos organismos). Outro exemplo é o da forma como explicamos doenças autoimunes – o organismo esta doente porque esse mesmo organismo identificou células, dele mesmo, como invasoras e então as ataca.
Você tem enfatizado a oposição entre internalista e interacionista, mas não consigo perceber isso no âmbito da psicologia cognitiva da forma que vc coloca (como se ela não levasse em conta a ontogenia do indivíduo e sua interação dinâmica com o ambiente).
ResponderExcluirSim, o nível de explicação da psicologia cognitiva se situa no nível computacional, mas essa explicação faz uso tanto dos elementos de história de vida do indivíduo (representações mentais, por exemplo) como da forma como esses elementos interagem e são processados (associações entre representações de estímulos, padrões diferenciados de processamento de determinados tipos de informação ambiental, elaboração de novas representações diante de novas interações ambientais, rearranjamento dos padrões de associação a partir de novas representações).
Na linha de pesquisa que conduzo, acho que essa oposição entre “internalismo” e interacionismo fica ainda mais difícil de ser feita, pois, apesar de me basear em modelos cognitivos de processamento, estudo a forma como pistas ambientais podem influenciar os padrões de processamento de informações e a acessibilidade de determinadas redes semânticas disponibilizadas para processamento e posterior influência dessa acessbilidade em tarefas de julgamento e em comportamento propriamente dito. Se isso não é interacionista, então eu sinceramente não sei o que é =/
Quanto a explicar como funciona o cérebro, acho que os esforços conjuntos da neurociência com a psicologia evolucionista tem proporcionado avanços muito interessantes, por mais que as pesquisas na área de evolucionista sofra de uma série de limitações inerentes ao tipo de pesquisa que eles buscam realizar.
Retomando a discussão do Pedro sobre pragmatismo, acho que o valor prático desses modelos precisam ser julgados pelos avanços que eles tem nos proporcionado empiricamente e teoricamente. Nesse sentido, vejo que os modelos cognitivos tem uma utilidade tremenda e basta conhecer o main stream da área para ver como essa linguagem teórica tem nos servido de forma útil, até mesmo em outras áreas (neurociências, antropologia, linguistica, filosifa, psicologia, ciência da computação, inteligência artificial).
Situar as explicações em um nível mental é também útil, ao me ver, pois, apesar de estarmos tratando das computações realizadas no cérebro, não estamos comprometidos a priori em trabalhar diretamente com o tecido encefálico, e podemos assim estudar o seu funcionamento fazendo uso de uma rede de conceitos mentais que nos permitam organizar de forma coerente as explicações acerca dos mecanismos envolvidos no processamento de informação do cérebro. é isso que penso até agora.
Aguardo a sua tréplica =)
Um abraço,
André
Os cognitivistas tem que deixar pra lá esse APEGO aos construtos vitorianos. No momento em que os processos são definidos, neurociencias e behaviorismo radical se aproximam bastante.
ResponderExcluirCaro André,
ResponderExcluirDemorei mas retornei para responder a você.
"[...] acho que não faz sentido algum a crítica de Skinner de que essa área faz com que 'paremos de fazer perguntas', comparando a mesma com o criacionismo."
Concordo que é um exagero. Mas talvez não fosse há até pouco tempo. Mas ainda vemos afirmações do tipo: "Ele bate porque é impulsivo", "Ele discute porque tem alto neuroticismo" e "Ele reza porque acredita que Deus irá curá-lo". A folk psychology é útil no cotidiano, mas desconfio que ela seja insuficiente para a ciência psicológica. Não contextualizar comportamentos, abertos ou privados, e não situá-los em uma história de eventos podem ser fatores impeditivos para a formulação de novas perguntas e limitar a prática clínica.
"[...] mas não consigo ver qual é o grande problema de se usar uma parte do sistema para explica-lo."
Um cérebro, que funciona dentro de certos padrões filogenéticos, não pode ter seu funcionamento explicado per se -- da mesma forma que um carro não liga e se movimenta sem que uma pessoa rode a chave, abasteça-o e module os pedais e as marchas. Podemos herdar certas disposições padronizadas de processamento informacional... mas o funcionamento cerebral depende de estimulação e a forma como nossos processadores são "calibrados" e relacionados com processadores vizinhos são explicados por interações organismo-ambiente.
"Se isso não é interacionista, então eu sinceramente não sei o que é =/"
POR QUE processamos da forma como o fazemos? Acho que o behaviorista -- em função do selecionismo -- tem uma resposta melhor para essa pergunta. O cognitivista tem uma resposta melhor para COMO, em termos estruturais, processamos informações.
Acho que é isso. Vamos conversando. Sempre bom debater com você.
Abraços.
Valeu, Daniel!
ResponderExcluirsempre fico com o pé atrás sobre a justificativa lógica desse tipo de argumento que vc propõe. Quando exatamente vamos poder falar com precisão que uma área de pesquisa "não parou de fazer perguntas"?
Qual é a justificativa racional para dizer que explicações como "Ele reza porque foi reforçado para verbalizar que acredita em Deus" não nos oferecem fatores impeditivos para a formulação de novas perguntas? Porque situar uma explicação de um comportamento num contexto (histórico e imediato) não nos impede de formular novas perguntas, mas situar uma explicação num nível cognitivo ou fisiológico, impede?
O meu posicionamento é que não vejo justificativa clara para dizer que há algo de intrínseco em uma explicação cognitiva que a torne uma "contentadora da curiosidade" que não haja também numa explicação comportamental. Em algum momento, uma explicação como as dos seus exemplos, mesmo que explicadas em termos behavioristas, precisa "parar", dizer a causa, e mesmo que momentaneamente, satisfazer nossa curiosidade.
Quanto ao seu último comentário, eu ja comentei com vc o que penso: o nível de análise primordial de explicações behavioristas não se configura, até o momento, em nenhum dos dois referentes à causas finais, ou seja, os níveis filogenético e funcional - funcional no sentido adaptativo de maximizar a capacidade de reprodução e sobrevivência.
As explicações behavioristas estão geralmente circunscritas em níveis de análise proximais - mais precisamente,no nível ontogenético. causas finais nos respondem os PORQUES, causas proximais nos explicam COMOS. acho que vc fez uma confusão em relação a estes níveis de análise ao dizer que o behaviorismo nos responde "porques", a nao ser que vc estivesse falando de "porques" num sentido mais do senso comum, e não no sentido definido classicamente por Tinbergen que hoje é consensual na biologia.
abraço!
André,
ResponderExcluir"Porque situar uma explicação de um comportamento num contexto (histórico e imediato) não nos impede de formular novas perguntas, mas situar uma explicação num nível cognitivo ou fisiológico, impede?"
Não que impeça, André, mas uma análise que não contempla a historicidade não nos conta sobre, p. ex., características da evolução/desenvolvimento do pensamento/comportamento religioso. Num nível amplo, o social, imagine como seria tentar entender o movimento cristão atual sem recorrer à sua história -- sem, p. ex., citar a influência do imperador Constantino para sua ascensão. E não que as abordagens cognitivistas não contemplem a história de uma pessoa ou de uma cultura. Eu particularmente acompanho de perto, como você sabe, trabalhos interessantíssimos em Psicologia Diferencial (basicamente, estudos sobre inteligência). Eu só não sei com que termos operacionalizáveis o cognitivismo explica a aprendizagem, sua manutenção e seu esvaecimento.
Quanto ao contexto, uma explicação exclusivamente "interna" não responde em que momento pensamos, sentimos e nos comportamos abertamente de umas ou outras formas. O raciocinar, o decidir, o falar e o atentar devem ser compreendidos contextualmente. O "cérebro-iniciador" é, para os propósitos em discussão, um recorte de análise tão ruim quanto o "eu-iniciador".
É verdade, cara: a Análise do Comportamento prima por uma análise ontogenética. Mas acho que se debruçar sobre o nível intermediário, o ontogenético, é a marca da Psicologia. A Biologia e a Antropologia tomam conta, respectivamente, dos níveis filogenético e cultural. No entanto, o diferencial mais importante do behaviorismo é sua adoção do modelo de seleção por consequências. Esse modelo, que permeia os três níveis supracitados, permite respondermos por que, no nível ontogenético, certas classes de estímulo controlam certas classes de resposta (e para isso recorremos à história de reforçamentos/punições). Apenas descrever relações entre estímulos e respostas seria insuficiente. Precisamos entender por que certos estímulos estão funcionalmente relacionados a certas respostas. É por esse motivo que o selecionismo nos dá os porquês nos três níveis de análise -- embora em Psicologia primemos pelo nível intermediário.
Um abraço, meu caro! E não paremos por aqui...