O que são emoções? Elas são
universais ou variam entre culturas? Quais são os
papéis das emoções? Podemos controlar o que sentimos? Podemos
identificar as emoções dos outros, mesmo quando estão tentando
camuflá-las? Essas e outras perguntas são respondidas pelo psicólogo
Paul Ekman (2011) em seu livro A Linguagem das Emoções. Com a proposta de atingir um público amplo, seu trabalho alterna entre dados
científicos e situações da vida diária. Ao longo do livro, o
pesquisador traz ideias, novas e recicladas, que podem modificar a forma
como leigos, clínicos e cientistas encaram o comportamento emocional.
Inicialmente, Ekman
define as emoções como processos, produzidos pelas histórias da
espécie e individual, que preparam o organismo para lidar com eventos importantes. Quando deflagradas, as emoções alteram a atividade
do cérebro, do sistema nervoso autônomo e dos músculos. As expressões emocionais figuram como recursos úteis para a comunicação. Quando presenciamos -- pela
face, postura e voz -- uma expressão emocional, temos um indício do que a
pessoa emocionada pode fazer ou do que a fez sentir uma emoção. Mas
podemos, como frequentemente acontece, estarmos redondamente enganados.
Se o choro e o medo podem resultar da culpa pelo que fizemos, podem
também ser fruto de uma acusação indefensável e injusta. Nem sempre sabemos o que motiva uma emoção, e Ekman alerta-nos sobre o perigo de cometermos o "erro de
Otelo".
Desdêmona, injustamente acusada de uma traição, temia pela morte. Otelo, cego pelo ciúme, interpretou seu temor como prova de sua culpa. |
As respostas emocionais -- de medo, raiva, aversão e entusiasmo, por exemplo -- são rápidas e começam sem nossa consciência, e Ekman acredita que elas sejam implementadas por mecanismos automáticos de avaliação, ou autoavaliadores. Esses mecanismos rastreariam continuamente o mundo ao nosso redor, e nos permitiriam responder rapidamente em circunstâncias relevantes. Se um leão pular na nossa frente, não decidimos nos
espantar; não pedimos ao cérebro que envie hormônios para a corrente
sanguínea, que o coração acelere e que o sangue se concentre na
musculatura dos membros inferiores. Se perdemos um ente querido, não
podemos optar entre nos entristecer ou seguir a vida como se nada
tivesse acontecido. A seleção natural forjou mecanismos que trabalham
rápida e automaticamente, isto é, independentemente do que queremos ou
decidimos. Se não fosse assim, nossos ancestrais caçadores-coletores não teriam sobrevivido.
Para abordar a questão dos aspectos filogenéticos das respostas emocionais, Ekman pesquisou o povo fore, que vive em aldeias esparsas em Papua-Nova Guiné. Os fore não têm (ou não tinham, em 1967) acesso a meios de comunicação como tevê e rádio, e foram raras as vezes em que uns poucos deles entraram em contato com pessoas de regiões urbanizadas. Utilizando histórias, vídeos e fotografias, ele verificou que seus voluntários identificam e expressam facialmente
a raiva, a satisfação, a aversão e a tristeza como o fazem estudantes
universitários dos Estados Unidos. Embora surpresa e medo não tenham sido claramente distinguidos pelos fore, Ekman concluiu que algumas emoções são universais, mesmo que a cultura influencie o modo
como as controlamos. Ao longo dos capítulos sobre tristeza e angústia,
raiva, surpresa e medo, aversão e desprezo e emoções agradáveis, Ekman
traz exercícios e fotografias faciais para nos ensinar a detectar os sinais emocionais típicos.
Tim Roth, do seriado Lie to Me, exibindo microexpressões típicas de algumas emoções: tristeza (sadness), desprezo (contempt), surpresa (surprise), raiva (anger), aversão (disgust) e medo (fear). |
Além dos aspectos topográficos das respostas emocionais, Ekman dedicou um bom espaço para discorrer sobre quando nos emocionamos. O termo gatilho é utilizado para dizer da situação
que controla ou induz uma resposta emocional. Quando um rato se
depara com um gato, a aparição do último é um gatilho para o medo. Se o
gatilho para uma emoção não precisa passar por aprendizagem, trata-se de
um tema emocional. A perda de um ente querido seria um tema para
a tristeza, e a aparição de um gato seria, para um rato, um tema para o
medo. A partir dos temas com que nascemos, ou do banco de dados
emocional que herdamos dos nossos ancestrais, vamos gradualmente
aprendendo a nos emocionar diante de novas situações. Quanto mais
próxima uma situação estiver de um tema herdado, mais fácil seria a
aprendizagem. Se, por exemplo, aprendemos a ficar atentos e a nos
desviar facilmente de um carro que invade a pista em que trafegamos,
isso deve ocorrer por termos nascido com a predisposição para nos assustar e nos
esquivar de objetos que se aproximam rapidamente de nós. É mais fácil
aprender a ter medo de animais do que de cogumelos e flores, e isso poderia ser explicado pela história da nossa espécie.
Contra os efeitos adversos dos
comportamentos emocionais, Ekman propõe alguns exercícios e passos a ser
seguidos. As emoções influenciam o que pensamos e fazemos, e isso pode,
em inúmeros contextos, gerar graves problemas. Se ficamos com raiva
fácil e frequentemente, e se essa raiva nos leva a dizer e a fazer
coisas de que nos arrependemos depois, temos bons motivos para querer controlá-la. Para tanto, devemos saber em que situações nos sentimos raivosos, aprender a identificar os estágios iniciais dessa emoção e lembrar que, quando emocionados, podemos avaliar ou interpretar os eventos de forma equivocada.
Com esse conhecimento em mãos, passamos prever o que sentiremos
em certas ocasiões, a ser mais atenciosos acerca do que sentimos e a
flexibilizar o que pensamos e fazemos. Se um gatilho emocional for
difícil de ser modificado, Ekman sugere que procuremos a terapia
comportamental e, como exercício complementar, a meditação.
Num dos últimos capítulos do livro, o
pesquisador trata de um problema intrigante: como podemos saber se
alguém está mentindo ou escondendo informações que nos interessam. A hesitação ao ser indagado sobre um assunto, a oscilação topográfica da voz, a duração e a assimetria das expressões faciais,
a congruência do que se diz com o que se expressa facialmente e
as microexpressões do rosto, dificilmente captadas por quem não é
treinado no assunto, podem colocar em questão a veracidade do que está
sendo dito. Mesmo com tantos sinais a serem observados, Ekman ressalta
que a detecção de mentiras é um trabalho árduo e que não há uma fórmula
mágica e fiel para identificarmos um mentiroso.
Como dito anteriormente, um mesmo sinal pode ser gerado por diferentes situações e pode ter diferentes significados. (Veja abaixo a propaganda da série Lie to Me, que passa na Fox e é inspirada nos estudos do pesquisador.)
Paul Ekman lança mão de termos úteis para tratar do problema das emoções, como "gatilho", "tema" e "autoavaliadores", mas há momentos em que suas definições parecem se confundir ou são pouco claras. Sobre os autoavaliadores, o autor supõe que esses mecanismos automáticos atuam de forma ativa, buscando ou procurando por eventos que podem ter algum valor conforme um banco de dados emocionais. O mais provável de ocorrer, entretanto, é que esses mecanismos respondam a certas situações a que um indivíduo é exposto, e que o ato de avaliar compreenda ou envolva as emoções. Afinal, como um mecanismo pode "julgar" que uma situação é boa ou favorável à sobrevivência sem levar em conta um aspecto emocional? A literatura atual mostra que valoramos as situações a partir das emoções
(por exemplo, Damásio, 2011); portanto, não haveria uma avaliação prévia e independente que, posteriormente, desencadearia emoções:
estas parecem fazer parte de uma avaliação. No mais, Ekman poderia ter dedicado mais caracteres para falar dos processos envolvidos na aquisição dos gatilhos emocionais. O autor descreve de forma
razoável a maneira como nos emocionamos, mas diz pouco sobre como aprendemos, ao longo da vida, a nos emocionar.
A Linguagem das Emoções é um livro que pode, de inúmeras
maneiras, ser útil para o grande público -- de clínicos e leigos a agentes secretos. Paul Ekman consegue, com clareza e estilo, lançar luz sobre um dos temas mais elementares do campo das ciências humanas. O referido livro é indispensável
para os teóricos das emoções e, ao mesmo tempo, para quem quer
aprimorar suas habilidades de identificação e controle emocionais.
Referências
- Damásio, A. (2011). E o Cérebro Criou o Homem. São Paulo: Companhia das Letras.
- Ekman, P. (2011). A Linguagem das Emoções. São Paulo: Lua de Papel.
O Termo gatilho lembra muito estímulo,e tema emocional a comportamento respondente incondicionado.
ResponderExcluirÉ bacana a análise do Ekman por não ser mentalista!
Verdade, Marcos. "Temas emocionais" lembram-me também "padrões fixos de ação". Muitas coisas são facilmente intercambiáveis com a análise do comportamento. Só termos mais constitucionais, como "bancos de dados" e "mecanismos automáticos de avaliação", que encontram certa dificuldade. Mas houve um momento em que ele falou do último em termos de "sensibilidade do organismo", o que se aproxima mais do linguajar behaviorista.
ResponderExcluirMuito bom, Daniel!
ResponderExcluirSó queria acrescentar uma informação: os fore tinham dificuldades mesmo em identificarem (ou melhor,diferenciarem) a surpresa do medo. E parece que nós ocidentais urbanizados somos pegos no contrapé por essas expressões faciais também. É meio que um ponto fraco geral.
Sobre o fato de nossas emoções interferirem nas nossas avaliações...bom, isso é bem coerente e demonstrável cientificamente. Porém, acho que o que Ekman mostra também é coerente, e creio que seja demonstrado também. Ou então eu entendi errado o que ele quis dizer. Se compreendi bem, ele se referia ao fato de emoções serem despertadas pelas nossas análises de determinado evento. Mas isso não significa que antes da emoção gerada pela nossa conclusão, outra já não estivesse ali influenciado o próprio processo de análise. No caso, uma emoção substituiu outra. Mas aí me veio uma pergunta agora, que acho que o próprio Ekman comenta sobre em determinada parte do livro: Seria possível uma análise feita sem a interferência da emoção? No fundo, essa pergunta está embasada em outro questionamento: será que nós estamos sendo acometidos por emoções à todo momento? Não existiria um momento natural ou provocado em que nós conseguíssemos nos privar totalmente delas?
Felipe,
ResponderExcluirCreio que a confusão na distinção entre surpresa e medo aconteça porque, em muitos casos, um é seguido pelo outro. Acho que o Ekman sugeriu isso em algum momento, como quando disse que um porco do mato poderia, quando aparecesse, controlar a resposta de surpresa e, em seguida, a de medo -- já que é um bicho perigoso. Por aqui, batidas de carro, tiros e relâmpagos podem figurar como exemplos.
Sim, nossas emoções são despertadas em nossas análises de certas situações, mas o que sentimos anteriormente à análise influencia a interpretação que fazemos. No entanto, o que critico -- pois não vi o Ekman trazer essa ideia -- é que uma avaliação (como valorar algo como bom ou ruim, p. ex.) REQUER o envolvimento das emoções. Uma avaliação não é feita sem a atuação das emoções, embora uma "avaliação emocional" possa, sim, levar a outras emoções (como é o caso da surpresa e do medo).
Sobre sua última pergunta, o neurologista Antônio Damásio sustenta que a consciência é fundamentada no processamento emocional. Nesse caso, estaríamos emocionados o tempo todo (quando em vigília, é claro), mesmo que por estados corporais sutis, de fundo, que não caracterizam as emoções primárias e tão distintivas que conhecemos. Ekman chega a levar essa proposta em consideração, mas acaba preferindo descartá-la para dar mais ênfase nos assaltos emocionais mais distinguíveis e característicos.
Valeu pela participação! Abraço!
É verdade, não lembrava dessa sugestão do Ekman. Mas faz todo o sentido. E, além disso, elas são expressões muito semelhantes porque ambas incluem a sombrancelha levantada, apesar de estarem levantas em posições ligeiramente diferentes. Talvez o fato de elas serem parecidas não seja por acaso. Ao longo da evolução, o medo pode ter se desenvolvido a partir da surpresa.
ExcluirEntão, seria impossível avaliar uma coisa usando puramente a racionalidade? A emoção sempre está envolvida no processo? Mas quem conta mais na avaliação final, a emoção ou a razão? Acho que depende, né?
É...eu pensei no Antônio Damásio mesmo quando te fiz essa pergunta, porque já ouvi falar nos trabalhos deles mas meio superficialmente. Nunca li nenhum dos livros do cara. Mas isso é bem fundamentado por evidências ou por enquanto é só uma idéia do Damásio?
Abraço!
Cara, eu acredito que sim: toda avaliação é matizada pelas emoções. Eu não sei se podemos chegar em algum lugar tentando estabelecer "quem conta mais", mas parece que todo o raciocínio está fundado em comportamentos emocionais. Em seu primeiro livro, "O Erro de Descartes", Damásio traz evidências de que prejuízos em circuitos emocionais tornam as pessoas menos capazes de decidir, de planejar, de levar sua vida de forma inteligente. Em seu "O Mistério da Consciência", traz indícios de que a consciência gira em torno dos sentimentos. No seu último e quarto livro, "E o Cérebro Criou o Homem", então escrito no ano passado, ele traz mais exemplos que sustentam sua hipótese, e monta uma teoria elegante, coerente e simples não só sobre como o cérebro cria a consciência, como também sobre como as maiores façanhas humanas dependem desse processo. Confesso que não dei muita bola para o montante de dados que confirmam sua hipótese. Lembro que ele faz referência a casos de coma, estado vegetativo e epilepsia, além de falar um pouco sobre o sono sem sonhos. Quero em breve reler o livro e fazer uma resenha dele, mais ou menos no formato desta. Acho que o assunto é muito intrigante e, para a turma dos monistas, teoricamente essencial.
ExcluirAbraço!