terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Consciência: uma definição

Venho acompanhando alguns fóruns cujo tema é o problema da consciência. Não raro percebo que a variabilidade de acepções para o termo gera discussões descabidas. Afinal, o que é a consciência? "Se precisamos perguntar, nunca iremos saber!", brincam alguns filósofos. Essa premissa parece sugerir que a consciência entremeia todas as mentes normais, que sua existência é evidente mas que descrevê-la assemelha-se a tentar explicar a um cego congênito o que são as cores. Por outro lado, não acho que a experiência consciente seja um fenômeno tão inescrutável assim.

Por exemplo, dias atrás um colega analista do comportamento a definiu como o nosso comportamento de descrever contingências, isto é, como nossa capacidade de notar e relatar verbalmente relações de dependência entre eventos. Mas descrever contingências, como argumentei posteriormente, só é possível em razão da configuração a que denomino consciência: o padrão fenomenológico em que self e objeto são enlaçados, unificados. Pode parecer, à primeira vista, que nossas definições são conflitantes. Entretanto, o ponto crucial de divergência parece não estar na definição do conceito, mas a quais fenômenos estamos atribuindo um mesmo rótulo. Para a Análise do Comportamento, a consciência manifesta-se na medida em que sabemos descrever verbalmente por que, quando e como gostamos, por exemplo, de jogar xadrez ou de estudar Psicologia. Desse modo, descrever como e por que nos comportamos — ou arquitetar análises funcionais — equivaleria ao termo ou à expressão "ter consciência".

Mas minhas indagações giram, em geral, em torno do quem: o sujeito ou o agente que descreve contingências, comumente denominado "eu" ou self. Conforme aprendi com o neurologista Antônio Damásio (2006), a consciência é o padrão mental no qual self e objeto são integrados. Estar consciente denota estar consciente de alguma coisa, e a esta coisa chamamos objeto — qualquer entidade distinta do self, de seres vivos e pedras a xícaras e letras. Pouco antes de escrever estas palavras, por exemplo, estive (self) consciente de que minha cadelinha, Remela, estava resmungando nas proximidades (objeto[s]). Esse cenário mental corresponde ao fenômeno a que denomino consciência: um self captando — ou tendo acesso a — objetos não-self.

A percepção de um objeto requer o pareamento de seus estímulos (sinais sensoriais) aos estímulos corporais — eis o âmago da consciência. Existem estruturas singulares nesse tipo de processamento, e Damásio possui bons indícios de que o self seja configurado a partir de um esquema de representações composto essencialmente pelos sinais corporais.

Munidos de um mecanismo que mapeia os estados do corpo e os enlaça ao mundo circundante, organismos podem perceber e, é claro, aprender. Para fazer jus à ciência comportamental, comportamentos são emitidos ou eliciados na medida em que são estabelecidas relações entre o organismo e o ambiente circundante. Não restam dúvidas de que a descrição verbal de contingências seja modelada pelo histórico de reforços de uma pessoa. Todos aprendemos a dizer "eu" e a identificar como e por que agimos de certos modos. Parece, contudo, que essas façanhas só são possíveis porque nascemos com as ferramentas apropriadas para realizá-las. Não poderíamos descrever verbalmente nossos comportamentos na ausência de mecanismos neurais que integram e realçam (ajustam diferencialmente a atenção) padrões de sinais corporais e objetais específicos. A percepção per se, talvez a unidade essencial da experiência consciente, de forma alguma é fruto da aprendizagem.

Pois a consciência é isto: um padrão mental/neural que configura, com base nas informações corporais e ambientais (e possivelmente em vários animais), um conhecedor e o conhecimento — e o encéfalo é a sua morada.


Referência

  • Damásio, A. (2006). O Mistério da Consciência. São Paulo: Companhia das Letras.

Um comentário:

  1. Legal Daniel seu desenvolvimento e proposição audaciosas. Estou escrevendo um artigo para meu blog e acabei de ler seu artigo para uma confirmação do Self (primorosamente citado e desenvolvido por um, senão pelo maior dos sábios indianos Ramana Maharshi, em "Ensinamentos Espirituais") com consciência.
    Achei curiosa sua percepção de Remela, tomando-a ao pé da letra como que de suas "proximidades", alude a um sentido mais aproximado de um "self-humano" (se existisse!). Ramana prove um sentido mais relacionado do Self com o Próprio, tomando diretamente a existência factual de Deus pelo Todo. E em si, que também significa o self.
    Assim é, parabéns e abraços à você.

    ResponderExcluir