sexta-feira, 13 de maio de 2011

Terra fértil para o cultivo de novos neurônios

ResearchBlogging.orgDisseram-me, ainda no início do curso de Psicologia, que nascíamos com o número total de neurônios com que contaríamos por toda a vida (cerca de 100 bilhões) e que, para espanto de alguns, perderíamos algo em torno de 10 a 100 mil células desse tipo diariamente. Desde então, nunca li nada que refutasse esta última afirmação, embora -- felizmente -- eu não possa dizer o mesmo a respeito da primeira. Pois é isto: a neurogênese pós-natal é uma realidade e pode revolucionar a medicina vindoura. A formação hipocampal e a zona subventricular são exemplos de sítios nos quais podem proliferar novas células neuronais. Apesar da popularidade da primeira região -- sobretudo em função de seu envolvimento com a efetivação da aprendizagem --, tratarei das características da zona subventricular.


Geografia, fertilidade e rotas subventriculares(1)

A zona subventricular é uma camada de células localizada na parede lateral de cada ventrículo lateral. Em se tratando de roedores, estima-se que entre 10 e 30 mil neurônios são gerados nessa região diariamente.

(C) Corte coronal do cérebro de um ser humano adulto. (D) Ampliação da parede lateral de um dos ventrículos laterais (LV).
Lá, a geração de novos neurônios deve-se ao trabalho de células astrocíticas (do inglês astrocyte-like cells), algumas das quais são capazes de se regenerar, se proliferar e se diferenciar (se especializar) em novas células. Em razão disso, as células astrocíticas podem ser também chamadas de células progenitoras ou, ainda, células-tronco neurais. As novas células neurais, contudo, não desempenham suas funções na zona subventricular. Antes de se tornarem "células maduras", derivações das células astrocíticas, os neuroblastos, migram rostralmente a uma outra região: o bulbo olfatório (porção responsável pelo processamento de sinais olfativos).


A figura (a) mostra, da direita para a esquerda, a zona subventricular (SVZ), a rota de migração rostral (RMS) e o bulbo olfatório (OB). A figura (b) representa três neuroblastos sendo envolvidos pelos "braços" de um astrócito. A rota migratória rostral (RMS), caminho através do qual os neuroblastos viajam até seu destino final, o bulbo olfatório, é composto por tubos arquitetados por células astrocíticas. Ao chegarem no bulbo olfatório, os neuroblastos se especializam em neurônios de associação (ou interneurônios), variando entre os tipos glomerulares e periglomerulares. Eis abaixo um exemplo real de migração neuronal.(2)


Apesar de a migração celular ser programada geneticamente, tem-se observado a atuação decisiva de neurotransmissores na proliferação, diferenciação e maturação dessas células. GABA, glutamato, serotonina e dopamina têm sido apontados como os mais importantes. Com efeito, compreender esse intricado padrão de sinalização poderá contribuir para a formulação de intervenções reparadoras do encéfalo (p. ex., retardando ou impedindo a progressão de quadros como o Alzheimer) e até mesmo melhorar a eficiência de transplantes.

Adubando o encéfalo

Meu amigo e psicólogo Thiago Santos emprestou-me recentemente uma edição da revista Psique (2010) que traz uma reportagem sobre neurogênese e memória. Conforme declara essa reportagem, alguns medicamentos, a alimentação, a prática de esportes, a gravidez e a exploração de novos ambientes podem facilitar o surgimento de novos neurônios. No caso da alimentação, chocolate e frutas vermelhas seriam boas indicações. Em se tratando dos medicamentos, os antidepressivos, os estabilizadores de humor e até mesmo o Viagra. Já a prática de esportes e o espírito explorador não foram tratados detalhadamente. Mas deixo duas ressalvas: 1) Deve-se atentar para os efeitos colaterais da aderência de algumas dessas estratégias (como comer muito chocolate e decidir ter um bebê) e, talvez mais importante; 2) A maior parte desses achados não foi ainda replicada em sujeitos humanos.


Notas

(1) Seção baseada em Platel et al. (2010). Referência detalhada mais abaixo.

(2) Vídeo sugerido pelo meu colega Cláudio Drews, graduando de Psicologia pela UCPEL.

Referências

  • Medeiros, R. (2010). Memória Apagada. Psique Ciência & Vida, ano V, número 54, junho de 2010.
  • Platel, J., Stamboulian, S., Nguyen, I., & Bordey, A. (2010). Neurotransmitter signaling in postnatal neurogenesis: The first leg Brain Research Reviews, 63 (1-2), 60-71 DOI: 10.1016/j.brainresrev.2010.02.004

11 comentários:

  1. Muito bom post!

    Sobre os psicofármacos promoverem a neurogênese eu sou um pouco (bastante) cético. A classe de medicamentos que supostamente trás algum ganho cognitivo é conhecida como nootrópicos, e até a última vez que andei pesquisando, nenhum antidepressivo estava na lista "independente". Certamente uma droga que promovesse a neurogênese estaria na lista... :D

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  2. As pesquisas que conheço que apontam fatores neuroprotetores - e agora de neurogênese - em psicofármacos é patrocinada por laboratórios, de modo que o conflito de interesses exige que tais pesquisas sejam tomadas com cautela.

    Quero aproveitar, também, para dividir alguns vídeos de migração neuronal:
    http://www.youtube.com/watch?v=t-8bxeWqSV4
    http://www.youtube.com/watch?v=ZRF-gKZHINk
    E o crescimento de dendritos:
    http://www.youtube.com/watch?v=n_9YTeEHp1E

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  3. Ouvi uma vez que o Omega 3 também produz neurogenese é verdade?
    Quanto ao ambiente produzir novos neuronios, isso abre campo para pesquisas correlativas entre contingências de reforçamento e crescimento neuronal.

    Artigo bem interessante Daniel!

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  4. Prezado Cláudio,

    Drogas que estimulam a neurogênese entrariam na categoria nootrópica? Conforme diz a Wikipédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Nootr%C3%B3pico), essa classe abrange drogas que melhoram o desempenho cognitivo, atuando em domínios como a memória, a velocidade de processamento e o raciocínio. É claro que o declínio severo no contingente de células neurais vai afetar esses domínios, mas não sei se por esse motivo poderíamos agregar as drogas que estimulam a neurogênese à categoria nootrópica.

    O artigo-base do meu texto (Platel et al., 2010) aborda a influência de padrões de sinalização molecular sobre a proliferação, diferenciação e migração de novas células. Se os antidepressivos e ansiolíticos realmente fazem -- no nível molecular -- o que dizem fazer (algumas modalidades do primeiro, p. ex., aumentariam a concentração extracelular de serotonina), acho viável a hipótese de que de influenciam em alguma medida a neurogênese. Mas concordo com você que temos de ter cuidado com afirmações desse tipo; pode ser de haver interesses-de-mercado por trás dessas hipóteses e de suas respectivas difusões.

    Obrigado pela participação. Acresci um dos vídeos que você sugeriu ao texto.

    Um abraço.

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  5. Achei bastante interessante o texto!!
    Seria legal se houvesse alguma postagem sobre a área de neurociência comportamental.

    Abraços

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  6. Se atua de forma positiva na neurogênese, é bem possível que atue de forma positiva sobre a consolidação da memória (Kitamura et al, 2009 e Bruel-Jungerman et al, 2007), aparentemente dependendo do tipo de memória (Aimone et al, 2009 e Saxe et al, 2007). Não podemos perder de vista, também, que são células tronco as geradas no hipocampo, giro dentado e zona subventricular, de modo que podem - ao menos em teoria - especializar-se em diferentes áreas do SNC (Taupin & Gage (não é o Phineas), 2002). :D

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  7. Sobre a consolidação da memória, Cláudio, citam muito a importância da proteína BDNF (falam algo dela na matéria da Psique que eu referenciei no texto).

    Pois é, pode ser que essas novas células, antes de se maturarem, possam se desenvolver em outras áreas -- uma possibilidade interessante para o ramo médico. (E com certeza o Phineas Gage -- infelizmente -- não se organizaria o suficiente para escrever um artigo científico, rsrs...)

    Pedro, tratarei de buscar trabalhos mais específicos dessa área assim que tiver um tempo extra. Valeu pela sugestão.

    Marcos, nunca li nada a respeito do ômega 3... mas joguei os termos "ômega 3 + neurogênese" no Google e várias páginas falando dessa relação apareceram. Deve haver estudos nesse sentido.

    Um abraço.

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  8. Como é que é, chocolate e frutas vermelhas? vou começar a frequentar mais o rodízio de foundie desse jeito hehehe

    muito interessante mesmo o tema Daniel, eu lembro de aprender no meu ensino médio essa mesma história de que nascemos com tudo e só vamos perdendo. Esse tipo de pesquisa me deixa um pouco mais tranquilo pra tomar a minha cervejinha!

    Quanto a essa parte do seu texto: "Em se tratando dos medicamentos, os antidepressivos, os estabilizadores de humor e até o Viagra." fiquei muito curioso pq nunca tinha ouvido falar nesse tipo de medicamento como tendo aspecto tão positivo. De qualquer forma, tanto esses medicamentos como todas outras sugestões de "adubamento" devem ser pensadas de forma moderada, visto que praticar esportes demais pode detonar seu joelho e sua coluna, viagra em excesso pode resultar em quadros de parada cardíaca e antidepressivos também nem se fala.

    um abraço,
    André

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  9. Verdade, André, ficamos até mais tranquilos para as confraternizações de final de semana, não é? E estou de total acordo com suas ressalvas. No caso dos medicamentos, p. ex., definitivamente não seria uma estratégia adequada para facilitar a neurogênese -- os benefícios decerto não compensam os efeitos colaterais.

    Um abraço e obrigado pela visita.

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  10. aaah, esqueci de comentar! Há uns meses atrás não lembro exatamente como mas achei uns videos seus no youtube mandando um oasis pra galera! hahaahah

    muito legal, eu falei com vc la mas vc nunca respondeu! parabéns pela cantoria, gosto de oasis e achei que ficou legal!

    um abraço,
    André

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  11. Sério, cara? Que legal! Oasis é a banda que eu mais tenho escutado ultimamente! Eu raramente mexo na minha conta do Youtube, e praticamente não domino o sistema. Às vezes eu gravo alguma coisa no meu facebook, sobretudo nos dias mais livres e contentes. Vi que me adicionou por lá. Vamos conversando...

    Abraços!

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