sábado, 2 de junho de 2012

A promiscuidade paradigmática da neurociência

Fonte original: Círculo da Savassi

Como a neurociência é um campo interdisciplinar, sua pluralidade paradigmática não é coisa de se espantar. Contudo, há paradigmas que parecem ser mais permeáveis ou ajustáveis a mais níveis de análise. Pode-se, por exemplo, encarar os objetos e eventos relacionados ao comportamento, à fisiologia e até mesmo à bioquímica à luz do cognitivismo. O cérebro poderia ser concebido como uma máquina computacional (que computa ou processa informações), sendo a "codificação", o "armazenamento" e a "recuperação" de informações exemplos de alguns de seus processos. Um paradigma abarca não só conceitos e uma teoria, mas também crenças, valores e técnicas particulares. Como venho percebendo, o cognitivismo figura como o paradigma psicológico/comportamental predileto dos neurocientistas. Ainda assim, o mundo das informações parece não ter conseguido abraçar todo o campo das redes neurais, e o linguajar da comunidade neurocientífica procura compensá-lo de outras maneiras.

No meu ponto de vista, parte da promiscuidade da neurociência é justificada pelas lacunas deixadas por um paradigma. Quando não se consegue descrever ou explicar certos fenômenos pelos moldes tradicionais, conceitos e processos de paradigmas concorrentes são então recrutados. Para fazer uma analogia, as pessoas tendem a dar explicações sobrenaturais a eventos que não podem compreender sob uma perspectiva naturalista/fisicalista. Quando os dados do mundo natural nos faltam, entidades e forças sobrenaturais assumem o centro do palco. É por isso que, em vários momentos, descrições religiosas e científicas aparecem não como rivais ou concorrentes, mas como complementares -- o que pode ser muito problemático.

Uma vez que eu tenho muito interesse pela neurociência comportamental, que aborda questões como o pensar, o sentir e o aprender, tenho estado sensível a esse discurso promíscuo. Mesmo que haja pesquisadores que adotam exclusivamente um ou outro paradigma (como o cognitivista, o behaviorista ou o psicanalítico), já acompanhei várias apresentações e li alguns artigos em que as coisas se misturavam bem (mal, na verdade). Durante algumas aulas que tive na neurociência (tanto na especialização como, atualmente, no mestrado), distintas explicações dos professores eram compostas por conceitos e processos de diferentes paradigmas. "Consolidação mnemônica", do cognitivismo, e "condicionamento", do behaviorismo, são conceitos típicos que vêm e vão conforme o contexto. Ao se tratar dos determinantes dos reflexos e da percepção de objetos simples do mundo, fala-se de "estímulos"; quando se atenta aos eventos corticais, "informações". Ademais, já vi o "inconsciente" e as "repressões mnemônicas" postulados por Freud se entrosarem com o "processamento paralelo" do cognitivismo. É uma salada de frutas paradigmática que, aos mais atentos e filosoficamente rigorosos, dá azia!

Um outro fator que deve contribuir para essa promiscuidade paradigmática deve ser a ignorância dos próprios pesquisadores. As "lacunas" a que aludi anteriormente podem pertencer não ao paradigma, mas aos indivíduos que se apropriam dele. Em um seminário que acompanhei recentemente, discutia-se se a mudança de comportamento de um rato seria explicada por "contingências de reforço" ou por sua "intencionalidade". A gafe está em se supor que essas coisas se excluem. Se os pesquisadores conhecessem minimamente o behaviorismo radical, entenderiam que o comportamento voluntário/intencional é produzido por contingências reforçadoras. Algo similar ocorreu no início de um curso de neurofisiologia de que participei, em que um dos professores afirmou que, além dos condicionamentos clássico e operante, a aprendizagem seria derivada de aspectos declarativos e procedurais da memória. Mas as memórias declarativa e procedural são tipos ou classes de eventos, as "evocações", cuja origem pode ser explicada por processos de condicionamento. Se, por um lado, o behaviorismo não prima pela distinção entre o "responder procedural" e o "responder declarativo", não vejo como o cognitivismo explica como é que essas evocações são adquiridas. No final das contas, este último caso ilustra uma mistura de lacunas paradigmáticas com lacunas do pesquisador.

Mas não podemos ser muito duros com os neurocientistas. Em primeiro lugar, a própria psicologia carece de um paradigma hegemônico. A neurociência comportamental precisa recorrer aos modelos que temos para teorizar acerca dos fenômenos a que estão interessados. Quero crer, pois, que parte da responsabilidade pela referida promiscuidade é nossa, dos psicólogos. O problema é que parece haver poucos teóricos interessados em debater a pluralidade da psicologia, e muito menos os que se interessam em estabelecer um diálogo com a neurociência. Se a redução da psicologia às ciências do sistema nervoso é uma proposta ingenuamente presunçosa, a alergia que os psicólogos têm ao tecido neural pode prestar um desserviço ao aprimoramento de seu próprio campo. Em um mundo marcado pela interdisciplinaridade, intuo que os mais adaptados serão os que se arriscarem a se envolver com os cientistas do laboratório vizinho. Com esse intercâmbio de ideias, perguntas de um nível podem ser lançadas ao outro nível, e melhores modelos e paradigmas poderão ser gradativamente engendrados e, com efeito, selecionados. É possível que daí, mas não só por aí, uma psicologia melhor fundamentada e reconhecida poderá dar o ar da graça.

Psicanalistas e, em especial, behavioristas e cognitivistas, que tal convidarem aquele cara de jaleco, com quem vocês sempre trombam pelos corredores, para tomar um café?
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Dois cérebros cafeinados pensam melhor do que um.

12 comentários:

  1. "e, por um lado, o behaviorismo não prima pela distinção entre o "responder procedural" e o "responder declarativo", não vejo como o cognitivismo explica como é que essas evocações são adquiridas. No final das contas, este último caso ilustra uma mistura de lacunas paradigmáticas com lacunas do pesquisador."

    Eu confesso, como vc já deve ter percebido também, que não tenho conhecimento profundo sobre o behaviorismo puro. Então, gostaria de saber se para o behaviorismo, então, a divisão que a psicologia cognitiva faz entre processos explícitos e implícitos não existe e como isso seria explicado no behaviorismo, então.

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    1. Excelente pergunta, Felipe!

      Como tentei dar a entender no texto, os behavioristas em geral (ao menos os que eu conheço) não se preocupam muito em fazer algumas distinções que são clássicas no cognitivismo. As memórias explícita e implícita, por exemplo, são entendidas como comportamentos (o lembrar) que, embora sejam diferentes em topografia (os primeiros envolvem mais a linguagem e respostas visuais privadas, e os segundos, comportamentos não-verbais), podem ser explicados pelos mesmos princípios (condicionamentos clássico e operante). Primeiramente, vamos falar da AQUISIÇÃO desses comportamentos.

      À medida que me sento numa bicicleta e tento dar pedaladas, algumas posturas e movimentos das pernas e braços serão mais efetivos para meu equilíbrio e locomoção do que outros. As CONSEQUÊNCIAS de se agir de uma forma ou de outra atuam de forma a SELECIONAR as respostas mais efetivas. Aqui, estamos falando do condicionamento operante, em que as consequências de uma resposta a fortalecem ou a enfraquecem. Aos poucos, vamos observando uma melhora de desempenho daqueles que estão aprendendo a andar de bicicleta (aprendizagem implícita/procedural).

      No momento de um acidente, uma diversidade de estímulos tende a estar emparelhada. Por exemplo, sensações de dor e espanto ocorreram paralela e/ou proximamente à exposição a gritos, derrapadas e cheiro de fumaça. Esse emparelhamento de estímulos permite que, em situações futuras, estímulos isolados (fumaça ou derrapadas) eliciem respostas condicionadas, como por exemplo o medo e, mais globalmente, a recordação do evento traumático (o acidente). Como, ao longo do desenvolvimento, aprendemos a nomear eventos e objetos do mundo, podemos RELATAR o episódio do acidente quando indagados ou quando na presença de um psicoterapeuta, por exemplo. A ideia é simples: o emparelhamento de estímulos é um processo primordial para o condicionamento, e o lembrar não é senão se comportar, mesmo que no nível privado (mental), similarmente ao passado -- podendo o comportamento verbal também ser emitido.

      Vale ressaltar que a APARIÇÃO (evocação) desses comportamentos é controlada pelo contexto (uma pergunta sobre acidentes ou uma bicicleta disponível), e suas emissões/aparições podem ser mantidas ou extintas conforme suas consequências (ser repreendido por relatar um acidente ou se machucar ao andar de bicicleta são consequências que os podem extinguir).

      Em suma, os comportamentos "implícito" e "explícito" são abordados pelos behavioristas, ainda que não se faça normalmente uma distinção conceitual desses distintos tipos. Mas há os que se dispuseram a falar sobre o assunto. Por exemplo, em seu famigerado livro "Compreender o Behaviorismo", William Baum (2006, Artmed) faz uma discussão sobre os conhecimentos operacional e declarativo. Ele discute não só essas distinções, mas também a que critérios nos agarramos para concluir que "Fulano sabe como falar francês" ou "Beltrano sabe nadar". É uma conversa que vale a pena conferir!

      Abraço, meu caro! Valeu pela participação!

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  2. "A ideia é simples: o emparelhamento de estímulos é um processo primordial para o condicionamento, e o lembrar não é senão se comportar, mesmo que no nível privado (mental), similarmente ao passado -- podendo o comportamento verbal também ser emitido."

    COnfesso que essa parte não ficou muito clara, talvez por causa do meu vício em pensar como um cognitivista! hehe Mas, bom, então, como assim o ato de lembrar é um comportamento? O lembrar é definido como a emissão de comportamentos que façam alusão a eventos ou comportamentos passados, certo? Nesse caso, a fala seria um desses comportamentos que possibilitariam a lembrança? Mas e quando não há fala? A atividade neural sozinha, relativa à lembrança, nesse caso, seria o ato de lembrar em si? Ou seja, a atividade neural vista como um comportamento também...

    "Vale ressaltar que a APARIÇÃO (evocação) desses comportamentos é controlada pelo contexto (uma pergunta sobre acidentes ou uma bicicleta disponível), e suas emissões/aparições podem ser mantidas ou extintas conforme suas consequências (ser repreendido por relatar um acidente ou se machucar ao andar de bicicleta são consequências que os podem extinguir)."

    Entendi...mas como o paradigma behaviorista se aplica , por exemplo, uma tentativa de meditação? Digo, quando estamos praticando o zazen, a meditação do Zen, a proposta é que sentemos e tentemos não focar nossa atenção especificamente em nenhum pensamento que vier à nossa mente, pois um turbilhão deles certamente se instaurará. Com o tempo, o turbilhão vai cessando, uma vez que não nos deixamos levar por nenhum deles. Isso seria um tipo de extinção? E como o contexto, nesse caso, atuaria condicionando os pensamentos muitas vezes aleatórios que aparecem em nossa mente nesses momentos, mesmo que estejamos em um local silenciosos e de frente para uma parede branca ou de olhos fechados?

    Obrigado pelas respostas, Daniel!
    Engraçado que eu não enxergo o behaviorismo, na maioria das vezes como uma proposta de naturez diferente da do cognitivismo. Me parece que os dois falam sobre as mesmas coisas na maioria das vezes, mas com palavras diferentes.

    Ah, vc conhece o livro Princípios do Comportamento, de Ferster e Culbertson?Um amigo meu me deu esse livro pois estava encostado na casa dele, mas creio que seja sobre behaviorismo...ele é um calhamaço! Queria saber se vale a pena a leitura, se vc conhece alguém que leu e recomenda...

    Abraço!

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    1. Sim, Felipe, qualquer ação do organismo é entendida como um comportamento (ou melhor, como uma resposta; comportamento é a RELAÇÃO de uma resposta com a variável que o gerou). Nesse caso, os eventos privados, tais como o sentir, o raciocinar e o lembrar, são vistos como pertencentes a uma contingência comportamental. A atividade neural também pode ser entendida dessa maneira; a relação entre a atividade de certas células fotossensíveis com o disparo de certos neurônios occipitais pode ser concebida como um comportamento. As células oculares ESTIMULAM os neurônios occipitais (uma relação estímulo-resposta, que é uma contingência comportamental bem simples).

      Sobre a meditação, talvez seja possível interpretar o desaparecimento gradual dos pensamentos intrusivos como extinção, mas certamente há outros processos em atuação. Em primeiro lugar, o encadeamento de ideias que nos assaltam diariamente pode ser, em parte, mantido por suas consequências. Eu, por exemplo, consigo ter alguns insights interessantes à medida que me dedico a inúmeras reflexões diárias (os insights podem ser vistos como consequências que aumentam a chance de eu me dedicar a essas reflexões incessantes). Se, por algum motivo, consequências reforçadoras (como ter insights) não forem mais produzidas pelo "pensar-freneticamente", este comportamento pode começar a diminuir sua frequência.

      Na meditação, comportamentos INCOMPATÍVEIS com o "pensar-freneticamente" são geralmente emitidos. Por exemplo, técnicas de respiração, de visualização e de contagem podem ser utilizadas, o que acaba diminuindo a chance de que outros comportamentos sejam emitidos. Técnicas de contagem (110, 1; 109, 2; 108, 3 etc.) são incompatíveis com outros tipos de comportamento verbal; as de visualização (imaginar-se em algum lugar ou fazendo alguma coisa), com comportamentos visuais privados; e as de respiração, com sensações como a alegria ou a ansiedade. A melhoria do desempenho de um neófito em meditação poderia ser explicada pela produção de consequências reforçadoras relacionadas às técnicas utilizadas. E, com essas consequências sendo produzidas (relaxamento, alterações perceptivas, bem-estar etc.), fortalece-se as técnicas que as geraram e enfraquece-se os comportamentos incompatíveis e/ou indesejáveis (pensar sobre qualquer outra coisa). Gradativamente, o contexto meditativo (por exemplo, quarto silencioso, postura corporal e respiração) começaria a exercer pouco controle sobre o aparecimento de ideias intrusivas.

      A respeito do contexto, os pensamentos e as sensações emocionais podem ser eventos antecedentes para outras respostas. Então, mesmo diante de uma parede branca e de uma sala silenciosa, qualquer ideia que nos assaltar estará provavelmente relacionada com a ideia ou a sensação que a precedeu; essas ideias não brotam espontaneamente. Estimulações do local de meditação e de variáveis privadas, conscientes ou não, dificultariam o "esvaziamento mental" que a meditação propõe (o que poderia ser superado com as consequências produzidas pela prática).

      Ah, cara, eu não acho que o behaviorismo seja muito similar ao cognitivismo (já assisti a uma palestra em que a ideia que era passada era de que o cognitivismo se assemelharia mais à psicanálise). Algumas das razões que me fazem pensar assim foram expressas no meu último texto, "Por que deixei de ser cognitivista". Mas com certeza há uma ou outra similaridade, e vários dos fenômenos abordados pelas duas abordagens são comuns.

      Eu não conheço esse livro, Felipe. Vou procurar saber sobre ele e te falo depois, ok?

      Valeu pela participação! Vamos discutindo...

      Abraço!

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    2. Entendi. Eu tinha pensado sobre essas aplicações à meditação, dos conceitos do comportamentalismo. Mas a minha dúvida permanece sobre o surgimento de pensamentos aleatórios durante a meditação, no seu estágio inicial pelo menos. Qual contingência estaria evocando esses pensamentos, que são até mesmo aleatórios. Refletindo melhor, talvez esses pensamentos surjam espontaneamente, mas eles estejam relacionados à eventos recentes do dia ou a estímulos ali do ambiente mesmo, que se relacionam com o que surge na memória. Mas eu nunca analisei se esses pensamentos realmente sempre tem relação com eventos ocorridos no dia ou com estímulos ambientais ali daquele momento. Um de seus parágrafos aí no comentário até concluíram mais ou menos a mesma coisa que eu...rs Agora que li.

      Bom, estou achando muito interessante esse nosso diálogo. E eu acho o behaviorismo interessante também, mas tenho pouco conhecimento sobre ele para poder entender bem alguns de seus pontos.

      Mas me diz uma coisa...como o behaviorismo explica aquelas "ilusões de ótica" produzidas pela percepção? Tipo, vc olha pra três "pacmen" e tem a impressão de que cada um deles é a quina de um triângulo. Sabe??

      Tá ok! Só não esquece de me falar sobre o livro!

      Abraço!

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    3. Essa é uma questão interessante que está ainda aberta, Felipe! Em um texto que publiquei há dois anos, sugeri que a potenciação de longa duração (LTP) pode estar relacionada ao surgimento desses pensamentos (aliás, isso tinha sido uma espécie de provocação aos meus colegas behavioristas). Coisas que aprendemos ou que nos acontecem ao longo do dia deixam "marcas", e essas "marcas" seriam padrões de respostas sutis, contínuas e virtualmente capazes de afetar o que fazemos, sentimos e lembramos. Talvez a LTP, ou alguma atividade similar, explique o surgimento aparentemente espontâneo de certos pensamentos e até mesmo o efeito de priming. (Para entender melhor essa ideia, leia o pequeno texto em que proponho isso: http://danielgontijo.blogspot.com.br/2010/04/um-pouco-abaixo-da-consciencia_30.html)

      Contrariamente ao que alguns pensam (já presenciei desafios similares), a questão das "ilusões de ótica" nunca foi um desafio aos behavioristas. Se aprendemos a responder (verbalmente ou não) a uma esfera, a um quadrado e a um triângulo inteiros, fragmentos dessas formas geométricas podem ser suficientemente capazes de evocar as respostas que a elas já foram condicionadas. Nós não precisamos ver uma mulher nua para nos sentirmos excitados; a exposição de PARTE de seus seios ou bunda já é o suficiente para que uma série de respostas, até mesmo as imaginativas, seja evocada. Isso é o que ocorre no caso dos "pacmen", onde aquelas três "bocas" induzem-nos, por semelhança aos ângulos de um triângulo, a responder como se aquilo fosse um triângulo. Não precisamos enxergar as retas que unem aqueles ângulos; a resposta verbal "triângulo", ou mesmo sua imaginação, é a mais provável de ser emitida quando estamos expostos àqueles estímulos (importantes propriedades às quais, no passado, aprendemos a responder de certas formas).

      Sobre o livro, estou aguardando a resposta de um amigo a quem pedi informações. Mas, se quer ler sobre behaviorismo, tenho outros bons a lhe indicar.

      Abração!

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    4. Entendi! Muito coerentes essas idéias, Daniel. De fato, isso reforça o que eu penso como um recém iniciado à pesquisa do behaviorismo, mas como cognitivista: o behaviorismo é uma forma mais concreta de explicar o que também é colocado pelo cognitivismo. Acho que mais da metade do conflito nessa área é provocado não por questões factuais divergentes, mas por falta de conhecimento daquilo que se está tentando criticar e também pela confusão que as definições dos conceitos criam.

      Tipo, essa explicação para os pensamentos que surgem durante a meditação e mesmo em outros momentos de ócio, me pareceu bem próxima à proposta cognitivista. A diferença é que o cognitivismo às vezes dá explicações menos pautadas no funcionamento cerebral, insistindo em termos como processamento, pensamento e coisas do tipo, sugerindo que há uma atividade mental independente dos estímulos ambientais. Por isso a implicância behaviorista. Mas no fundo os dois estão escrevendo o mesmo fenômeno.

      Aguardo suas dicas de livros, então, Daniel!

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    5. Na verdade, Felipe, a comunidade behaviorista que conheço não apela tanto para o cérebro para explicar eventos como o que estamos discutindo. Eu, que me interesso muito por neurociência, é que importo ideias da neurofisiologia. Minha vontade é a de ampliar os processos que integram a teoria behaviorista a partir do conhecimento que venho adquirindo das neurociências (e até mesmo o que já adquiri do cognitivismo). Vamos ver até aonde isso vai...

      Em breve, deixarei algumas dicas dos livros para você lá no Facebook, ok?

      Abração, meu caro!

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    6. "..., qualquer ação do organismo é entendida como um comportamento (ou melhor, como uma resposta; comportamento é a RELAÇÃO de uma resposta com a variável que o gerou).... A atividade neural também pode ser entendida dessa maneira; a relação entre a atividade de certas células fotossensíveis com o disparo de certos neurônios occipitais pode ser concebida como um comportamento".

      Isto não está muito coerente com o conceito de comportamento do Behaviorismo Radical. Skinner defendia que comportamento é atividade do organismo como um todo em relação com o ambiente. Atividades localizadas, como a neural, não se identificam com o conceito de comportamento. Mas tem gente que defende esta sua interpretação do conceito de comportamento. O João Teixeira interpreta o conceito deste modo e, com isto, aproxima as abordagens do Skinner e Dennett. Acho que o Palmer defende algo neste sentido tb com o seu Biocomportamentalismo. Imagino que vc conheça o texto introdutório da Cavalcante sobre o Biocomportamentalismo. Se não conhece, vale a leitura:
      http://redalyc.uaemex.mx/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=18810206

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    7. Anônimo, eu prefiro fazer esses recortes ao falar de comportamento, mas de fato a parte maior da comunidade prefere essa proposta de considerar o organismo-como-um-todo. Vou ler o texto que você me indicou e voltarei em breve para comentá-lo.

      Abraço!

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  3. Daniel, a questão é que este recorte defendido pela maioria dos ACs é essencial para garantir a possibilidade de uma ciência do comportamento autônoma, independente da neurociência. Se for transgredido o conceito de comportamento, de modo que tal conceito passa a funcionar tb para categorizar o funcionamento de "partes do corpo", vc acaba por abrir o caminho para propostas reducionistas, onde eventos comportamentais podem ser reduzidos, sem perda de sentido/conteúdo, ao funcionamento fisiológico do organismo. Acho que esta abordagem eliminativista é um pouco ingênua, embora seja bastante difundida entre renomados neurocientistas, como é o caso do Ramachandran e do Gazzaniga. Não estou dizendo que AC deve ficar circunscrita ao seu domínio e que não deve "sujar" sua linguagem na comunicação com outras ciências, mas apenas apontando que o recorte analítico que lhe dá autonomia deve ser respeitado.

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  4. Anônimo,

    Eu não vejo como ou por que a manutenção do conceito clássico de comportamento garante a autonomia da análise do comportamento (ou como ou por que admitir os recortes em questões tirariam essa autonomia). Fazer o recorte que eu citei não elimina o envolvimento do ambiente em um fenômeno comportamental; numa contingência olho-cérebro simples, aliás, "eventos oculares" seriam contexto ou ambiente que controlam eventos neurais. Em inúmeros casos, é desnecessário descrever as respostas do resto do organismo relacionadas a um contexto -- e até mesmo outras respostas cerebrais que não a de interesse. E o que há de reducionismo ou eliminativismo aqui? Gostaria que esclarecesse melhor seus pontos.

    Abraço!

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