quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Breve defesa ao mentalismo

Venho, já há alguns meses, procurando encontrar meios mais claros de apresentar e, quando preciso, defender a perspectiva mentalista de explicação do comportamento. Participar do Círculo da Savassi(1) vem sendo uma experiência estimulante, produtiva e esclarecedora. Sendo a ovelha negra do grupo (um cognitivista cercado de behavioristas), procuro contribuir e, ao mesmo tempo, compreender por que nos diferenciamos -- cognitiva e epistemologicamente. Na última sexta-feira (01/09/10), durante uma aula de "Processos Cognitivos e Comportamentais", creio que pude ligar mais algumas peças do quebra-cabeça.

A Doutora Sílvia Regiane, analista do comportamento, instruiu-nos sobre como as ciências humanas estiveram, durante boa parte do século passado, distantes de ciências como a Física e a Biologia. Enquanto estas últimas explicavam o comportamento de seus objetos de estudo em termos de relações causais, as ciências humanas, em especial a Psicologia, tentavam explicar o comportamento humano com base em razões, propósitos pessoais. Esse tipo de explicação, tomada como teleológica e mentalista, perderia espaço para a perspectiva behaviorista, monista e selecionista. Em acréscimo, caberia às neurociências assumir o papel frustradamente ocupado pelas disciplinas mentalistas -- desvelar os mistérios da caixa-preta.

O modelo behaviorista

B. F. Skinner, fundador da Análise do Comportamento, propôs que o comportamento resulta da força de três níveis de seleção: os níveis filogenético, ontogenético e cultural (Andery, Micheletto & Sério, 2002). Esse modelo explica que a seleção natural, a sociedade e as circunstâncias cotidianas selecionam e determinam nosso comportamento. Deter-me-ei, para ser breve e objetivo, à explicação do nível ontogenético.

O nível ontogenético explica que as consequências de nossos comportamentos afetam a probabilidade de suas futuras reemissões.(2) Podemos dizer que nossos comportamentos são selecionados por suas consequências, as quais seriam, por seu turno, suas futuras e respectivas causas. Por exemplo, meu comportamento "expressar e publicar ideias" foi sendo gradativamente selecionado na medida em que produzia certas consequências, tais como ter sido compreendido e elogiado e ter oportunizado debates interessantes com alguns colegas. Além disso, devo seguir escrevendo enquanto meus textos continuarem a ser comentados -- uma condição mantenedora.

Vale pontuar que os comportamentos são emitidos em circunstâncias mais ou menos específicas. Embora "expressar e publicar ideias" seja um comportamento comumente reforçado, fazê-lo inadvertidamente pode ser prejudicial. Por exemplo, publicar ideias na ausência de bons argumentos para defendê-las pode gerar consequências aversivas, entre as quais ser ignorado e, talvez pior, ser ridiculamente refutado. Essas consequências tendem a diminuir a probabilidade de que o referido comportamento seja novamente emitido. Apesar disso, ideias publicadas e satisfatoriamente defendidas tendem a gerar consequências reforçadoras. Como resultado, a condição "ter em mãos bons argumentos" passa a ser sinalizadora e, de certa forma, controladora do comportamento "expressar e publicar ideias". Disso decorre a premissa de que o comportamento é controlado pelo ambiente -- tanto pelos estímulos discriminativos ("ter em mãos bons argumentos") como em função das consequências selecionadoras.


O esquema acima denomina-se análise funcional -- a principal ferramenta de trabalho do analista do comportamento. A análise funcional explica o comportamento com base nos eventos que o antecedem e nas consequências que o selecionam e o mantém. Trata-se de um excelente modelo. Não obstante, e como cognitivista e estudante de neurociências, sinto-me corriqueiramente instado a indagar: O encéfalo e a mente não teriam espaço nessa história?

Neto, analista do comportamento em formação, comenta que a atividade do cérebro é um comportamento, bem como as emoções e os pensamentos. Tratar a atividade encefálica como comportamento faz com que a neurociência e as abordagens mentalistas estejam explicando não por que certos comportamentos são emitidos, mas como o são. Apesar desse posicionamento, que julgo ser razoável, ainda vejo coerência e conveniência em adotar o cérebro e a mente como guardiões de variáveis que determinam o comportamento. Tentarei, nas linhas seguintes, defender essa proposição.

A explicação mentalista

Minha acepção do termo mente bebe das fontes cognitivista, evolucionista e neurocientífica. Sutilmente distinta da definição que elaborei em "Mente: esboçando uma definição", mente designa um sistema computacional composto por mecanismos razoavelmente especializados em traduzir e processar sinais do corpo e do ambiente. Sua estrutura e seus mecanismos foram modelados pela seleção natural, e sua função primordial consiste em gerir comportamentos adaptativos de distintas complexidades. Cabe sublinhar que mente e encéfalo (isto é, cérebro, cerebelo e tronco encefálico) são, nos níveis sistêmico e funcional, a mesma coisa. O que chamamos subjetividade, a saber, o nível experiencial constituído por padrões imagéticos que representam o mundo e o corpo (p. ex., imagens visuais, auditivas e emocionais), é uma característica exclusivamente mental (mas uma característica encéfalo-dependente). Tentarei, com base nessa definição, defender o papel causalístico da mente sobre o comportamento.


Crianças pequenas aprendem a falar o idioma típico das pessoas com quem convivem; gatinhos e pintinhos, não. O encéfalo de humanos e gatos foi modelado diferencialmente pela seleção natural, um conjunto de causas longínquo, distante. A causa imediata de seus potenciais de aprendizagem diferenciados reside, com efeito, na diferença de suas mentes.

Em um de seus textos, Ramon Cardinali, um de meus amigos behavioristas, assevera que as origens do comportamento são históricas. Digamos que João descobriu, por acaso, que os pães da padaria estão mais quentinhos às dez horas da manhã. Após esse e outros episódios similares (ainda bem que os padeiros são pontuais), João passou a comprá-los diária e rigorosamente às dez. Desse modo, diríamos que a origem do seu comportamento atual ("Ir à padaria às dez horas") pode ser explicada por um histórico de consequências específicas. Correto. Por outro lado, é importante lembrar por que João é suscetível à aprendizagem e ao controle de contingências ambientais. Isso acontece porque sua mente possui recursos mnemônicos (que consolidam a aprendizagem), dispositivos que simulam o futuro e antecipam consequências e, é claro, intricadas vias envolvidas no planejamento e na tomada de decisão. Veja que a explicação cognitivista, imediatista e mentalista, não suplanta a explicação histórica daquele comportamento. São explicações complementares.

Situações de desempenho são esclarecedoras. Dois rapazes, Douglas e Silas, estão disputando arremessos no basquete. Douglas têm pernas e braços vigorosamente desenhados pela academia e é alto; Silas é magro e pequeno. Embora ambos possuam apontaria mediana, Douglas supera Silas porque seu corpo permite-lhe arremessar com mais eficiência. Sabemos que a academia e certos genes que regulam a altura tiverem papel imprescindível na diferença de desempenho dos rapazes; mas não é menos verdade que a diferença de corpos causou a diferença de resultados. Essa lógica pode ser generalizada para explicar diferenças de rendimento cognitivo e de padrões de comportamento interindividuais (p. ex., diferenças de personalidade).

Um último exemplo. Citei anteriormente algumas origens históricas do comportamento "expressar e publicar ideias". Aquelas causas próximas (consequências selecionadoras) explicam bem por que escrevo. Mas também é verdade que escrevo porque gosto, porque valorizo a transmissão de conhecimento e porque espero fertilizar debates esclarecedores e envolventes. Explicar que minhas crenças e expectativas têm origem histórica e são gradualmente selecionadas (causação próxima) não invalida sua função, qual seja, fornecer uma explicação imediata para o comportamento em questão. Se em vez de excitado (tomado por emoções) e cheio de expectativas (isto é, movido por crenças centrais e intermediárias) a ansiedade e o receio dominassem meu corpo, haveria menos palavras e parágrafos ao longo deste texto -- se é que haveria texto.

Como vemos, ser mentalista não resulta em negar o desenvolvimento histórico do comportamento. O que os mentalistas fazem é tomar a mente como um referencial explicativo. Para tanto, tratam atributos como pensamentos, sentimentos e mecanismos psicológicos como variáveis independentes, isto é, como determinantes do comportamento.(3) Ainda assim, parece que os mentalistas concordam que a mente trabalha conforme as circunstâncias ambientais. João, que vai à padaria diariamente às dez horas, só o faz, digamos, porque seu relógio e sua fome o sinalizam (eventos antecedentes). Mas um cognitivista diria que as horas e a fome controlam o comportamento de João por causa da natureza (humana) e das particularidades (p. ex., registros ontogênicos) de sua mente, isto é, em razão do trabalho em equipe de mecanismos como a memória, o pensamento, a antecipação de consequências e a tomada de decisão. Esses recursos, que compõem as engrenagens da mente, são pontos-chave de uma explicação cognitivista do comportamento.

Para finalizar, deixarei uma sugestão e, adicionalmente, um resumo daquilo que penso sobre a determinação do comportamento. Julgo ser razoável propor que os três níveis explicativos do comportamento atualizam-se no nível imediato, mentalista.(4) Genes, comportamentos e hábitos culturais selecionados não determinam de longe, do passado, nosso comportamento atual. Em vez disso, suas vias determinísticas estão situadas no que alguns teóricos denominam "sistema mente-encéfalo". Mesmo que a atividade da mente dance conforme a música ambiental, os mecanismos, os potenciais e os registros mentais são variáveis imprescindíveis para uma explicação rica, imediata e diferencial do comportamento.(5)


Considerações finais

Vejamos as principais asserções desenvolvidas e/ou aludidas ao longo deste texto:

  • Diferenças de espécies em relação ao comportamento e à cognição devem-se, em grande parte, a diferenças de encéfalos;
  • Mente e encéfalo são, nos níveis sistêmico e funcional, a mesma coisa. A subjetividade, isto é, o nível experiencial constituído por padrões imagéticos que representam o mundo e o corpo (p. ex., imagens visuais, auditivas e emocionais), é uma característica exclusivamente mental (mas uma característica encéfalo-dependente).
  • Os modelos de explicação mentalistas refletem, de certa forma, padrões de funcionamento do encéfalo(6);
  • Abordagens mentalistas não são necessariamente dualistas;
  • Diferenças interindividuais de comportamento e cognição decorrem de diferenças de encéfalos, isto é, de diferenças de mentes;
  • Genes, ontogênese e cultura estão envolvidos no desenvolvimento do encéfalo;
  • Influências genéticas, ontogênicas e culturais determinam o comportamento e a cognição por modificarem o encéfalo;
  • As circunstâncias ambientais controlam o comportamento em razão da natureza e das particularidades do encéfalo, isto é, da natureza e das particularidades da mente.

Se explicar a inteligência -- ou o comportamento -- é, como asseverou Daniel Dennett (1981), a função da Psicologia, não devemos nos limitar aos níveis de explicação histórico e circunstancial. A origem de padrões cognitivos e comportamentais decorre do enlace entre genes, ontogênese e cultura. Apesar disso, e como brincou Aaron Beck (1998), rastrear toda a história causalística de nossos comportamentos demandaria uma viagem às origens do universo. O status quo do encéfalo, na medida em que é sistematizado em termos mentalistas, fornece uma explicação imediata e -- às vezes -- econômica de por que interpretamos o mundo e atuamos de maneiras particulares -- e explica também nossas diferenças cognitivas e epistemológicas.


Notas

(1) O "Círculo da Savassi" é um grupo informal de estudo e debates composto por psicólogos e estudantes de Psicologia belorizontinos.

(2) Usarei, ao longo do texto, apenas exemplos de comportamento operante.

(3) Cabe ressaltar que a categoria de fenômenos denominados "comportamento" é bem mais abrangente para um behaviorista.

(4) A mente não se enquadra no nível de explicação selecionista.

(5) Sabemos que há diferenças decisivas entre os modelos mentalistas atualmente propostos. Desconfio, em razão do atual estado da arte das ciências da mente, que os modelos capazes de se adequar aos e influenciar os achados e modelos neurocientíficos têm -- mesmo que potencialmente -- maior poder explicativo e preditivo sobre o comportamento.

(6) Mesmo os modelos mentalistas de caráter dualista refletem, sem querer, aspectos da atividade encefálica.

Referências

  • Alford, B.A., Beck, A.T. (1998). The Integrative Power of Cognitive Therapy. The Guilford Press.
  • Andery, M. A. P. A., Micheletto, N., & Sério, T. M. A. P. (2002). O modelo de seleção por consequências a partir de textos de B. F. Skinner. In Teixeira, A. M. S. et al. (orgs.). Ciência do comportamento: conhecer e avançar. ESETEC.
  • Dennett, D. (1981). Brainstorms: Philosophical Essays on Mind and Psychology. MIT Press.

25 comentários:

  1. Daniel, se estou entendendo, quando você se refere à mente, refere-se na verdade ao cérebro. É isso mesmo?

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  2. Olá, Alecto. Como Ramon comentou em seu texto "As origens do comportamento", há quem defenda a ideia de que a mente é aquilo que o cérebro faz. Por outro lado, o cérebro também faz coisas que não tem relação direta com a mente. Mas os modelos mentalistas -- em especial os modelos cognitivo e neuropsicológico -- de explicação do comportamento estão cada vez mais se aproximando de modelos explicativos desenhados por neurocientistas - e vice-versa. Então, e só para ser um pouquinho otimista, enquanto falamos de um estaríamos mais ou menos falando do outro.

    Um abraço.

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  3. Acho que seria importante para seu texto vc DEFINIR o que entende por MENTE e por COGNIÇÃO.

    Se bem interpretei seu texto, não vi nele mentalismo quase nenhum.

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  4. Como disse o Pedro, o uso dos termos "mente" e "mentalista" dão a impressão de que se está falando sob uma perspectiva dualista, onde há um cérebro material e uma mente imaterial. Mas o conteúdo do texto parece, de modo geral, materialista.
    Os behavioristas chamam os cognitivistas de mentalistas, acho que quase sempre com implicação de chamá-los dualistas.
    Não acho necessário aceitar o rótulo de mentalista para ser um cognitivista. Os processos "mentais" (ou seria melhor dizer cerebrais?) são comportamentos que ocorrem em um meio físico em contato, por meio dos sentidos, com o restante do ambiente.
    Não vejo problema em considerar esse meio físico, o cérebro, em separado na cadeia de eventos que determinam o comportamento.
    Quando Skinner veio com o Behaviorismo Radical o cérebro era de fato uma caixa-preta alvo de todo tipo de especulação e da qual poucas explicações de cunho científico eram derivadas devido aos limites tecnológicos da época.
    Atualmente temos meios cada vez mais sofisticados de explorar a caixa-preta, meios que estão propiciando informações de cunho científico que ampliam nossa compreensão e trazem resultados práticos.
    O problema que tenho visto atualmente no discurso do Behaviorismo Radical é justamente afirmar que {cérebro} ⊆ {ambiente} logo {cérebro} = {ambiente}, quando obviamente {cérebro} ⊊ {ambiente}, ou seja: o cérebro faz parte, ou está contido, no ambiente, mas não é per se o ambiente.

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  5. Pedro, normalmente utilizo os termos mente e cognição como sendo sinônimos. No entanto, na literatura encontramos o termo cognição mais empregado para denotar um conjunto de funções ou ferramentas mentais, como p. ex. a atenção, a memória, a linguagem e a percepção.

    Pensados dessa forma, e como discuti hoje à tarde com um colega, a cognição está para a mente assim como o motor está para o carro. O funcionamento e a funcionalidade da mente dependem de suas engrenagens, isto é, da cognição.

    Psicólogos e cientistas evolucionistas costumam dizer que a mente é composta por diversos dispositivos ou órgãos mentais. Esses órgãos, nossas funções cognitivas, foram sendo modelados gradualmente pela seleção natural. O que eles fazem é, em conjunto, processar informações mais ou menos específicas para gerir respostas adaptativas. Com efeito, minha tendência de tratar cognição e mente como termos homólogos pode ter sido influenciada por essa perspectiva.

    Portanto, e como esbocei em um outro texto (http://danielgontijo.blogspot.com/2010/05/mente-esbocando-uma-definicao_18.html), "mente" designa um sistema computacional composto por mecanismos razoavelmente especializados em traduzir e processar sinais do corpo e do ambiente. Sua estrutura e seus mecanismos foram modelados pela seleção natural, e sua função primordial consiste em gerir comportamentos adaptativos de distintas complexidades.

    Padronizei, para facilitar a compreensão da minha proposta, a maioria das utilizações do termo "cognição" para o termo "mente", bem como acrescentei, no texto, um excerto contendo a definição exposta acima. Obrigado pela dica.

    Um abraço.

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  6. Cláudio, ser mentalista não implica necessariamente em ser dualista -- você notou. Por outro lado, e como tratamos também da subjetividade, não podemos dissolver o termo "mente" no termo "encéfalo". Mente e encéfalo são, enquanto sistema, a mesma coisa. Mas o termo "mente" carrega consigo a qualidade da experiência. Podemos chamar isso de subjetividade, dentro da qual somos contemplados por fenômenos como a dor, a alegria, a vermelhidão do vermelho e o amargo do café. Apesar de que o campo da subjetividade esteja essencialmente assentado na filosofia, podemos estudar cientificamente suas operações e bases determinísticas -- bem como suas influências sobre o comportamento. É aqui que as ciências da mente, entre elas a Psicologia Cognitiva e a Psiquiatria, entram em cena.

    Um abraço.

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  7. Olá Daniel, li seu texto e achei bastante interessante, porem eu tbm tenho minha "versão" não mentalista pra alguns dados que vc diz serem explicados somente mentalistamente.

    Quando vc diz que seu mentalismo não é dualista, na verdade vc continua dualista, só que não em substancia mas em qualidade. Existe ainda "causa-efeito" do mecanicismo. A relação novamente é ignorada em função de um novo homúnculo.

    Um sujeito x aprender mais rápido que um sujeito y, não nos diz que a uma instância ou instâncias mentais/cerebrais que facilitem esse intercurso ou causem a aprendizagem mais rápida em relação a y.

    Podemos claramente encontrar a "causa" dessa diferença nos 3 níveis de seleção. Uma causa mental como vc defende seria um apelo a um constructo que aparentemente resumiria a explicação (tipo o drive) mas de certa forma reduziria os determinantes a um intermédio sendo a partir dai fácil ignorar as variáveis causadoras...

    Os behavioristas neurocientistas não vêem o cerebro como uma maquina cheia de "peças". Mas como uma central extremamente plástica, que altera sua estrutura e fisiologia depois de cada aprendizado. O aprendizado não é metaforicamente transformado em informação como nos modelos computacionais, mas entendido como a própria mudança estrutural (se olharmos do ponto de vista anatomo-fisiologico) e na topografia e freqüência de operantes (se olharmos de um prisma analítico comportamental) e está totalmente envolvida com o ambiente em que acontece.

    Na ABPMC a prof Amália nos disse que o cérebro é a unidade de retenção do operante assim como o gene é a unidade de retenção da seleção natural.

    Ao contrario de vc, acho que os Neurocientistas, Psiquiatras e Médicos devem adotar o modelo anti-mentalista. Devemos estudar a cognição de um ponto de vista anti-mentalista, e o behaviorismo radical seria um ótimo paradigma para eles.

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  8. Obrigado pela participação, Marcos.

    "Quando vc diz que seu mentalismo não é dualista, na verdade vc continua dualista, só que não em substancia mas em qualidade. Existe ainda "causa-efeito" do mecanicismo. A relação novamente é ignorada em função de um novo homúnculo."

    Marcos, confesso que não compreendi muito bem esse trecho. Em que sentido a perspectiva defendida no texto continua dualista? E onde foi que você encontrou um homúnculo?

    "Um sujeito x aprender mais rápido que um sujeito y, não nos diz que a uma instância ou instâncias mentais/cerebrais que facilitem esse intercurso ou causem a aprendizagem mais rápida em relação a y."

    Para citar um exemplo, o construto "memória de trabalho" explica em larga medida as diferenças individuais relacionadas à aprendizagem. O tecido neural referente à porção dorsolateral do córtex pré-frontal tem sido citado exaustivamente como sendo sua base/seu nível biológico.

    "Os behavioristas neurocientistas não vêem o cerebro como uma maquina cheia de "peças". Mas como uma central extremamente plástica, que altera sua estrutura e fisiologia depois de cada aprendizado."

    É verdade: a aprendizagem, no nível neural, refere-se à modificação fisiológica das redes e dos padrões de comunicação neuroquímica. Mas o encéfalo não é tão plástico como alguns pensavam e seu funcionamento não é tão homogêneo/uniforme e totalmente "entregue" à lapidação ambiental. Há circuitos especializados na tradução e no processamento dos sinais ambientais e corporais. Há estruturas imprescindíveis para a consolidação da aprendizagem (memória), bem como circuitos que controlam e supervisionam nossos comportamentos mais sofisticados -- graças aos quais arquitetamos uma sociedade civilizada. Os livros "Tábula Rasa" e "Como a Mente Funciona", do cientista cognitivo Steven Pinker, tratam apropriadamente desse tema.

    Espero ter sido suficientemente claro em minhas tréplicas.

    Um abraço.

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  9. Oi Daniel,

    deixa eu me explicar melhor quando ao dualismo da posição cérebro-comportamento.

    Essa é um paradigma novo entre os behavioristas.

    Se você assumir que o cérebro causa comportamento, ou mesmo processa como uma maquina, você está assumindo que o comportamento expressa algo interno ao individuo. Um homúnculo. O dualismo cartesiano substancial (que admitia haver uma mente substancial porem imaterial) foi somente um pouco modificado (agora a mente é material, mas continua interna ao sujeito). Eu vejo na neuropsicologia cognitiva e suas variantes uma recaptulação do behaviorismo metodológico ou mesmo do interacional R-O-S. O behaviorismo radical é incompreendido nesse sentido pois para nós comportamento é relação, mas relação DO organismo como um todo.

    A resposta não pode ser dividida do organismo como em: S-O-R, mas acontece dele e nele, mais ou menos assim: S-RO-S.

    Tem um texto da Matos que diz ser uma redundância dizer Comportamento dos Organismos.
    Pois ambos são sinônimos.

    É neste sentido que os behavioristas entendem o cérebro. O comportamento não expressa o cérebro como imput-output, mas pelo contrario, o cérebro é parte do comportamento total, uma unidade de retenção, que inclusive contem estruturas que facilitam certos comportamentos (relações com o ambiente) desde antes do nascimento (mas que foram selecionados por sua vez na seleção natural).

    Mas, porém, como pragmatista que sou, reconheço que constructos cognitivos tem funcionado bastante na previsão e controle de comportamento como o caso que citou da "memória de trabalho", o que não concordo é querer achar esse constructo dentro do cérebro e dar uma realidade a ele.

    Vc já leu Aprendizagem do Catania?

    Lá ele diz serem os cognitivistas e os behavistas diferentes hoje em dia mais na linguagem: os primeiros estruturalistas e os segundos funcionalistas. Mas ambos tem grande apelo a ciência experimental.

    Concordo em partes com Catania, pois mesmo sendo muito parecidos em algumas partes, o seu objeto de estudo muda de acordo com a linguagem que vc utiliza.

    Os behavioristas vem se esforçado nos ultimas decadas a demonstrar como o que é tradicionalmente entendido como cognição pode ser entendido como relação como comportamento. E vem sendo bem sucedidos nisso. São mais lentos em obterem resultados, se comparados aos cognitivas e seus constructos hipotéticos.

    Mas é bacana encontrar um cognitivista aberto a discussão construtiva. Meus professores mentalistas da faculdade são fechados e preconceituosos, sou praticamente o único behaviorista da sala de aula.
    E existem também a falsa crença no meio acadêmico que a mente voltou e venceu o behaviorismo.

    E isso é a mais pura mentira, pois os behavioristas tem cada vez mais pesquisas sobre temas tradicionalmente cognitivos, além de estarmos avançando na área da subjetividade, cultura, e neurociencia dentre outras.

    Admiro bastante seu trabalho, mas estamos destinados a concorrer (Kuhn) nossas ciências são irmãs, mas inimigas no nicho da Psicologia, mas não é por isso que precisamos nos ofender mutuamente (vide Chowmsky)

    Obrigado pela paciência!!!
    Abraço!!!

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  10. Entra no meu blog quando der tempo, lá tem algumas materias sobre termos e processos cognitivos "traduzidos" pela analise do comportamento.

    http://funcionalanalise.blogspot.com/

    Será um prazer continuar debatendo com vc, vai me ajudar a crescer muito!

    Abraço!

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  11. "Em termos funcionais, essa cadeia comportamental FAZ PARTE de um conjunto mais amplo de respostas: aquele referente ao correr-desviando-de-obstáculos (cujo desempenho varia entre as pessoas)".

    Essa sua analise é bem behaviorista, a cadeia está presente enquanto comportamento, mas não é causa do comportamento, sendo uma das variáveis dependentes da relação organismo-mundo.

    Mas tudo depende do angulo que vc olha, vou falar do que estou estudando no momento de farmaco, se observarmos um caso de depressão por exemplo, a uma diminuição de serotonina e noradrenalina em determinadas áreas cerebrais, (hipocampo me corrija se eu estiver errado...) se observarmos esse recorte sem relaciona-lo a um contexto mais amplos podemos (erroneamente) concluir que a baixa incidência desses neurotransmissores é a causa da depressão.

    Eu olho de forma diferente, essa diminuição de neurotransmissores é função de variáveis externas, (contingencias de fuga-esquiva, desamparo aprendido, punição, etc...), mas não são tambem elos intermediarios (como em uma cadeia mecanica causa-efeito), elas são variáveis dependentes que acontecem ao mesmo tempo e são também ao mesmo tempo parte do fenomeno descrito como depressão.

    Em nenhum momento uma analise neuro vai inutilizar uma analise behaviorista, vai torna-la mais rica, mas uma analise voltada para a alteração do comportamento pode sobreviver com certa independência de uma analise neuro (a não ser em casos de organismos não-intactos). Acho que são áreas que vão se casar no futuro (neuro-behaviorismo).

    hehe Talvez um dia você mude pro behaviorismo tbm ninguém sabe...hehe

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  12. Grato pelo esclarecimento, Marcos.

    Compreendo a proposta, até aludida em meu texto, de que a atividade do encéfalo seja um tipo de comportamento. O comportamento, como você comentou, está na relação organismo-ambiente. Mas sinto que esse modo de conceituar/analisar o organismo/comportamento limita nossas possibilidades de estudo e atuação. Por exemplo, e lançando mão de termos cognitivistas, sabemos que algumas pessoas raciocinam mais rapidamente, aprendem com mais eficiência e armazenam, em sua memória de trabalho, um maior número de informação. Uma vez com essas premissas e conceitos em mãos, podemos arquitetar testes de inteligência/habilidades cognitivas, avaliar e comparar pessoas e sondar quais variáveis (p. ex., genéticas e desenvolvimentais) deram ORIGEM às suas diferenças individuais. Não vejo como a ciência do comportamento, desprovida de "metáforas mentais", poderia desenvolver esse tipo de trabalho.

    A respeito do suposto homúnculo, Marcos, creio que sua presença aparente decorra da minha tentativa de explicar o comportamento (a atividade global do organismo) a partir do trabalho do encéfalo (que é parte do organismo). Mas o que chamo comportamento é um tipo de atividade organísmica mais restrita/menos global. Um "operante público" descreve razoavelmente o que denomino comportamento. Afora isso, no meu ponto de vista, estaríamos falando de processamento cognitivo (que, como argumentei, também depende do contexto ambiental, é material e controla nosso comportamento ["Ir à padaria comprar pães"]).

    (Continua...)

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  13. Ademais, não vejo problema em tentar encontrar a "realidade biológica" de construtos como a memória de trabalho. Podemos, se quiser, até tratá-la como um comportamento específico do encéfalo -- digamos, a forma de circuitos dorsolaterais do córtex pré-frontal interagir com/controlar os circuitos do occiptal, responsáveis pelo processamento visual. O problema estaria em explicar e medir, pela linguagem/método behaviorista, sua função e desempenho: o comportamento do circuito dorsolateral do córtex pré-frontal, que é diferente entre as pessoas, controla o comportamento de circuitos occiptais (distinto entre pessoas) e, com base na resposta deste último, controla os circuitos motores (idem) que, por seu turno, controlam o comportamento das pernas. Em termos funcionais, essa cadeia de comportamentos FAZ PARTE de um conjunto mais amplo de respostas: aquele referente ao correr-desviando-de-obstáculos (cujo desempenho varia entre as pessoas). Nesse caso, você pode concordar, mostra-se mais conveniente/econômico adotarmos termos cognitivistas para explicar o comportamento/desempenho em questão, entre eles memória de trabalho, processamento viso-espacial e habilidades psicomotoras específicas.

    Marcos, ainda não li o referido livro do Catania. Posso pegá-lo depois, quando estiver com mais tempo livre (i. e., nas férias).

    Concordo que estamos, de certa forma, competindo. Mas vejo, pelo menos nesse contexto, que é uma competição saudável e, se tivermos suficiente maturidade, uma oportunidade de nos compreendermos melhor e crescer. Se estiver com tempo, Marcos, podemos continuar a debater.

    Um abraço.

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  14. Marcos, acabei corrigindo, antes de ler e receber seus últimos comentários, alguns termos utilizados anteriormente. Portanto, nossos comentários-resposta ficaram fora de ordem (mas acho que isso não comprometerá o andamento da discussão).

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  15. "Essa sua analise é bem behaviorista, a cadeia está presente enquanto comportamento, mas não é causa do comportamento, sendo uma das variáveis dependentes da relação organismo-mundo."

    Sim, exatamente. Tentei decompor o comportamento "correr-desviando-de-obstáculos" em termos behavioristas, bem como defender a perspectiva cognitivista como sendo mais econômica e eficiente em sua explicação (do comportamento global): p. ex., pessoas com maior capacidade na memória de trabalho teriam certa vantagem em provas atléticas. No meu ponto de vista, tratar a memória de trabalho como uma estrutura que possui uma função pode ser mais elucidativo e prático do que tentar encadear pequenas e intrincadas respostas para explicar certos comportamentos (ainda mais quando tentamos casar Psicologia com neurociências).

    "Em nenhum momento uma analise neuro vai inutilizar uma analise behaviorista, vai torna-la mais rica, mas uma analise voltada para a alteração do comportamento pode sobreviver com certa independência de uma analise neuro. Acho que são áreas que vão se casar no futuro (neuro-behaviorismo)."

    Concordo com você, Marcos. A explicação bioquímica não suplanta a explicação psicológica/comportamental; são explicações complementares -- são diferentes níveis de análise. No entanto, desconfio que o casamento entre as ciências cognitivas e as neurociências será/vem sendo mais duradouro e fértil.

    "hehe Talvez um dia você mude pro behaviorismo tbm ninguém sabe...hehe"

    Não descarto a possibilidade. Gosto muito -- do que entendo -- do behaviorismo, da análise do comportamento, e até cheguei a atender com base na abordagem. Mas sinto que as ciências cognitivas são mais promissoras, versáteis e excepcionalmente conciliativas em termos de inter e transdisciplinaridade.

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  16. A mais razões econômicas e ideológicas envolvidas nessa aparente promissoridade do cognitivismo do que razões práticas.

    1) No nosso contexto social, qualquer explicação que compartimentalise, internalise e descontextualise será mais aceita. O contextualismo é combatido na ciência no mundo ocidental-capitalista-individualista.

    2)Lobs Empresariais, dentre eles o farmacêutico, logicamente patrocinarão pesquisas que achem algum determinante neuro-mental que seus magnificos farmacos possam tratar, e pesquisas que busquem determinantes relacionais tendem a receber pouco ou nenhum investimento, (vejo pesquisadores pagando do próprio bolso para pesquisar em A.C.)

    3) O cognitivismo não traz nada de novo a visão cientifica, é apenas uma recapitulação de antigos filosofos, como Kant, Descartes, Leibniz, Locke e Platão, dentre outros.

    3) O cognitivismo é herdeiro de um movimento sócio-histórico pós-feudal que iniciou uma ofuscação de determinações inter-pessoais do comportamento em prol de uma visão mecânica e individualista (Tourinho, 2004).A inteligência passou a ser de fenômeno relacional entre organismo-mundo, organismo-organismo, passou a ser algo interno determinante "Inteligência", e que era essa indeterminada e criadora do ato inteligente, responsável por ele. Penso logo existo. Pois assim o homem individual era afirmado como o existente, todo o resto existia por causa do homem pensar. O homem que pensava melhor poderia dominar o que pensava pior.

    Mais uma vez eu contextualizando.

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  17. Mas é uma tentativa de contextualização importante, Marcos. Devemos estar atentos às tendências econômicas e sociais que influenciam o desenvolvimento e a manutenção do nosso modo de pensar.

    Apesar disso, e como você comentou, a perspectiva cognitivista vem sendo semeada desde os primórdios do pensamento filosófico, não sendo simplesmente um produto do individualismo e da indústria pós-modernos. Além das razões egocêntricas e econômicas, há também razões práticas envolvidas na força dessa perspectiva. Como comentei outrora, não vejo como abordar satisfatoriamente problemas como declínio cognitivo, diferenças cognitivas interindividuais e grupais e avaliação/reabilitação neurológica a não ser pelo viés cognitivista.

    As ciências, para prosperarem mais, precisam dialogar. Problemas dentro de uma ciência podem ser apropriadamente entendidos pelas lentes de outra ciência. Não nego que o modelo behaviorista seja bom, mas ao mesmo tempo não o vejo como o melhor representante da Psicologia nos contextos multi e transdisciplinar.

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  18. Isso acontece porque a linguagem e epistemologia deste é bem diferente do de outras áreas científicas... o funcionalismo Machiano não é aceito em certos círculos, não por ser errôneo, mas pelo fenômeno que tratam não necessitar de tanta rigorosidade.

    O cognitivismo nasceu na Grécia antiga quando esta passou de sociedade pastoril para sociedade de trocas comerciais...

    O individuo em sociedades assim ganha destaque... O individualismo Grego floresceu até o declinio de Roma quando a ideia de sujeito individual quase morreu, quando ressurgiu no inicio da renascença.

    O Cognitivismo dialoga melhor com a neuro/medicina etc.. por ter uma episteme e linguagem parecida, além de métodos estatísticos entre sujeitos do modelo médico.

    Mas mesmo alguns médicos reconhecem que o modelo estatístico não é capaz de dizer muito sobre causas reais... ele apenas descreve entidades nosologicas, constructos estatisticos-teóricos.

    Memória, Cognição, Fator g, etc... São entidades inferidas de padrões estatísticos, baseados em analises fatoriais/ correlações. Minha professora de Medidas (Psicometria) era Analista do Comportamento, e aprendi um pouco de psicometria graças a ela, além da postura crítica da analise do comportamento.

    Médias, Modas, Medianas, Constructos, Correlações são indicadores de estimativas, regularidades... mas são pobres em apontar variáveis independentes.

    Mais uma vez voltamos a crítica do homem no vácuo.

    Vc viu a resposta que te dei do cachorrinho lá no analise funcional?

    Cognições, Inteligencia, etc... são inferidos de comportamento público.

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  19. "Memória, Cognição, Fator g, etc... São entidades inferidas de padrões estatísticos, baseados em analises fatoriais/ correlações."

    Depende. Como discuti no texto "Em busca da inteligência", conceitos como "memória", "aprendizagem" e "inteligência" são utilizados independentemente da pesquisa psicológica. O que fazemos é tentar tratá-los cientificamente.

    "Médias, Modas, Medianas, Constructos, Correlações são indicadores de estimativas, regularidades... mas são pobres em apontar variáveis independentes."

    Não acha que uma correlação entre "mortalidade precoce" e "fumo" seja reveladora? A respeito dos construtos, tomemos novamente a memória de trabalho. Não é estranho que as pessoas mais inteligentes são as mesmas pessoas que retêm e manipulam informações (digamos, visuais) de forma mais eficiente? Ignorar a estrutura fisiológica do encéfalo resulta em deixar muitas perguntas importantes sem resposta. Se pudermos, psicólogos e neurocientistas, trabalhar juntos, teremos mais ferramentas para solucioná-las. Concordo que os números, sozinhos, não dizem muita coisa. Precisamos saber interpretá-los e acomodá-los à realidade.

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  20. Estamos chegando em um acordo agora.
    Acho extremamente relevante as pesquisas estatísticas, mas a mesma não diz "como" só diz que "acontece". Inferir uma causa interna pra ligar x a y é mentalismo/dualismo.

    No caso do cigarro essa causa é verificavel.

    No caso das pessoas inteligentes, ser inteligente é um rotulo a resultados e observações de eficiência de comportamentos em contextos, como resoluções de problemas, etc.

    Uma boa visão, uma boa manipulação de "imagens" que chamou de comportamento de ver (na presença ou na ausencia da coisa vista) logicamente melhorará o desempenho dessa pessoa em sua relação com o mundo (se isso não acontecesse não seria selecionado em seu repertório). E se olharmos o encefálo dessa pessoa é lógico que acharemos modificações anatomo-fisiológicas-funcionais nele. Mas até que não façam uma pesquisa séria sobre o antes o durante e o depois de uma contingência de reforçamento de instalação de repertório novo(com neuro-imagens) não é possível afirmar que foi a estrutura e não a função que teve papel causal no responder.

    Não me entenda mal Danilo, acho de extrema importancia o conhecimento neuro, só acho um reducionismo atribuir a ela o papel causal do nosso comportamento.

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  21. Marcos, tomar a mente/encéfalo como referência explicativa não implica necessariamente em descartar o papel do ambiente sobre um fenômeno/comportamento. Peguemos o declínio cognitivo, p. ex., que tem sido tema dos meus estudos recentes. Vimos verificando que as pessoas, ao longo do desenvolvimento (sobretudo após os 50/60 anos), apresentam declínio em algumas de suas funções cognitivas (p. ex., velocidade de processamento/resposta e memória de trabalho). Esse é um fenômeno observado tanto em estudos transversais como em estudos longitudinais. O padrão de declínio varia de pessoa para pessoa, e algumas das variáveis que parecem modulá-lo são genética (presença/ausência de certos alelos), ocupação laboral e, mais indiretamente, nível sócio-econômico alcançado.

    Veja que um fenômeno cognitivo, o declínio, que é avaliado por nossos testes padronizados de inteligência e de processos elementares, é abordado levando em conta variáveis ambientais. Por outro lado, ao explicarmos por que Maria está com dificuldade de cozinhar, ou por que João não consegue lembrar onde guardou suas chaves, dizemos que é um problema de, hipotética e respectivamente, controle executivo e deficiência na retenção temporária e/ou evocação de informação. Mais uma vez, explicar um fenômeno em termos cognitivos e de forma IMEDIATA não implica em negar o papel desenvolvimentista e circunstancial do ambiente. Apenas achamos mais prático/elucidador dar ênfase nas estruturas e funções "internas" que orientam o organismo conforme as demandas do ambiente. Se descartarmos esse tipo de análise, Marcos, não sei como abordaríamos satisfatoriamente temas tão urgentes como o declínio cognitivo (urgente em razão do aumento exponencial da expectativa de vida das pessoas em praticamente todo o mundo).

    Sinto que toda ciência é, da sua maneira, reducionista. Analisar o comportamento em termos de suas relações com o ambiente, usando conceitos operacionais como, p. ex., condicionamento e controle de estímulos, é também um reducionismo. O que não podemos, se quisermos progredir, é reduzir nosso conhecimento ao reducionismo de nossa ciência.

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  22. Explique-me melhor isso de reduzir ao reducionismo de nossa ciência.

    É a primeira vez que acho um debatedor na psicologia... todo mundo é sempre tão dogmático.

    Acho que em partes, os outros teóricos subestimam a capacidade explicativa da Análise do Comportamento sem referência a "constructos mentais". Mas também acho que os Analistas do Comportamento em grande parte subestimam a praticidade das teorias cognitivas.

    Acho que o Analista do Comportamento deve reconhecer que existem vantagens na visão cognitiva em determinados contextos de Análise, e o Cognitivista deve entender que todos os seus termos mentais são permutáveis e explicáveis através de contingências, sejam elas respondentes, operantes, metacontingêncas, de 3, 4, 5 termos, etc.

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  23. "Reduzir nosso conhecimento ao reducionismo de nossa ciência" foi mais ou menos uma tentativa de dizer o que você acabou dizendo acima. Nossa ciência, cognitivista ou comportamentalista, pode não dar conta de explicar/descrever toda a variância e desenvolvimento comportamental e, permita-me dizer, cognitivo humano. Nesse momento surge a interdisciplinaridade e, às vezes, a oportunidade de questionarmos se nossos princípios metódicos e/ou teóricos resolvem os desafios propostos.

    Discutir esses pontos costuma ser uma tarefa difícil, como você aludiu. Como qualquer outro tipo de debate, tememos ser refutados e evitamos colocar em questão nossas crenças -- até mesmo nossas crenças paradigmáticas. É um pouco difícil ver o mundo por lentes outras -- no meu caso, pelas lentes de um behaviorista --, mas dessa forma temos a chance de enriquecer nosso conhecimento, de reformular nossas perguntas e de rever nossos próprios modelos.

    Acho que nosso debate tem permitido isso.

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  24. Seria legal fazer um post, utilizando nossas discussões acho que falta hoje (na minha faculdade por exemplo) um melhor entendimento teórico e paradigmático, inclusive da própria abordagem de escolha.

    Ao invés de escolherem um paradigma por sua coerência e praticidade os estudantes acabam escolhendo pela "onda" ou por modismos...

    Tenho aprendido muito com vc Danilo, gostaria de ter tido um professor de Ciências Cognitivas bom e que tivesse boa fundamentação para seu ponto de vista como vc.

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  25. Concordo com você, Marcos. Apesar disso, confesso que, infelizmente, AINDA me coloco dentro do grupo de pessoas cujo conhecimento teórico e paradigmático da PRÓPRIA abordagem é deficitário. Posso estar sendo um pouco rígido comigo mesmo, mas reconheço que me falta domínio e clareza acerca de alguns pontos da ciência cognitiva. De toda forma, debater por aqui é sempre um incentivo para buscar mais, refletir e rever nossos modelos.

    No mais, nossa discussão foi definitivamente produtora de elementos reforçadores. Espero, aos poucos, poder trazer mais dados e propostas refutáveis e discutíveis.

    Obrigado pela atenção e consideração.

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